Sal no Whisky – um complô sensorial

Eu não me lembro da primeira vez que vi o oceano. Nem deveria. Provavelmente tinha menos de um ano de idade. Mas bastava chegar perto de algo com o mesmo aroma, que minha memória remetia, imediatamente, àquela praia apinhada de guarda-sóis, com a rebentação das ondas no fundo. O cheiro de mar é inconfundível. Muitos anos mais tarde, li uma matéria que dizia que o cheiro de mar não era sal. Mas, sim, um composto químico, chamado dimetilsufeto (DMS). É uma substância liberada por bactérias marinhas e plâncton. Para criaturas marinhas, tem cheiro de almoço, porque é desses microorganismos que os peixes menores se alimentam. E os maiores se alimentam dos menores. Não é poético, não tem água de coco, […]

Visita à Yamazaki – Kaitenzushi

Eu sabia que existia. Mas, quando vi ao vivo, fiquei meio embasbacado. Pequenas porções de sushi em pratos nanicos, de todas as formas e cores, girando sobre uma esteira oval, como se fossem malas em um aeroporto. Ao redor da esteira, do lado de fora, clientes operando tablets e retirando os diminutos pratos de seu infinito looping. Do lado de dentro, um rapaz japonês, adicionando pedacinhos de peixe cuidadosamente cortados sobre montinhos de arroz. Era meu primeiro dia no Japão, e havia resolvido conhecer um Kaitenzushi. É esse o nome que dão por lá para um estilo bem famoso de sushi – que em inglês, chamam de “conveyor belt sushi”. Apesar de parecer uma cena de algum filme futurista, os […]

A História da Glenlivet – Dos Abacaxis

Este é o primeiro de uma série de posts eventuais sobre histórias de marcas de whisky. Quando outras matérias surgirem, você poderá acessá-las por aqui. Hoje fui ao supermercado e vi um abacaxi. Aliás, um não, vários. Pensei em comprar, mas achei caro. Dez reais. Gosto bastante de abacaxi, mas não tenho nenhum grande fascínio pela fruta. Porém, se eu vivesse na Europa do século dezoito, certamente teria uma opinião bem diferente. É que naquela época o abacaxi era considerado o supra (desculpem-me pela ambiguidade cretina hifenizada)-sumo do luxo. A mera presença da fruta exalava requinte. Muitas vezes, o abacaxi nem era comido – era apenas uma peça de decoração. E quem não podia comprar um, alugava. Mas tinha que […]

A praga que fez o whisky um sucesso

“Vou ensinar um estorninho a repetir apenas “Mortimer”, e lho darei de presente, para manter sua raiva ativa“. Quando William Shakespeare pousou sua pluma para escrever a passagem acima, parte da obra Henrique IV, jamais teria aventado que causaria uma catástrofe aérea. Mas, por uma curiosa conjunção de coincidências, foi justamente o que ocorreu. Em Boston, quatro de outubro de 1960. A história, entretanto, começou bem antes, em 1860, com Eugene Schieffelin. Eugene era um ornitólogo, parte do American Acclimatization Society, um grupo cujo objetivo era introduzir flora e fauna européias nos Estados Unidos, por razões completamente malucas hoje em dia. Eugene era também apaixonado por Shakespeare. Tão apaixonado, que importou todas as aves citadas nas obras do bardo para […]

Presbyterian – Nome de batismo

Coca-cola, Apple, Virgin. Há um monte de marcas com nomes curiosos. O refrigerante, por exemplo, tem uma explicação bem concreta. A receita original da Coca-Cola, inventada em 1885 pelo farmacêutico John Pemberton, de Atlanta, levava, literalmente, cocaína. Obviamente não o pó, mas um extrato da folha de coca, semelhante ao chá usado para o mal de altitude no Peru. A “cola” vinha da noz de kola, que contém cafeína. A Apple, por outro lado, é um caso mais misterioso. Há infinitas teorias que tentam explicar a obsessão de Steve Jobs por maçãs. Uma delas é quase a síntese da navalha de Ockham – ele simplesmente curtia o gosto. Outras são mais sofisticadas. O nome Apple vem antes de Atari na […]

Regiões Produtoras de Whisky da Escócia (Parte II)

Na primeira parte deste texto expliquei, de uma forma bastante resumida, a questão das cinco regiões escocesas. Discorri sobre minha inveja daqueles que apreciam vinhos, uma bebida que transpira sofisticação e elegância. Também falei sobre as duas maiores regiões produtoras de whisky na Escócia: Highlands e Speyside. Se perdeu este texto, leia-o aqui. LOWLANDS De uma forma pouco acadêmica, podemos dizer que tudo que não está dentro das Highlands e não é a ilha de Islay nem Campbeltown faz parte das Lowlands. Infelizmente a Escócia está longe de um país avantajado em extensão territorial. Por isso, não sobra muita coisa nesta estranha intersecção entre a matemática e a geografia. Seja como for, a região das Lowlands está ao sul da […]

Regiões Produtoras de Whisky da Escócia (Parte I)

Uma vez disse por aqui que eu queria gostar mais de vinho. Pois é. É que vinho quase não é bebida alcoólica. Tenho um par de amigos que não bebe, mas toma uma taça de vinho de vez em quando. Afinal, faz bem para o coração. Vinho é elegante. Em certas situações, beber vinho é quase excêntrico. Sonho em degustar um belo Dolcetto D’Alba vestindo um colorido robe de chambres ao som de algum compositor pós-gótico. Mas, infelizmente, nem saberia identificar um belo Dolcetto D’Alba. Além disso, não tenho nem roupão e sou bem mais propenso à música clássica moderna ou ao rock. Vinho também é cultura. É quase um curso em gastro-eno-geografia, se o termo gastro-eno-geografia existisse. As pessoas […]

Dos Barris (ou um miniguia inútil sobre algo que você jamais fará)

Platelmintos e nematelmintos. Planárias são platelmintos e sem dimorfismo sexual, porque são hermafroditas. Eles fazem parte de uma das três classes no qual o filo dos platelmintos é dividido – os tubelários. O que é o contrário de ser dioico, tipo o schistosoma mansoni, que também é um platelminto, mas faz parte da classe dos trematódeos. Ou trematóides, ou tremátodos, não lembro direito. Tudo isso eu sei de cor. Por que, não faço a mais rasa ideia. Tenho também algumas outras habilidades curiosas. Tipo saber se uma mosca é macho ou fêmea vendo no microscópio – o que também é inútil, porque eu jamais vou reproduzir moscas em cativeiro. Ao menos, não voluntariamente. Além de que, mesmo se eu quisesse, […]

Mitos e lendas do mundo do whisky – Parte I

Esta é a primeira parte de um post de duas partes sobre mitos e lendas no mundo do whisky. Preparem-se, queridos leitores. Hora de passar nervoso. Boitatá, curupira, mula sem cabeça. Sátiro, fauno, centauro. Lobisomem, vampiro. Todas as culturas tem suas criaturas folclóricas. Elas nasceram da necessidade de explicar o que era, outrora, inexplicável. Ou simplesmente garantir que as pessoas se comportassem direito e não fizessem nenhuma barbaridade. Afinal, é mais fácil explicar que um demônio alado vai sugar seu sangue à noite do que explicar racionalmente porque você não deve satisfazer sua lascívia com o parceiro ou parceira do coleguinha. O mundo do whisky, também, é cheio de crenças e folclore. Mitos, que ninguém sabe direito de onde vieram. […]

O que é uma Ghost Distillery – O Cão Historiador

Apologias. Mais uma vez, falarei de cinema. E eu sei que às vezes parece que isso aqui é um blog sobre filmes ao invés de whisky. Mas a analogia é boa demais para ser desperdiçada sob alegação de extenuação. Temo, aliás, que o pedido de perdão seja duplo – porque a relação também é tão direta que é até óbvia. O filme Parte dos Anjos, de Ken Loach. Parte dos Anjos conta a história de um grupo de jovens marginalizados, que descobre o prazer de degustar a água da vida. E que, por conta de uma série de coincidências, fica sabendo de um raríssimo barril de whisky, de uma destilaria há muito demolida. Malt Mill. Sabendo como whiskies raros são […]