O Valor da Persistência – Cardhu 12 anos

Cardhu peq

Este post começará com uma confissão. Eu detesto frango. Não há nenhuma carne que seja mais desprezível do que a deste galináceo. Quando conto isso, muita gente argumenta que frango não tem gosto de absolutamente nada, e que, portanto, é impossível não gostar de frango. Essas pessoas são absolutamente malucas. É óbvio que frango tem gosto. Tanto é que já ouvi que rã tem gosto de frango. Quando fui para o Peru há alguns anos, comi um prato que tinha Cuy (uma espécie de porquinho-da-índia gigante, muito apreciado por lá). Adivinhem? Tinha gosto de frango.

Aliás, para o meu azar, uma porrada de coisas tem gosto de frango. Talvez estejamos mesmo na Matrix, e como as máquinas não sabiam o gosto real das coisas, fizeram com que tudo tivesse gosto de frango. As máquinas deveriam ter pesquisado um pouco mais. Imagine se tudo tivesse gosto de picanha? Ninguém se sentiria tentado a tomar a pílula vermelha.

Argumente o que quiser: comer frango é sempre uma decisão racional. Eu aceito que você diga que come frango porque não tem muita gordura, e é bom para sua dieta; ou que frango é uma carne relativamente barata, então você pode fazer uma refeição sem pagar muito. Mas se você me disser que come frango porque é gostoso, vou mandar você se tratar. E por se tratar, quero dizer comer um sanduíche de presunto cru ou um calabresaburger.

Outra coisa que costumo ouvir direto é que eu não estou comendo frango nos lugares certos. Que eu deveria ir a algum restaurante especializado, ou colocar certo tempero, etc. E aí eu respondo que não, que eu já tentei ir aos restaurantes especializados, e que frango não é negroni. É que negroni, na verdade, é um drink horrível, mas se você insiste, passa a adorar. Negroni é um dos meus clássicos casos de acquired taste.

Como o inferno deve se parecer
Como o inferno deve se parecer

Com whiskys, isso aconteceu comigo com o Cardhu 12 anos. Comprei uma garrafa por pura curiosidade, já que o Cardhu é um dos maltes mais utilizados na linha Johnnie Walker. E como não existe nenhum Johnnie Walker realmente ruim, imaginei que fosse adorá-lo. Sério – qual é a chance de eu não gostar de um single malt desses?

Bom, descobri que a chance era altíssima. Da primeira vez, tive a clara impressão de que ele não tinha gosto de absolutamente nada. Na verdade, tinha. Era o mesmo gosto daquele fundinho de copo de whisky que você deixou na mesa em um casamento porque estava aguado demais, e foi pegar uma caipirinha. E vinte minutos depois, quando a caipirinha acabou, você ficou com preguiça de levantar para pegar outra, e resolveu dar um golinho no copo que estava lá por mais tempo que os noivos permaneceriam casados.

Nas duas vezes subsequentes, não foi tão ruim assim, mas também não me emocionou. Tipo a maioria dos filmes estrelados pelo Nicholas Cage. Não, pensando bem, muito melhor que a maioria dos filmes estrelados pelo Nicholas Cage, mas mesmo assim, mediano.

Cadê o Cardhu?
Cadê o Cardhu?

Mas o problema é que eu havia comprado a garrafa, e ela estava mais da metade cheia. Eu sabia que se a largasse e abrisse o Laphroaig Quarter Cask que tinha na dispensa, eu não voltaria novamente para o Cardhu. Então eu insisti. E funcionou. Quando faltava um pouco mais de um terço da garrafa, comecei a gostar dele. Era leve e versátil, e não deixava tudo que você bebesse depois com gosto de churrasco, como era o caso do meu querido Laphroaig.

E é exatamente por causa dessa versatilidade que o Cardhu é o principal malte do Johnnie Walker. Ele é leve, frutado, com um final curto e levemente defumado. O single malt ideal para conferir “drinkability” para um dos blended whiskys mais populares do mundo, o Johnnie Walker Black Label. Aliás, 70% de toda a produção do Cardhu 12 anos é destinada aos blended da linha da Diageo. E isso é tão incomum quanto corajoso. Normalmente, quando determinada idade de single malt é utilizada em um blended whisky, ela não está disponível para compra “in natura”. Mas este caso é uma exceção. O Cardhu 12 anos está também no Black Label.

O Cardhu 12 anos é maturado exclusivamente em barricas de ex-bourbon por – veja lá – doze anos, e tem graduação alcoólica de 40%. Num mundo em que cada vez mais destilarias têm abandonado o “age statement” e utilizado barricas que antes maturaram as mais diferentes bebidas, o Cardhu é quase uma relíquia.

No Brasil, uma garrafa de Cardhu 12 anos tem preço médio de R$ 230,00 (duzentos e trinta reais). Não é caro para um single malt com idade definida, e vale muito a pena se você tem uma estranha e quase doentia curiosidade para saber de onde vêm os sabores do Black Label.

Muitos dizem que o Cardhu 12 anos é uma excelente escolha para quem é novato com single malts, justamente por conta das características acima. Isso é verdade. Aliás, é incontestável que ele tem seus méritos. Mas se você está começando no mundo dos single malts, é porque quer descobrir sabores novos. E o Cardhu, é simplesmente (não que isso seja ruim, claro!) leve, harmonioso, agradável e extremamente bebível. Mas para um paladar pouco treinado, seu perfil de sabores não é lá tão diferente assim de um bom blend. Então não faça uma aposta tão segura. Respire fundo e arrisque. Quando já estiver com paladar treinado, volte para o Cardhu. Afinal, nem tudo por aí tem gosto de frango.

CARDHU 12 ANOS

Tipo: Single Malt com idade definida – 12 anos

Destilaria: Cardhu

Região: Speyside

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: Caramelo e maçã verde.

Sabor: Punch de madeira no começo, levemente cítrico com leve nota defumada.

Com água: Com água, o aroma fica mais floral, e o sabor lembra mel e própolis. É um whisky que realmente melhora com adição de um pouco de água.

Preço: em torno de R$ 230,00 (duzentos e trinta reais)

 

38 thoughts on “O Valor da Persistência – Cardhu 12 anos

  1. Engraçado ler isso… Foi o primeiro single malt que experimentei ! rsrs
    Como não conhecia ainda o Glenlivet, o Glenfiddich ou o Belvenie (que são os melhores dentre os que possuem um preço aceitável para os meros mortais pagarem no dia a dia) achei o Cardhu muito bom. Sei lá, um whisky honesto sem as muitas invenções que fazem com os blends.

    1. Gabriel, pois é. Ele tem seu valor, mas o problema é que ele não oferece nada muito além de um bom blended whisky tradicional. E como tudo no mundo, o preço é um fator decisivo. Se você compara-lo com outros single malts dentro da faixa de preço dele, verá que os outros oferecem uma experiência diferente. O Cardhu, entretanto, é um single malt excelente para receitas de blended whisky, como base, ou para conferir equilibrio. Por isso que a JW o usa tanto.

  2. Hehehe, também não sou fã de frango. Mas a garrafa é ótima para gelar água.
    Comprei muitos Cardhus quando era sócio (e vizinho) do Sam’s club, que o vendia por um preço bem camarada, que concorria com o JWB. Foi um bom negócio, enquanto durou.
    Grande abraço

  3. Olá Maurício. Procurei este tópico para poder falar do Cardhu 12 anos.
    Cheguei do trabalho e olhei pra garrafa de Cardhu guardada. Bebo, não bebo, bebo, não bebo… Bebi-a-a rsrs. Já havia perdido as impressões do Cardhu e as renovei agora, também percebi uma nota no sabor que ainda não havia verificado. Ele tem uma finalização apimentada? Senti isto hoje e acho que estou aprimorando meu paladar. Estou certo amigo, ou doido? O Cardhu 12 anos pra mim é como aquele relógio preferido, guardado, mas que sempre colocamos no braço nos momentos especiais. Abraços.

    1. Opa, e aí Edmilson? Então, ele tem sim um final apimentado e seco. É leve, mas não é um whisky doce. Acho que o mais bacana dele é isso, é versátil – não sabe o que quer beber? Vai de Cardhu!

      1. Experimentei hoje o cardhu 12 anos que ganhei de Natal da minha esposa, achei um whisky encorpado que me remitiu às memórias do ballantines, que eu bebia muitos anos atrás, depois que vi que era receita do black label, um whisky saboroso e fácil de beber, para um single malte é uma boa experiência. Eu gostei e recomendaria para quem está começando no whisky. Ainda prefiro meu Macallan e o Dimple mesmo que pague mais por eles

  4. Legal mesmo – beleza grande!!! Maurício, preciso que esclareça uma dúvida que está me deixando intrigado de uns tempos pra cá. Sinceramente falando amigo, só consigo afinar meu paladar do segundo gole em diante – venho notando que a sensibilidade gustativa melhora significativamente na transição do primeiro para o segundo gole. Ao beber (puro em temperatura ambiente) desloco o líquido devagar na boca de forma a abranger todo o palato, no entanto caro amigo os sabores mais delicados começam a aparecer a partir do segundo gole, inclusive o retrogosto também fica mais perceptível. Sei que nem todos tem a capacidade de identificar as notas no sabor de uma bebida, você, por exemplo, pode notar algo que me passe despercebido e(ou) “vice-versa”.
    Com relação ao aroma não acontece isto!
    Costumo degustar meus whiskies em uma taça ISO.
    Poderia explicar melhor mestre?
    Sempre grato e grande abraço.

    1. Edmilson, você costuma comer ou beber algo junto com o whisky? Acho que no primeiro gole, você estará “calibrando” e “limpando” o paladar. Aliás, sobre isso, há uma coisa legal de se fazer quando estiver degustando algo novo. Procure um whisky que (teoricamente) tem alguma relação com o que você vai provar e que você já conhece BEM. Experimente um gole antes, veja como ele te parece hoje. Se os sabores são familiares, se você está mais sensível ao adocicado ou amargo etc. Aí tome um gole de água e vá para o novo. Com base na comparação entre o “conhecido” e o “desconhecido”, você acaba identificando melhor o novo.

      Outra coisa que deve acontecer é que o álcool pode estar na frente no primeiro gole. Depois que você tomou o segundo, consegue separar melhor e identificar os sabores. É normal isso mesmo, leva algumas doses para pegar os sabores secundários. Tente também adicionar água (entre 1/5 e 1/3 da dose servida), pra tirar o alcool da frente depois de experimentar puro. Ajuda bastante.

      Quanto à ISO, você está perfeito!

  5. Prezado Maurício,
    Sempre tomo meus whiskies puros na quantidade aproximada de 50 ml por dose, sem comer ou beber absolutamente nada, nem misturá-los com água ou gelo. Costumo beber a noite ao chegar do trabalho no máximo três doses quando o tempo coopera. Isso sempre me ajuda, relaxa e abre o apetite para o jantar. Claro, existem exceções quando bebo com amigos e por um tempo maior onde a bebida normalmente vem acompanhada com uma tábua de frios básica, alguns frutos do mar (adoro camarão), ou uma carne assada.
    Acho que o álcool fica realmente mais pronunciado no primeiro gole, em seguida os sabores começam a se pronunciar, boa percepção!!!
    A linha tênue entre o conhecido e o desconhecido é na verdade, para mim, a projeção da ansiedade onde tento adaptar rapidamente meu cérebro às novas experiências – percebo que as vezes atrapalha! É incrível a variedade de nuances entre uma bebida e outra.
    Quando me aprofundei no universo do whisky, estudando, pesquisando e degustando à medida do possível, isso financeiramente falando rsrs – passei a dar mais valor a bebida e a respeitar a opinião dos colegas veteranos. Você e seus textos muito contribuíram (e contribuem) e me levaram a conhecer ótimas bebidas. Obrigado!
    Felicidades e sucesso.

    1. Mestre Edmilson, muito obrigado 🙂

      Sim, sim, sabe que a expectativa trabalha muito nessas horas. Aliás, a expectativa é a chave de tudo. As chances de se desiludir com um whisky caro são muito maiores do que com um barato. Da mesma forma que se surpreender é muito mais fácil com algo despretensioso. É engraçado isso, que na verdade nossa pré-concepção ou preconceito (no sentido de pré-conceito mesmo, não negativa) influenciam tanto numa atividade que deveria ser, essencialmente, sensorial.

      Concordamos nos frios, discordamos no camarão, mas concordamos nos outros frutos do mar. E claro, concordamos no whisky!

      1. Falou tudo aqui. Se decepcionar com whisky caro é grande. Me decepcionei com Jura 16 anos, me decepcionei profundamente (estou magoado até hoje) com Macallan Quest. Masno Cardhu nunca me decepcionou. E aquele que eu abro e tomo sabendo que vai me satisfazer. E aquele que ofereço pra quem diz: “não sou fã de whisky”. Daí eu digo: “toma esse aqui depois me diga”. E voce, cão, odeia muito os frangos pra compará-lo com a querida Helena Cumming. Seno Cardhu é tão leve e polivalente, diga que é como água fresca numa tarde veranil. Pode não ser o bicho da goiaba, mas é tudo que qualquer um precisa. E não decepciona jamais!!

        1. Excelente comentário, Rafael! rs!!

          É, ele tem seu lugar – é um whisky tão fiel quanto um cãozinho.

  6. Pessoal, boa noite! Me chamo Erika, sou do Rio de Janeiro, e ganhei uma garrafa do whisky Cardhu, mas eu não bebo (se eu beber whisky, é coma alcoólico na certa).. Gostaria de saber se alguém se interessa na compra.

    1. Oi Erika, tudo bem? Puxa, Cardhu é um whisky bastante encontrado aqui no Brasil. Há importação oficial dele pela Diageo. Arrisca vender em algum grupo de facebook ou via mercado livre. Sugerimos valor de aproximadamente R$ 200,00! Você pode também usá-lo para cozinhar. Tudo bem que dá dó, mas o whisky é seu, e você não bebe, então talvez seja um jeito de aproveitar o presente de uma forma alternativa. Temos até umas receitas que você pode arriscar:

      https://ocaoengarrafado.com.br/category/pratos/

      1. Experimentei hoje o cardhu 12 anos que ganhei de Natal da minha esposa, achei um whisky encorpado que me remitiu às memórias do ballantines, que eu bebia muitos anos atrás, depois que vi que era receita do black label, um whisky saboroso e fácil de beber, para um single malte é uma boa experiência. Eu gostei e recomendaria para quem está começando no whisky. Ainda prefiro meu Macallan e o Dimple mesmo que pague mais por eles

  7. Adorei a resenha, ainda que discorde dela em apenas um ponto. Bem, o Cardhu foi o primeiro single malt que experimentei e amei. Não acho que ele se prece um blended.

    1. Obrigado, Karoline! E que legal que gostou do Cardhu assim de primeira. Você já gostava de whisky antes de experimentá-lo? Na verdade meu ponto é por aí. Se alguem não gosta de whisky e prova o Cardhu, vai continuar sem gostar. rs. Mas quem gosta, tem chance de amá-lo à primeira vista (ou gole) como você, ou depois de um tempinho, como eu… 🙂

  8. Acredito que o simples muitas vezes seja mais difícil de fazer que o complexo. O complexo te abre um leque de opções, muitas das quais, inexistente. Difícil é fazer o simples funcionar bem. Desde o primeiro gole, a simplicidade do Cardhu me emocionou.

  9. Eu não costumo gostar de whisky, mas provei o cardhu e achei delicioso desde a primeira garrafa haha abraço

  10. É um Whisky que gosto bastante, na minha opinião ele é bem arredondado e suave. Por não ser complexo, considero um Whisky para qualquer momento, para ser tomado sem muita preocupação com o aspecto sensorial, isso pode ser muito bom para quem tem um criança pequena em casa e não tem muito tempo para degustar (rsrsrs).
    Na mesma linha, mas apreciando um pouco mais, tenho bebido o JW Green Label que, depois de muito tempo, fui reparar que é um blended puro malte. Tinha tomada apenas uma garrafa em toda a minha vida (12 anos atrás) e sempre considerei ele melhor do que o Blue Label….só agora entendi o motivo rsrsrs.
    Gosto de beber whisky como sobremesa (ao invés do conhaque). Decidi que a minha bebida destilada é whisky e ponto.

  11. Também odeio frango!
    Meu single malte favorito é o Glenffidich 18y. Esses dias, amigos me apresentaram ao Cardhu, o qual não me dizia muito, sabe? E continuou não me dizendo ainda mais acompanhado de um cubano.
    Algumas semanas se passaram e decidi dar a ele uma terceira chance. Realmente “Third is the charm” como dizem os gringos.
    Sua resenha foi duplamente inclusiva: seja pelo frango; seja para uma nova chance ao Cardhu.

    1. Hahahah, obrigado, Juliana!

      pois é, para o Cardhu funciona o third. Pro frango, sigo odiando do fundo de meu coração gastronomico.

    1. Luiz, são whiskies distintos. O singleton é mais doce. O Cardhu, mais seco e amendoado. Acho que eu gosto mais do Cardhu, mas é por pouco.

      1. Maurício sou criador de porquinhos da índia a anos, diria que o fato de você ter comido o “CUI” me partiu o coração.
        .
        Voltando ao whisky acho o rótulo em questão é excelente tanto para coquetelaria quanto para se beber puro, sendo bem honesto.
        Sempre me lembra o Black Label.
        Rsrs

        1. HAHAHAHA Mas já tava pronto, poxa.

          Exatamente, os dois são muito próximos. E na verdade acho o Black um whisky “mais bem resolvido” que o Cardhu.

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