Da Padronização – Port Charlotte Scottish Barley

Port Charlotte Scottish Barley - O Cão Engarrafado

Esses dias me vi com a agenda limpa. Não fazia a mais rasa ideia do que fazer. Assim, naturalmente – após abrir a geladeira algumas vezes para pensar – resolvi que faria uma maratona cinematográfica. O Netflix prontamente me apresentou infinitas opções. Absolutamente tudo, menos qualquer coisa que tinha vontade de assistir.

Assim, resolvi que veria algo que não demandasse qualquer esforço. Escolhi um filme do Jason Statham. Linha de Frente. Depois outro, Parker. E o derradeiro foi – apropriadamente batizado – Redenção. E após assistir os três filmes, saí com a desagradável sensação que eram todos iguais. Um agente secreto ou ex-fuzileiro, que tinha que matar todo mundo para resgatar alguém. Uma menina desconhecida, ou sua filha, ou sua própria dignidade.

E aí fiquei pensando, esses filmes são assim iguais de propósito. Recheados de ação, mas sem muita surpresa. Isso os torna previsíveis, semelhantes e, consequentemente, meio monótonos. Há uma fórmula que eles seguem. E até é divertido ver o Jason Statham destruindo tudo, mas, depois de um tempo, você percebe que se tiver assistido um filme, terá seguramente já visto todos eles.

E ele quase sempre começa cabeludo e raspa a cabeça.
E ele quase sempre começa cabeludo e raspa a cabeça.

Grande parte da indústria do whisky não escapa muito à regra. Com o crescente consumo mundial, as destilarias e empresas tiveram que se adaptar. E práticas antigas – outrora valorizadas como tradicionais – foram deixadas de lado em nome de uma fórmula para o sucesso. Uma fórmula para reduzir custos e aumentar a eficiência. Mas nem tudo é assim. Há exceções. E uma delas é a destilaria Bruichladdich, localizada em Islay, que produz o Port Charlotte Scottish Barley e o The Laddie Classic – que, para nossa sorte, acabam de desembarcar no Brasil pelas mãos da Interfood, e já está à venda em lojas virtuais como a Single Malt Brasil.

Quando soube dos dois lançamentos, me vi na difícil tarefa de escolher um deles para fazer uma prova. Quer dizer, nem tão difícil assim. Como sou apaixonado por tudo que é defumado, o Port Charlotte foi uma escolha óbvia.

Como o nome indica, o Port Charlotte Scottish Barley utiliza cem por cento de cevada cultivada na Escócia. Algo relativamente incomum nos dias de hoje, em que as regras ditadas pelo menor custo e maior eficiência levam muitas delas a comprar seu malte pronto, muitas vezes, importando-o. Uma decisão corajosa da Bruichladdich, que sempre prezou por suas raízes escocesas – e herdou também um pouquinho da teimosia daquela terra.

Essa preocupação com a proveniência de sua cevada é clara. A destilaria, ao explicar um de seus lançamentos – uma linha de whiskies com cevada proveneinte somente da ilha de Islay – declarou: ” ‘acreditamos que o terroir importa’ é muito mais do que um slogan. Terroir denota uma certa noção de lugar. É um conceito que engloba a influencia e interação do solo, subsolo, exposição, orientação, clima e microclima no crescimento de uma planta. Ele ilumina tudo que fazemos. (…) Na Bruichladdich usamos cem por cento de cevada Escocesa. Praticamente um quarto de nossa cevada provém de Islay, onde os fazendeiros a tem cultivado desde 2004 para nós. Parte destes grãos foram destilados a partir de fornecedores diversos da ilha, ou grupos de fazendas, alguns de uma única fazenda ou até mesmo campos individuais“.

Se um dia eu tiver uma fazenda, queria muito uma plaquinha dessas
Cultivando para a Bruichladdich” Se um dia eu tiver uma fazenda, queria muito uma plaquinha dessas

O Port Charlotte não tem idade definida – uma licença tomada pela Bruichladdich em sinal dos novos tempos. Ainda que não haja qualquer indicação, este canídeo suspeita que sua maturação ocorre exclusivamente em barricas de carvalho americano que antes contiveram Bourbon whiskey. Como seria de se esperar da destilaria, toda maturação acontece in loco, em armazéns construídos nas proximidades do vilarejo que lhe empresta o nome. Este é outro cuidado especial tomado pela Bruichladdich. Atualmente, muitas destilarias transportam suas barricas para a parte continental da Escócia, para que lá maturem.

Como já apontado anteriormente, a Bruichladdich é uma das mais destemidas destilarias da Escócia. Talvez por isso se auto intitulem “Progressive Hebridean Distillers” –algo como “Destiladores Progressistas das Hébridas”. Isso fica claro ao observarmos seu enorme portfólio. São três linhas de whisky. Uma – da qual o Port Charlotte faz parte é razoavelmente defumada; outra – do The Classic Laddie – sem nenhuma defumação e uma terceira absurdamente defumada – Octomore. Esta última é tão defumada que hoje conta com o whisky mais defumado da Escócia, com 258 partes por milhão de fenóis (acredite, isso beira a insanidade).

Como se isso não bastasse, a Bruichladdich produz também um Gim, chamado Botanist, que utiliza nove botânicos clássicos e mais de vinte ervas e flores locais. Ele é destilado em um alambique especial e adaptado, chamado Lomond, que foi recuperado pela Bruichladdich da antiga destilaria Inverleven. Por não ser uma das peças de maquinário mais belas do mundo, o alambique recebeu o nome de Ugly Betty (Betty, a Feia).

 

Bete.
Bete.

O Port Charlotte Scottish Barley é um sonho para qualquer amante de bons maltes. Não há adição de corante caramelo e seu destilado não passa por qualquer processo de filtragem a frio. Por conta disso, ao adicionar gelo ou um pouco de água, o whisky se torna levemente turvo. É um processo normal, pelo qual as moléculas mais pesadas se agregam com a redução do teor alcoólico do whisky. E falando em graduação alcoólica, ela é relativamente incomum no Scottish Barley. Cinquenta por cento. Apesar disso, o álcool é pouquíssimo perceptível.

Jim McEwan, Master Distiller – atualmente aposentado – da Bruichladdich explica a incomum graduação: “A decisão de aumentar a força de nossos single malts é resultado de um estudo de seis anos analisando os sabores e aromas da cevada cultivada em Islay, a 46% e a 50%. Para este estudo, escolhi a cevada de Islay exatamente porque sei de quais fazendas elas são provenientes, de ano em ano; estes terroir locais são identificáveis – conhecemos os fazendeiros, as condições, estado da terra, e assim podemos monitorar as características do destilado com a maior consistência possível. (…) Engarrafando a cinquenta por cento, retemos mais dos compostos mais essenciais na garrafa. Nós queremos que proveniência de nossa cevada, a matéria prima mais essencial, brilhe

Visualmente, o single malt apresenta uma coloração quase de palha, devido à ausência de corante caramelo. Seu aroma é predominantemente defumado e frutado, e o sabor adocicado e medicinal, com maresia e fumaça. Apesar da graduação alcoólica, o álcool é quase imperceptível.

Se você, assim como este Cão, é fã de single malts defumados, e está procurando algo incomum para fugir da monotonia, o Port Charlotte Scottish Barley será sua alma gêmea. Você até poderá tomá-lo assistindo algum filme do Jason Statham. Este Cão garante que será uma experiência diferente. Pelo menos a parte do whisky.

BRUICHLADDICH PORT CHARLOTTE SCOTTISH BARLEY

Tipo – Single Malt sem idade definida (NAS)

ABV – 50%

Região: Islay

País: Escócia

Notas de prova

Aroma: principalmente maresia, com bastante impressão de sal. Levemente frutado, mas predominantemente esfumaçado.

Sabor: Salgado, algas marinhas, fumaça. Medicinal. Cítrico e levemente doce apenas, com final longo, com especiarias, bastante picante e defumado.

Com água: A água reduz a impressão de pimenta e das especiarias, e torna o whisky mais adocicado.

11 thoughts on “Da Padronização – Port Charlotte Scottish Barley

  1. “Uma fórmula para reduzir custos e aumentar a eficiência.” E é exatamente deste padrão que eu corro.
    Eu entendo que tudo gira em torno do “money talks”, mas eu busco novos experiências e não simplesmente o que é justo e agrada o geral.
    Embora ainda não tenha provado nenhuma expressão da Bruichladdich, sou admirador dela por seu espírito inovador e constante preocupação com cada detalhe do produto, como é o caso da própria cevada cultivada na Escócia.
    Sem corante caramelo, sem filtragem a frio, 50% de álcool e ainda assim quase imperceptível… vc sabe que meu possível próximo passo na minha caminhada etílica é um single malt defumado. Este me interessou muito, quando o vi na Single Malt Brasil. Inclusive ia comentar sobre ele com vc.
    Bom, já que o filme não é lá essas coisas, que a companhia seja surpreendente haha.

    Grande Abraço!

  2. Sensacional! Whiskys que remetem ao sabor salgado e de maresia são pra mim, como por exemplo Talisker e Old Pulteney. E agora o Port Charlotte! Muito bom!

  3. está na minha lista de compras futuras em breve, o laddie classic é muito legal, é meu whisky mais aromático.Sabor é um tanto jovem e desequilibrado mas é muito diferente. Junto com a Craiggellachie e o Old Pulteney são os mais distintos que conheço.

  4. Whiskey muito bom, sabor salgado e cor de palha, não muito defumado, como o
    Ardberg ou Kilchoman, mas com bom paladar é fácil de beber.

    1. Diferente. O Ardbeg é mais defumado e intenso. Mas este Port Charlotte é incrivelmente complexo e bem enfumaçado também.

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