Rusty Compass – Drink do Cão

Vou começar o texto dizendo algo que pode soar pretensioso. Mas juro que não é. Me considero uma boa companhia para mim mesmo. Para os outros, bom para os outros não. Para os outros eu sou bem chato, meio antisocial, e bem calado. Especialmente quando estou sóbrio.

Mas quando estou sozinho, não tenho muitos momentos de aborrecimento. Consigo preencher o tempo livre de minha agenda com banalidades sem a menor dificuldade. Coisas como ver algum filme, ler alguma coisa, inventar algum coquetel – que normalmente fica horrível e alcança imediatamente o oblívio – ou mesmo visitar algum bar recém-inaugurado. Quando menos percebo, o dia já acabou.

Mas às vezes, muito raramente, fico terrivelmente entediado. Nenhum filme para ver ou livro para ler. Zero de criatividade para misturar coisas e vontade de sair. Bússola mental quebrada, apontando para todos os lados, mas sem tomar qualquer rumo certo. Se minha mente pudesse ser observada em uma tela, a única coisa projetada seria energia estática.

Semana passada tive um dia desses. Sentei-me na frente do computador e comecei – sei lá por que – a pesquisar receitas em um famoso website de coquetelaria. Sem qualquer objetivo, apenas vendo as figurinhas e receitas passarem sem dar muita importância. Passei uma boa meia hora lá, até chegar a um que quase magneticamente, atraiu minha atenção. O Rusty Compass.

O Rusty Compass é quase um híbrido entre o Rusty Nail e o Blood and Sand. Seus ingredientes são Cherry Heering, Drambuie e – a razão de minha repentina atenção – whisky enfumaçado. É um coquetel que une o dulçor do Drambuie com o azedo e seco do Heering, elevado pelo uso do único ingrediente do mundo que torna tudo incrível. Whisky defumado.

Você disse whisky defumado?

Não há muitas referências sobre a história deste coquetel. O único fragmento que este Cão conseguiu encontrar foi no Difford’s Guide. Segundo eles, o nome Rusty Compass é uma união entre Rusty Nail – por conta do uso de Drambuie – e o blended malt Compass Box Peat Monster, originalmente utilizado na receita. Sua origem, porém, permanece um mistério. A nós, resta especular. Talvez tenha originado das mãos de outra pessoa terrivelmente entediada, em um dia de ócio criativo.

O Rusty Compass é especialmente interessante não apenas por ser delicioso. Mas porque há nele uma provocativa quebra de dogma. A receita tida como original utiliza um blended malt whisky premium, caro e respeitado. A receita do Difford’s Guide, porém, vai além. Ela recomenda que se misture algum single malt defumado de Islay. Ela demonstra que se utilizado de forma correta e com propósito, single malts podem participar de coquetéis.

Reticente com a recomendação, este Cão fez diversos testes com os whiskies disponíveis no Brasil. Mas depois, entendeu. A combinação de Heering e Drambuie trazem um dulçor quase surreal, considerando as proporções do coquetel. Para equilibrá-lo, é necessário um whisky claramente enfumaçado. O melhor resultado obtido – na opinião deste amante de fumaça – foi com Ardbeg 10. Com ele, o drink ganha um incrível final de carvão e fogueira, apesar da primeira impressão adocicada. O Johnnie Walker Double Black, uma aposta que parecia razoável, foi eclipsado pelos demais ingredientes. A combinação dos dois, porém, funcionou bem.

Assim, caro leitor, ajuste sua bússola mental e prepare seu mis-en place. Aí vai a melhor coisa que você pode fazer na sua próxima meia hora. Especialmente se você não tinha mais absolutamente nada pra fazer. O misteriosamente incrível Rusty Compass.

RUSTY COMPASS

INGREDIENTES

  • 3/4 dose de Drambuie (leia mais sobre ele no post sobre o Rusty Nail)
  • 1/2 dose de Cherry Heering (já explorado quando falei sobre o Blood and Sand)
  • 1 e 1/2 dose de whisky defumado (Ardbeg 10 foi o melhor resultado obtido por este Cão. Porém, experimente algo como 3/4 de Johnnie Walker Double Black e 3/4 de Ardbeg, para algo menos dolorido financeiramente, mas ainda equilibrado. É uma medíocre tentativa de simular o sabor do Compass Box Peat Monster).
  • zest de limão siciliano (isso é um corte da casca)
  • gelo
  • mixing glass
  • colher bailarina
  • strainer
  • Taça Coupé (é a da foto). Há uma outra versão que leva uma pedra grande de gelo em copo baixo. Vale testar.

PREPARO

  1. Adicione todos os ingredientes com gelo em um mixing glass.
  2. Mexa um pouco e desça o coquetel coado na taça coupé.
  3. Adicione o zest de limão siciliano

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