Especial Islay – Visita à Bowmore

O poeta James Russell Lowe uma vez escreveu que apenas os tolos e os mortos nunca mudam de opinião. Platão, por sua vez, disse que a opinião é a mediatriz entre a ignorância e o conhecimento. Se James Russel Lowe e Platão pudessem saber de minha experiência na destilaria Bowmore, em Islay, certamente ficariam ainda mais orgulhosos de suas frases, agora elevadas a aforismos.

Antes de visitar a Bowmore, seus whiskies não eram, para mim, nada demais. Havia expressões ótimas, claro, como o dezoito anos. Mas havia também muitos single malts desequilibrados que na minha irascível opinião não passavam de honestos. Era o caso do Bowmore Darkest ou o Enigma, por exemplo. Achava que a Bowmore colhia os frutos do passado, mas que atualmente havia sido rebaixada para uma destilaria que produzia maltes defumados para todos aqueles que não suportavam maltes defumados.

Bem, durante a visita, minha opinião não se sustentou por mais de quinze minutos. Se Bruichladdich é inovação, Ardbeg é bravura e Lagavulin é aristocracia, então Bowmore seria detalhismo. Todos os processos, da maltagem à maturação, são pensado nos mínimos detalhes.

A destilaria está localizada dentro da cidade de Bowmore, e seu armazém colado na costa da ilha. Há uma incrível vista da destilaria, a partir de um dos píeres do porto da cidade. Ela possui também um hotel próprio – o Harbor Inn, onde este Cão ficou confortavelmente hospedado. Por conta da localização, a Bowmore é a destilaria  de Islay que mais recebe visitantes por ano. E por isso todos seus espaços são muito bem cuidados e organizados.

Lugar feio (Foto: Diego Muller)

A Bowmore possui três enormes andares dedicados à maltagem de sua cevada. Ainda que a destilaria compre cevada maltada de terceiros, aquela produzida in-loco corresponde a aproximadamente quarenta por cento de toda sua produção. É um número bem alto para uma destilaria nos dias de hoje – ainda mais porque a maioria delas nem mesmo possui malting floors.

O moinho Porteus que produz o grist (a cevada em pó) está no último andar. O foro de turfa – que seca e impregna a cevada com o delicioso aroma defumado – ocupa uma das laterais do prédio onde estão os malting floors. A construção inteira, apesar de sua latente idade, foi pensada para reduzir os tempos de produção e transporte dos elementos necessários para produzir o malte. Malte que, aliás, é defumado a 25 partes por milhão de fenóis – quase cirurgicamente no meio do caminho entre os monstros enfumaçados Ardbeg e Laphroaig e os amenos Bunnahabhain e Bruichladdich.

Há duas curiosidades interessantíssimas sobre a Bowmore, ao menos para os whisky geeks. A primeira é que a destilaria, lá pela década de 80, trocou seus washbacks de madeira por aço inox. Porém, houve uma notável mudança no sabor. Assim, a destilaria voltou a usar o equipamento de pinho. São cinco washbacks, cada um batizado com o nome de um dos antigos proprietários da destilaria. A segunda curiosidade é que no passado, os alambiques da Bowmore eram diferentes dos atuais. Não apenas em tamanho, o que seria normal. Mas também em formato. Havia, inclusive, um interessantíssimo alambique com dois braços – algo impensável nos dias de hoje.

Washbacks da Bowmore

A fermentação da Bowmore leva entre quarenta e sessenta horas, e produz um wash (mosto fermentado) com 7% de graduação alcoólica. Os alambiques de primeira destilação são carregados com 65% de sua capacidade. Já os de segunda destilação – à moda da Lagavulin – são quase inteiramente preenchidos: 92% de sua capacidade total. A destilação é rápida (em torn de 7 horas). O corte começa aos 74% e termina aos 61,5%. Os braços dos alambiques são retos, com pouco refluxo. Tudo isso contribui para um destilado bastante oleoso, ainda que, por conta da defumação mais tímida, isso não fique tão aparente quanto nos Lagavulin e Laphroaig, por exemplo.

OS FAMOSOS NO.1 VAULTS

Uma das maiores atrações da Bowmore, porém, são seus armazéns. Lá descansam mais de 27.000 barricas. Um deles, conhecido como No.1 Vaults é o mais antigo da Escócia inteira, datado de 1779. O espaço é tão alardeado pela destilaria que seu nome aparece na maioria de suas expressões. Tanto na garrafa quanto na embalagem.

Dentro dos No.1 Vaults (foto: Diego Muller)

Os Bowmore são maturados em uma extensa variedade de barricas. Há carvalho americano, carvalho europeu e até mesmo carvalho japonês, conhecido como Mizunara. A destilaria é bem conhecida por saber equilibrar com maestria o sabor enfumaçado com a influência vínica do porto e jerez. Uma técnica bem difícil, já que o sabor de vinho fortificado briga com o defumado da turfa.

Ao contrário da Lagavulin, o portfólio da Bowmore é extenso. Ele conta com uma expressão sem idade, uma com dez, outra com doze, duas com quinze, duas com dezoito e uma com vinte e cinco anos de maturação. Além delas, há uma série de edições limitadas, como Vault Edition, Mizunara, 26 anos e um incrível 54 anos. Há também uma edição especial limitada, que somente pode ser comprada na destilaria, e que ilustra este post. É o Warehouseman’s Selection, e que faz parte de uma coleção que presta homenagem àqueles que lá trabalham.

Depois de ter visitado a Bowomore e provado um pouco de tudo que me foi oferecido (afinal, não poderia deixar a oportunidade passar), um pouco cambaleante, me vi obrigado a reconsiderar tudo aquilo que pensava saber sobre a destilaria. A Bowmore não é um malte de Islay para aqueles que detestam fumaça. Não, a Bowmore é um malte de Islay para todos aqueles que adoram a dificílima e detalhista arte de se produzir whisky.

 

 

3 thoughts on “Especial Islay – Visita à Bowmore

  1. O post veio muito a calhar, mestre.
    Ontem vi um video sobre a Bowmore e, salvo a versão 15 y finalizada em sherry, vi muita gente criticando a destilaria.
    Percebo que terei que ir à Islay e verificar todas elas pessoalmente hahaha.
    Grande abraço!

    1. Mestre, é engraçado, que o 15YO Darkest é justamente o que eu menos gosto. Ele é desequilibrado, oversherried. Eles acertaram no Vault Edition – Sea Salt, no 18 e no 10 anos Tempest.

      Eu entendo as críticas. Eu mesmo criticava. Mas indo lá, a impressão se dissipa rapidamente!

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