Especial Escócia – Visita à Ardbeg

Tenho um amigo que comprou uma Harley Davidson. O problema é que ele não comprou apenas a motocicleta. Ele comprou duas jaquetas de couro da Harley Davidson também. E um capacete vintage da Harley Davidson. E um par de luvas da Harley Davidson. Dois adesivos, para colar no carro, dizendo que tem uma Harley, e, por fim, mas não menos importante, uma caneca, um abridor de latas e um jogo de bolachas de copo. Itens que não tem nada a ver com a moto. Mas que, para ele, fazem todo sentido.

A verdade é que meu amigo nem gosta tanto de andar de moto assim. De moto. Mas de Harley sim. Porque, nas palavras dele, ela não é apenas uma moto. É praticamente um estilo de vida, que possui uma legião enorme de fãs alucinados ao redor do mundo.

Se houvesse uma destilaria comparável à Harley Davidson no mundo do whisky, ela seria a Ardbeg. Para os admiradores da marca, a Ardbeg é praticamente um culto. Há embaixadas internacionais e dias dedicados a ela. E não é para menos. Este Cão Engarrafado teve a oportunidade de conhecê-la em sua recente viagem à Escócia. A destilaria é inacreditável.

Se a Bruichladdich é inovação, a Ardbeg é bravura. O lugar é quase intimidador. Há um enorme alambique de cobre ao ar livre, logo em sua entrada. Seu pátio possui uma enorme logomarca, que pode ser vista do ar. A encosta marítima, oposta à entrada, é pedregosa e irregular. E há por toda parte um vento implacável. A única coisa que destoa daquela atmosfera é nosso guia. Um senhor amável, solícito e com enorme conhecimento sobre aqueles prédios.

Entrada

No começo de nosso tour, somos conduzidos ao moinho, do começo do século vinte. Robery Boby Limited. Um dos únicos de sua espécie. Apenas outras três destilarias do mundo ainda o usam. Bruichladdich, Glen Scotia e Box. Segundo nosso guia, o moinho recebera poucas benfeitorias ao longo de seu quase um século de vida. A primeira delas foi a troca de suas engrenagens de madeira por metal. A outra, a troca do vapor – que antes era sua fonte de energia – por luz. E, por último, uma plástica. Ele foi pintado de verde, para combinar com a cor oficial da destilaria.

Nosso guia explica que a cevada utilizada pela Ardbeg passa pelo tradicional processo de secagem em um forno abastecido por turfa, que a impregna com aroma enfumaçado e medicinal. O nível de defumação pode ser medido em partes por milhão de fenóis, o composto responsável pelo aroma de fumaça. O malte da Ardbeg possui, em média, cinquenta e cinco partes por milhão. É um dos mais defumados da ilha.

Somos ensinados que a água usada pela Ardbeg provém do lago Uigedail – que, em gaélico, significa algo como “lugar escuro e misterioso”. A água é tratada para alguns processos, como a diluição do whisky antes do engarrafamento em algumas expressões.

A Ardbeg possui seis washbacks feitos de madeira. Disparei a pergunta que muitos já fizeram a ele. Se a madeira fazia alguma diferença. A resposta, clara e ensaiada, foi que é claro, a madeira traz um certo aroma de esteres ao mosto, que washbacks de aço inoxidável não dariam. Depois, tivemos a oportunidade de provar o mosto fermentado – uma espécie de cerveja, com graduação alcoólica de aproximadamente nove por cento, mas sem lúpulo. Para minha surpresa, aquilo era ótimo. Defumado e com uma textura interessantíssima. Talvez estivesse começando a me apaixonar pela Ardbeg.

A fermentação da Arbeg leva em torno de cinquenta e duas horas, em washbacks de vinte e três mil litros. Porém, a destilaria possui apenas um alambique de primeira destilação, com capacidade bem menor. Assim, ela primeiro descarrega metade do mosto fermentado e o destila. Depois – após três horas – o restante. Assim, parte do mosto é fermentado por três horas extras. Um método curioso e destemido.

A segunda destilação ocorre em apenas um alambique também. Este é equipado com um purificador. Um curioso tubo, que brota do braço do alambique, e termina em seu bojo. A ideia é que as partículas mais pesadas que, porventura, conseguiram atingir a parte de cima, sejam capturadas por esta peça, e voltem para serem novamente destiladas.

Mas o maior destemor da Ardbeg está, justamente na maturação e engarrafamento. Há uma pletora de diferentes finalizações e tratamentos de madeira. Há versões maturadas em barricas altamente torradas. Há o emprego de carvalho europeu virgem, combinado com jerez e bourbon. E a graduação alcoólica das criações é sempre generosa. Basta pensar que dos quatro whiskies que atualmente compõe o portfólio permanente da destilaria, dois deles passam dos cinquenta por cento de álcool. Não tem como não gostar de uma destilaria dessas.

Como parece acontecer com todas as destilarias de Islay, há uma edição especial, vendida somente na destilaria. É o Ardbeg Kildalton, que ilustra este post. Seu nome é uma homenagem à Kildalton Cross, uma impressionante cruz monolítica de dois metros e meio, datada do século oitavo depois de Cristo, e muitíssimo bem conservada. A cruz está localizada bem próxima à Ardbeg, ao lado das ruínas da igreja de Kildalton.

 

Nossa visita terminou em uma pequena loja da destilaria. Depois daquela experiência, era impossível me conter. Comprei um Ardbeg- o Kildalton. Mas não apenas ele. Comprei uma bolsa da Ardbeg, dois chaveiros da Ardbeg, uma jaqueta e uma camiseta. E nem adianta contestar. É claro que faz sentido.

16 thoughts on “Especial Escócia – Visita à Ardbeg

  1. Parabens por mais esse texto excelente. Sou fascinado por essa destilaria. Assim que entrei na loja da Ardbeg me apoderei da unica camisa de ciclismo que havia (ela e simplesmente maravilhosa). Afinal, ciclismo e whisky tem tudo a ver!…

    1. Mestre Celso, vi que você já estreou a camisa! E aí, tão boa quanto os whiskies? Abraços!

  2. Un gran abrazo y felicitaciones por la iniciativa de hacer este viaje y compartir tanta informacion, en alguno proximo estaremos juntos

    1. Com certeza! Isso sim será incrível! Muito bom viajar com amigos e pessoas que apreciam tanto a bebida!

  3. Fique con la duvida, cual e el quarto rotulo permanente? (Ten, Uigeadail, Corryvekran y ?), obrigado por la resposta que se llegara.

  4. Morri aqui só imaginando a visita. Como já conversamos, Ardbeg é meu Whisky de cabeceira. Parabéns pelo texto, que deixa a gente viajar um pouco e estar lá com vocês.

    1. Mestre Robson, concordo. Revisitar os Ardbeg – especialmente o 10, que fazia um tempo que nao bebia com atenção – foi ótimo! Aguarde que em breve tem mais textos sobre a viagem!

  5. Como vai, mestre?
    Estava aguardando muito este post. Embora só tenha provado o 10y, já ficou mais do que claro a capacidade e qualidade da Ardbeg.
    Não tem como não admirar.
    Abraço!

  6. Fiquei curiosa! Se a Ardbeg é a HD dos whiskies, qual seria o correpondente da Triumph? A pergunta parece boba, mas pra mim tem um grande significado.
    Abraco, mestre

    1. Nada, a pergunta é bem legal! rs.

      Eu imaginaria algo na linha de um Buffallo Trace, talvez? Algo com raízes profundas na cultura norte-americana, e capaz de encarar a briga frente a frente com os JD!

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