Entrevista com Fred Noe, master distiller da Jim Beam

Eu não vou muito em shows. Não por falta de amor à música, mas porque meu line-up dos sonhos está mais para sessão espírita do que festival. Praticamente todas as bandas que gosto – a ponto de enfrentar fila e passar perrengue chique para ouvir – não existem mais. Jamais ouvirei ao vivo Johnny Cash ou Audioslave, por exemplo. A exceção são os Rolling Stones, que insistem em desafiar a biologia. Mas, ao que tudo indica, essa turnê também está chegando ao fim. Ou não.

Por mais improvável que seja, porém, o mundo do whisky preenche esta lacuna deixada pela música. Ele tem suas próprias lendas vivas – e por conta deste site, as vezes, surge a oportunidade de conversar com uma ou outra. E felizmente, a admiração por algumas delas não só sobrevivem ao encontro presencial como também elevam o volume da música. Fred Noe é assim.

Neto de Jim Beam, filho do lendário Booker, ele comanda a destilaria do bourbon nº 1 do mundo como quem comanda um riff de guitarra. Sentei para entrevistá-lo em sua recente viagem ao Brasil com o mesmo receio de quem vai ao show do Coldplay – o que já seria terrível o suficiente – com culpa no cartório. Mas saí convencido de que certas lendas merecem, sim, ser vistas de perto.

A seguir, você confere a entrevista na íntegra. Sem diluição – em barrel proof – como um bom Booker’s.

Cão: A primeira pergunta, na verdade, é sobre o Booker’s. Me conte um pouco mais sobre ele, eu sei que é um dos seus whiskeys favoritos, certo?

Fred: Ah, com certeza. Meu pai criou o Booker’s como um presente para os nossos distribuidores, há muitos e muitos anos, e o Booker’s Bourbon foi o primeiro destilado sem corte, sem filtragem, lançado ao público. Ninguém tinha algo direto do barril, sem diluição, quando meu pai fez isso. Ele era um pouco maluco.

Booker’s

Você sabe, o consumidor não estava pronto para um destilado com aquela graduação alcoólica. Mas a teoria do meu pai era que você poderia cortá-lo, diluí-lo até o ponto que quisesse beber. Todos os bourbons e destilados são diluídos com água até a graduação de engarrafamento. O Booker’s permite que você dilua até a graduação que mais gosta.

C. Perfeito. Perfeito. E ele criou, e então você herdou a marca, certo?

F. Sim. Ele estava muito doente. E então ele me disse: “Cuide do meu Booker’s”. E eu farei isso.

C. E seu filho está trabalhando – o Freddie está trabalhando na destilaria. Você se sente como seu pai, passando o conhecimento? Como é para você passar o conhecimento para ele e trabalhar em família?

F. Olha, é um momento de muito orgulho para pai e filho. Seguir os passos e ser bem-sucedido. Eu tenho muitos amigos que têm filhos que herdam empresas. E eles passam o negócio adiante. Mas muitas vezes o filho não quer trabalhar duro. Às vezes eles levam o negócio para frente, às vezes mantêm no mesmo lugar, às vezes o negócio anda para trás. O Freddie agarrou a oportunidade que recebeu, e tem feito um trabalho incrível com ideias inovadoras, e criando novos produtos para o futuro.

C. Little Book por exemplo?

F. Essa é uma criação dele, totalmente dele. E é isso que importa: deixar sua marca nesse negócio. Quando eu entrei, seguindo os passos do meu pai, o bourbon estava se movendo devagar. Meu pai lançou o Booker’s e os bourbons small batch, e caiu na estrada promovendo-os. Contando sua história para o público.

Freddie

E quando ele ficou mais velho, chegou um momento em que não queria mais viajar. Então ele me colocou para fazer a mesma coisa, educando os consumidores. Mas, no fim das contas, ainda estamos concentrados no Jim Beam, porque o Jim Beam é o bourbon número um do mundo. E, você sabe, é isso. É o carro-chefe. É ele que nos permite fazer as coisas divertidas. Fazer o Booker’s, o Basil Hayden’s, os Knob Creeks. Todos esses bourbons especiais. Porque sem o Jim Beam mantendo as luzes acesas na destilaria e sendo o número um, nada disso seria possível.

C. É verdade. Vamos falar do Jim Beam. Sobre os 7 anos. Por que mudar para 7 anos?

F. Bem, o Jim Beam Black era 101 meses, originalmente, lá nos anos 1970. Com o tempo, fomos redefinindo a idade, mudando a graduação, sempre tentando encontrar o ponto ideal onde os consumidores mais gostariam dele. E o Freddie foi encarregado pelos nossos líderes: “há alguma forma de melhorar a qualidade do líquido dentro da garrafa do Jim Beam Black?

Então ele montou uma equipe com funcionários mais antigos. Eu era um deles. Outro era uma senhora que trabalhou no laboratório por 40 anos. E também buscaram gente mais jovem. Sentamos e fizemos degustações às cegas de bourbons diferentes, com idades diferentes, graduações diferentes. E entre o grupo, 7 anos foi quando começamos a sentir a baunilha saindo do barril.

E 90 proof, eu adoro como o Freddie descreve. Ele chama de “canivete suíço dos bourbons”. Porque você pode beber puro, funciona bem com gelo, e também pode colocar em um coquetel.

Meu pai sempre me dizia, quando estava me ensinando o negócio, que leva 7 anos para aquela baunilha começar a sair do barril de carvalho, e dá para ver claramente. Com 7 anos você começa a sentir notas fortes de baunilha, doçura.

Quando o bourbon entra no barril, o milho é muito doce e o whiskey tem uma nota de grão, com gosto de cereal cru. Mas com o tempo, o barril começa a influenciar o sabor. E então essa granulosidade desaparece e você começa a pegar notas de dentro do barril. A baunilha, o doce, as especiarias. E é aí que está o ponto ideal.

Jim Beam Black

E nós testamos mais maturado que 7 anos. Mas 7 anos – foi onde o grupo, como um todo, escolheu. Às cegas! Não sabíamos o que era. Nem a idade nem a graduação.

C. E você acha que os consumidores ainda ligam para “age statement”?

F. Eu acho que, por um tempo, não ligavam tanto. Acho que agora os consumidores estão mais educados e eles gostam de saber o que estão comprando dentro da garrafa. Eu quero saber o que tem lá.
Eles estão mais informados. Eles sabem o que procuram e eu acho que a declaração de idade deixa claro o que está dentro daquela garrafa.

C. E sem corantes, sem aromatizantes…

F. Isso é bourbon – não pode adicionar corantes nem aromas. Tudo tem que vir naturalmente do barril de carvalho onde envelhecemos.

C. Ah, ouvi uma história engraçada sobre a levedura. Vocês levam a levedura para casa, certo?

F. Exatamente! Nossa levedura foi capturada pelo meu bisavô, Jim Beam, no quintal da casa onde eu moro hoje. E nós ainda propagamos a levedura no local. Quase nenhuma destilaria ainda propaga a sua levedura. A maioria envia para uma empresa terceirizada produzir. Eles simplesmente recebem um saco grande e jogam no fermentador.

O Freddie e a equipe dele ainda propagam a levedura na fábrica. A mesma cepa que meu bisavô capturou. Quer dizer, quando fazemos nossos bourbons, só temos 3 ingredientes. Água, levedura e grãos – e só. Não adicionamos enzimas para ajudar na fermentação. Sem enzimas na nossa destilaria! Fazemos essencialmente do mesmo jeito que Jim Beam fazia depois da Lei Seca.

E eu acho muito legal que nossa água vem de uma reserva natural. Não usamos água da cidade tratada quimicamente. É água de pedra calcária.

C. E uma última pergunta – o que você realmente ama no seu trabalho e o que você odeia?

F. O que eu amo, eu acho, é carregar esse legado que começamos há mais de 230 anos e deixar a minha marca nele. Passar isso para o meu filho e vê-lo agarrar a oportunidade de levar o negócio adiante.
E um dia eu vou me encontrar com as outras gerações – espero que todos iremos para o mesmo lugar – e poder dizer: “Ei, espero que eu não tenha estragado nada!

E odiar, bem, eu não odeio muita coisa. Às vezes as reuniões, com os grandes gerentes. Quando as pessoas chegam e acham que precisam mudar as coisas para vender mais. Mas quando você é o número 1, só existe uma direção para onde você pode ir – e é para baixo. Então, não mexa em algo que já é número um.

C. Não se muda um time que está ganhando, como a gente diz…

F. É um bom lema, porque é isso que fazemos. Eu não tornei Jim Beam número um. Isso foi trabalho do meu pai e de outros. Eu já nasci no número um, e o meu trabalho é mantê-lo lá. E o do meu filho, Freddie. É isso que fazemos.

C. Vocês estão realmente fazendo um trabalho muito, muito bom.

F. Obrigado, agradeço por isso.

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