Suntory Hakushu 18 Peated 100th Anniversary Edition

Não sabendo que era impossível, foi lá e soube. Mas é a vida, sem lutas, não há derrotas. E se destacar em algo nem é bom assim. Pense, por exemplo, no prego. Prego que se destaca, é martelado. É melhor mesmo permanecer na zona de conforto. Empreender é isto: o passado não pode ser mudado, mas o futuro tem toda chance de ser um enorme fracasso. Afinal, são os sonhos que antecedem os fracassos.

E quanto maior, mais chance de se lascar. A dimensão do sonho de certo Shinjiro Torii, há um século, era daquelas capazes de um tsunami de derrotas. Torii era um desses empreendedores destemidos, à la Richard Branson, só que mais baixo e com um cabelo mais comportado. Ele possuía uma empresa de produtos farmacêuticos, e também uma importadora de vinhos fortificados – a Akadama Sweet Wine. Mas seu verdadeiro sonho era criar o primeiro whisky genuinamente japonês.

Os detalhes de como Torii deu os passos iniciais em direção ao abismo, digo, à criação da primeira destilaria japonesa, são enevoados. Porém, em 1923, com o auxílio de um certo Masataka Taketsuru, a Suntory nasceu na convergência dos rios Katsura, Uji e Kizu. Era a primeira destilaria japonesa, a Yamazaki. Local escolhido a dedo por Torii por conta da fartura de água, e da localização privilegiada perto dos centros urbanos de Osaka, Kyoto e Tokyo.

Bem no meio

A história da Suntory, entretanto, não foi poupada de pequenas derrotas. O primeiro whisky lançado pela marca foi o Shirofuda – que não agradou o paladar dos japoneses. Só mesmo na segunda tentativa, com o mundialmente querido Suntory Kakubin, que Torii teve sucesso. E teve a Segunda Guerra Mundial, que interrompeu o fornecimento de barris de carvalho do ocidente, e fez com que a indústria japonesa recorresse, desesperada, a sua própria madeira – o mizunara.

Mas apesar das adversidades, e desafiando o método anti-coaching acima, a Suntory prosperou. Tanto que abriu uma segunda destilaria, em 1972. A Hakushu, próxima ao monte Kaikoma. O objetivo era fornecer maltes de diferentes perfis para os blends do grupo. Com o tempo, evoluíram para produzir single malts levemente turfados, que se tornaram queridos dos entusiastas. E agora, na comemoração do centenário da Suntory, acaba de lançar uma versão muito especial: o Hakushu 18 Peated Malt, tema desta prova.

O Hakushu 18 Peated Malt é uma versão mais turfada do (já) raríssimo Hakushu 18 anos. Mas, como todo whisky da House of Suntory, não há arestas pontudas, nem nenhum sabor sobressalente ou fora do lugar. Mesmo mais turfado, o Hakushu 18 Peated Malt é de uma elegância rara. A turfa está lá, clara, mas não como em um Laphroaig ou Bowmore. Há uma nota enfumaçada, mas nada medicinal, que permeia toda a prova.

De acordo com a Hakushu, a razão da elegância de sua turfa vem da água. A Hakushu utiliza fontes de água próximas à destilaria, pouquíssimo mineralizadas. Além disso, combina maltes de diferentes perfis sensoriais e níveis de turfa, para aumentar sua complexidade. Há até uma palavra pra isso – Tsukuriwake. Com alambiques de diferentes formatos e tamanhos, malte turfado e tradicional, e regimes distintos de fermentação e destilação, a Hakushu podia – e pode – produzir 56 diferentes whiskies.

Suavidade da água da Hakushu

A história da água é interessante, aliás. Centenas de destilarias do mundo se gabam da água que usam. A Hakushu é uma delas. Prova disso são os oito slides inteiramente sobre água numa apresentação fornecida pela marca, para o evento de lançamento dos whiskies no Brasil. Parece redundante, e até é um pouquinho. Mas a Hakushu tem como sustentar o discurso. A mesma água usada pela destilaria é a Tennensui – a água mineral mais vendida do Japão.

Se você quiser, se esforçar, treinar, entrar de cabeça e se concentrar, ainda assim, nada garante que você vencerá. Mas, talvez, numa sexta-feira qualquer com “s” de sofrimento, você tenha a oportunidade de experimentar o Hakushu 18 Peated Malt. A decisão será sua. Mas lembre-se de viver todos os dias como se fosse o último. Porque, um dia, será mesmo. E o Hakushu 18 Peated Malt tem sabor de vitória.

HAKUSHU 18 PEATED MALT

Tipo: Single Malt

Destilaria: Hakushu

Região: N/A – Japão

ABV: 48%

Notas de prova:

Aroma: enfumaçado, com sândalo, baunilha e alcaçuz

Sabor: Levemente apimentado e herbal no começo. Progressivamente vai se tornando defumado, com final floral e apimentado.

Royal Salute 30 – The Keys to the Kingdom

Na matéria desta semana, vou recorrer, mais uma vez a Wittgenstein. “O homem é um animal ritualístico“. Ou de uma forma mais poética, a Clifford Geertz. O homem é um animal suspenso em uma teia de significados que ele mesmo teceu (…). A cultura é esta teia“. Somos mesmo, bichos que gostam de uma cerimônia. Do mais simples aperto de mão à mais opulenta coroação. Ritos são parte de nossa comunicação diária, e definem nossa cultura e comportamento.

Em Edimburgo, acontece, anualmente, uma cerimônia que encapsula a essência da observação de Wittgenstein e Geertz. A Cerimônia das Chaves. É um ritual, em que o Lorde Reitor cede as chaves simbólicas da cidade ao monarca, que as devolve, apontando que ninguém melhor do que aquele cedente como guardião daquelas. É só isso.

A Cerimônia das Chaves geralmente acontece em julho, e marca o início do período de férias da monarquia britânica na capital escocesa. Em outras palavras, é basicamente quando o proprietário do AirBnB que o rei vai ficar entrega as chaves da casa pra ele. Só que a casa é a Escócia inteira.

Não vai secar o documento na cortina, hein?!

É este breve rito que a Royal Salute, marca de blended whiskies de luxo escocesa, presta homenagem com seu lançamento. O Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom. A referência não é novidade. A marca sempre se pautou em datas importantes da realeza para inspirar seus whiskies. É o caso do recente Coronation Blend, criado para marcar a coroação de Charles, que virou rei na flor da idade.

Ao contrário do Coronation Blend, entretanto, o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom não é uma edição limitada. Mas, sim, uma nova expressão permanente na linha de whiskies da Royal Salute. Por conta disso, é bem difícil encontrar qualquer informação específica sobre o blend, incluindo seus ingredientes. É óbvio: a receita deve ser adaptável a cada período, para que o padrão e perfil sensorial sejam mantidos.

De acordo com Nathan Wood, embaixador global da Royal Salute “30 anos é um período incrível de maturação. Ele envelhece tanto em abrris de carvalho americano quanto europeu. E é uma expressão levemente mais defumada que os Royal Salute tradicionais, mas ainda assim, um blend com perfil clássico de Speyside“. A base, segundo Nathan, continua sendo o single malt Strathisla.

Nathan, conduzindo uma degustação na Strathisla

Sensorialmente, o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom traz no aroma uma sutil nota enfumaçada, seguida pelo tradicional floral presente nas demais expressões. No paladar, é levemente enfumaçado também – a ponto de lembrar o Lost Blend – mas mais puxado para amêndoas. Há um frutado, que sugere o uso de barris de ex-jerez nos whiskies que o compõe. Para este Cão, apaixonado por whiskies defumados, o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom é quase o gabarito de um blended whisky de luxo. A drinkability é assustadora.

É até engraçado, isso. Porque você tem que, mentalmente, contornar o fato de que a garrafa – que tem quinhentos mililitros – custa cinco mil reais. Ainda que o preço seja bem compatível com um whisky de luxo altamente maturado como ele, pensar nos cifrões ingeridos torna-se quase um exercício de culpa. Apesar disso, trazer o copo à boca é um ato praticamente automático. Não há qualquer cerimônia.

Muito provavelmente, o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom é uma extravagância. Mas, como disse Wittgenstein, somos animais ritualísticos. Não tem nada demais em entregar uma chave para outro ser humano. Mas receber as chaves de Edimburgo clama por uma cerimônia. E o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom é daqueles blends capazes de transformar qualquer momento mundano em uma cerimônia real.

ROYAL SALUTE 30 ANOS KEYS TO THE KINGDOM

Tipo: Blended Whisky

Marca: Royal Salute

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: frutado e levemente enfumaçado, com nozes.

Sabor: Frutas vermelhas, amêndoas, alcaçuz. O final é longo e levemente enfumaçado, com baunilha.

Suntory Yamazaki 18 anos 100th Anniversary Edition

Se você quer aparecer, coloca uma melancia na cabeça e sai na rua – repetiu uma mãe para uma criança, que fazia escândalo na minha frente, no supermercado. Não sei o que me deu, mas completei baixinho “ainda mais se for uma Densuke“. A mulher ouviu, e me olhou numa mistura de ódio e intriga. Abanei a cabeça – “tô pensando alto, falando sozinho, desculpa“. Ela bufou e virou pra frente de novo.

Não expliquei. Mas uma das frutas mais raras e caras do mundo é a melancia Densuke japonesa. Ela cresce somente na ilha de Hokkaido – ao norte do Japão – e tem sua casca completamente preta. O sabor é descrito como mais adocicado do que da melancia comum, e com menos caroços. Exceto por essa diferença marginal, a Densuke é uma melancia como qualquer outra. Exceto pelo preço. Uma Densuke custa em torno de mil e quinhentos reais, mais ou menos, ainda que em 2008 uma bem grande tenha saído por seis mil dólares!

Enche de Yamazaki e você terá a melancia atômica mais cara do mundo

O Japão tem todo um fascínio por matérias primas caras e raras. Melancias quadradas também são produzidas lá, assim como morangos do tamanho de bolas de tênis. Isso sem falar do baiacu, cuja carne venenosa exige uma técnica especial para ser cortada. O bicho é inclusive proibido na Europa e Estados Unidos, justamente por este motivo. Estas iguarias, porém, refletem o nível de excelência da manufatura no Japão. Que se estende, obviamente, para whiskies. Especialmente no caso de um lançamento muito especial. O Suntory Yamazaki 18 Mizunara Oak – lançado para comemorar cem anos de fundação da House of Suntory.

Antes de qualquer coisa, e para entender a preciosidade deste lançamento, preciso transcrever alguns parágrafos meus sobre Mizunara – o tal carvalho japonês. Mizunara na verdade define duas espécies diferentes de carvalho, cujos nomes científicos são quercus mongolica e quercus crispula. Ambos crescem no leste asiático e Japão. A madeira de Mizunara é clara, bastante porosa e um tanto quebradiça. Para se produzir um barril de mizunara, as árvores de quercus mongolica devem ter aproximadamente trezentos anos. Já as de quercus crispula, duzentos anos de idade. Uma madeira muito jovem é ainda mais frágil e maleável.

E para piorar ainda mais, apenas uma pequena fração de Mizunara pode ser usada para produzir barricas. O tronco dessas espécies é cheio de nós e porosidades. A taxa de aproveitamento da madeira de mizunara tangencia os 10% – contra mais de 20% do carvalho americano, por exemplo. Isso tudo faz com que as barricas sejam extremamente caras. Para cada barril de mizunara, dá pra comprar mais de vinte de carvalho americano.

Tranquilo de fazer barril com esse tronco

Por conta disso, o preenchimento e armazenamento de barricas de mizunara demanda um cuidado especial. A madeira é bastante propensa a rachaduras e vazamentos. Assim, mesmo no Japão, tradicionalmente se usa mizunara mais para finalizar whiskies, aportando complexidade sensorial, do que maturar totalmente a bebida. O que não é o caso do Suntory Yamazaki 18 Mizunara Oak – que é totalmente maturado em mizunara. Apenas os mais extraordinários barris de carvalho japonês sobreviveriam tanto tempo.

Esta é apenas a segunda vez que a House of Suntory lança um Yamazaki com essa maturação. A primeira edição foi em 2017. Atualmente, o whisky custa em torno de 12 mil dólares no mercado secundário – o que demonstra a enorme procura por lançamentos como este. Em ambos os casos, o artesão, ou melhor, master blender, responsável pela criação foi Shinji Fukuyo. Fukuyo tem mais de trinta e oito anos de serviços prestados à Suntory, e é blender desde 1996.

O verdadeiro herói japonês

Sensorialmente, o Yamazaki 18 Mizunara Oak intenso e equilibrado, que evidencia bem o perfil do mizunara. Há notas de baunilha, pessegos, noz e caramelo, bem como coco fresco, que permanece na boca bem depois da finalização. O álcool é bem integrado, apesar da elevada graduação de 48%. O final é longo e vai ficando apimentado, com cravo e canela. Não há nenhum traço de fumaça, e, ainda que nenhum barril de vinho tenha sido usado, vez ou outra, o sabor reminesce de um carvalho europeu potente.

Obviamente, tamanha exclusividade e matéria prima cobram seu preço. No Brasil, uma garrafa de Suntory Yamazaki 18 Mizunara Oak está aproximadamente R$ 15.000 (quinze mil reais). É bastante dinheiro – não em termos relativos, mas, em absoluto. De certa forma, comprar uma garrafa destas, seja para beber ou para colecionar, é, mais ou menos, como comprar uma Densuke. O preço não faz muita diferença, porque ele é uma prova da máxima qualidade e conhecimento na produção de House of Suntory.

SUNTORY YAMAZAKI 18 ANOS 100TH ANNIVERSARY EDITION

Tipo: Single Malt 18 anos

Destilaria: Yamazaki

País/Região: Japão

ABV: 48%

Notas de prova:

Aroma: Coco, noz, baunilha, pêssego.

Sabor: Coco, pêssego. Nozes e caramelo. Final longo, com coco, pimenta do reino e cravo. Álcool bem integrado, com textura oleosa.

Royal Salute Jodhpur Polo Edition – King Khan

Três e meio bilhões de pessoas. De acordo com uma entrevista de 2019 a David Letterman, esta é a base de fãs do ator, apresentador, produtor e dançarino indiano Shah Rukh Khan. Ele figurou em filmes importantíssimos, como Kuch Kuch Hota Hai, Rab Ne Bana Di Jodi e Veer-Zaara, e faturou, em sua vida, mais de seiscentos milhões de dólares em sua prolífica carreira. Uma a cada três pessoas no mundo conhecem “King Khan” – como ele também é chamado.

É curioso isso, porque eu não fazia a mais rasa ideia de quem ele era. E mais, nunca vi sequer um filme dele. Escrever o parágrafo acima parecia quase um esforço de ficção. Mas não é. Ele só demonstra o tamanho do poder cultural – e populacional, claro – da Índia. O país, aliás, é famoso por muitas coisas. Culinária (apimentada), mausoléus grandiosos, diversidade religiosa incomparável, trânsito caótico, sacramentação de bovinos. E críquete. Críquete é muito mais popular que futebol na India.

Cara, só pelo poster eu imagino como deve ser bom esse filme.

Mas o coração esportivo do país é dividido. Por conta da colonização britânica, outro esporte muito querido por lá é o polo equestre. Aliás, a India é o berço do polo equestre moderno. Ele se originou de um jogo chamado Sagol Kangjei (que você provavelmente não conhecia também, assim como o SRK), que usava uma bolinha chamada “pulu”. Daí que veio o nome do jogo. E é essa história que a Royal Salute homenageou, com sua nova edição limitada, o Royal Salute Jodhpur Polo Edition.

Como o nome sugere, a nova edição limitada da Royal Salute presta homenagem à cidade de Jodhpur, na Índia. Conhecida como a “cidade azul”, foi lá que o polo equestre começou. A marca criou um hotsite explicando toda inspiração do rótulo “A elaborada arte da caixa do Polo Edition traz à vida a bleza e exuberância da cidade azul, ilustrando uma partida de polo que ocorre na entrada do palácio do Marajá, assim como ocorre na vida real.

Mas vamos, primeiro, às credenciais – que no caso do Royal Salute Jodhpur Polo Edition, são um tanto impressionantes, até mesmo para os whisky geeks. Ele é um blended malt – ou seja, uma mistura apernas de single malts – com idade mínima de vinte e um anos, finalizado em barris de carvalho americano virgens. Descrevê-lo assim é prático, mas não seria poético suficiente. Então, talvez num exercício preguiçoso de jornalismo, vou transcrever abaixo os dois parágrafos produzidos pela própria Royal Salute.

Jodhpur

Inspirados pelos famosos e ricos sabores da India, este blend foi criado exclusivamente de whiskies de malte para realçar os sabores exóticos de manga e romã. Uma finalização integral em barricas virgens traz um apimentado sutil, com notas de caramelo espesso, canela e gengibre. A sensação na boca é rica e apimentada. É um whisky indulgente, condizente com a real nação da Índia.

Barricas virgens são raramente utilizadas na Escócia, ainda mais em blended whiskies de idade avançada. Os escoseses consideram que as barricas virgens podem trazer sabores mais agressivos, e destoar da natureza mais delicada do new-make por eles produzido. O Royal Salute Jodhpur Polo Edition é uma exceção inovadora neste campo. Seu master blender, Sandy Hyslop, explica abaixo sobre o processo. Que reproduzo abaixo, afinal, transcrever é bem mais fácil que criar.

Cada expressão do Royal Salute é meticulosamente criada em nosso “blending room”, onde provamos vários barris de nosso extenso estoque de alta maturação. Estou na indústria há quarenta anos e nunca deixo de ficar encantado com o processo de blending de um whisky escocês excepcional. Depois de provar diferentes combinações, senti que o peso e o poder de um blended malt whisky funcionariam particularmente bem com um acabamento em barril de carvalho virgem.”

Malcolm Borwick, jogador de polo e embaixador da marca, servindo o whisky

Sensorialmente, o Royal Salute Jodhpur Polo Edition é surpreendentemente intenso para um Royal Salute, com uma nota apimentada seca no final. As credenciais da marca – como o equilíbrio e o perfil frutado – estão lá. Mas dessa vez, há uma proximidade muito maior com os single malts que compõe sua receita. É aquele tipo de blend que não decepcionará os fãs de single malts. Tampouco os apaixonados por Royal Salute. Ou polo equestre. King Khan que se cuide, porque o Royal Salute Jodhpur Polo Edition tem tudo para reunir um enorme fã-clube.

ROYAL SALUTE JODHPUR POLO EDITION

Tipo: Blended Malt
Marca: Royal Salute
País/Região: Escócia – N/A
ABV: 40%
Idade: 21 anos

Notas de prova:

Aroma: Adocicado, com frutas amarelas e especiarias.
Sabor: Começa adocicado, sem fumaça, com intensidade média. Evolui para um apimentado seco, com final longo.

Keepers of the Quaich – Knighthood

Sobre aquilo que não conseguimos falar, devemos manter silêncio“. A frase é a derradeira do Tractus-Logico-Philosophicus, do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. “Wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen“. Por muito tempo, sua tradução para o inglês – incontestavelmente mais charmosa do que na língua lusa – foi uma das minhas preferidas. “Whereof one cannot speak, one must be silent“.

Como a maioria dos aforismos, entretanto, possuía apenas uma rasa ideia de seu significado. Minha impressão é que se referia ao limite da linguagem. Uma ideia se torna uma proposição apenas quando pode ser liquidada em palavras – que devem ser compreensíveis também para seu receptor. Senão, não passa de um pensamento abstrato, incomunicável. Resumindo o papo-cabeça, eu achava que a frase dizia que o pensamento é baseado na linguagem, e a linguagem é que define a ação.

Mas, na verdade, não é bem isso. Quer dizer, é isso também, mas não só. Pra você, que me deu seu voto de confiança e chegou a esse terceiro parágrafo sem cair no sono ou desistir deste meu devaneio, eu explico. Wittgenstein dizia que mesmo quando emissor e receptor dominam a linguagem, o conceito das palavras é diferente para cada pessoa, porque depende de sua experiência. Deixa eu dar exemplos.

Como quantificar a dor, a fome, ou o sofrimento alheio? Como explicar o amor de um pai por um filho para seu próprio filho, que não tem filhos? Ou, como quantificar em palavras (é, estranho mesmo) a glória de finalmente realizar certo sonho, sem parecer hiperbólico? Lembrei da frase, e de seu significado – real e imaginário – tão logo soube que seria presenteado com uma comenda muito especial. Keepers of the Quaich.

SOBRE OS KEEPERS OF THE QUAICH

Para aqueles que não conhecem, a comenda – ou prêmio – é concedida a pessoas que fizeram um trabalho extraordinário na indústria do Scotch Whisky por, no mínimo, 7 anos. Estão entre os Keepers grandes nomes da indústria, educadores e empresários. Como, por exemplo, Richard Paterson, Rachel Barrie, Alexandre Ricard, Dave Broom e até mesmo o ator Sam Heughan, por conta de seu rótulo The Sassenach.

Os Keepers of the Quaich foram fundados em 1988 pelos maiores players da indústria do whisky: Ballantine’s, Chivas Brothers, United Distillers, Edrington e Justerini & Brooks. Mais tarde, outros grupos se juntaram, como Edrington e Grant’s. O objetivo era criar uma ligação entre a indústria e os indivíduos que promoviam educação e venda de Scotch Whisky ao redor do mundo.

Esta é, inclusive, uma parte interessante. Você não pode pedir uma associação aos Keepers. Você deve ser indicado por dois membros existentes. No caso deste humilde Cão, o convite partiu do time da Pernod-Ricard. Foi nomeado como Keeper, também, na mesma cerimônia, Raphael Vidigal, head of prestige brands da Pernod.

A sociedade possui também um tartan – o xadrez escocês – próprio. Somente membros dos Keepers of the Quaich podem usá-lo. O padrão foi criado em 1731 pela alfaiataria Kinloch & Anderson, que, até hoje, produz os kilts e demais peças de roupa para o evento. As cores são azul – representando a água, dourado, para a cevada, e marrom, para a turfa. Ingredientes vitais para a tão querida bebida escocesa.

O tartan

Além dos Keepers, há Masters, e um grão-mestre. Os Masters of the Quaich devem ter mais de dez anos como membros da sociedade, e uma posição extremamente proeminente na indústria do whisky. Já o grão-mestre é Torquhill Campbell, Duke de Argyll e líder do clã Campbell. Ele é também marquês de Lorne e Kintyre, visconde de Lochaw e Glenya e lorde de Inveraray, Mull, Morven e Tirie. Mas, o mais importante, é que foi gerente comercial da Chivas na Autrália e Ásia – e um grande especialista na bebida escocesa.

É curioso que, ainda que a sociedade tenha sido criada para formar a ponte entre os consumidores e a indústria, a maior parte das indicações seja de pessoas que trabalham dentro dos rankings de empresas de scotch whisky, como diretores, gerentes e presidentes de empresas relacionadas. Isso me traz um sentimento ainda mais especial – um cão vira-lata, como eu, meio sem dono, mas apaixonado por whisky, na mesa daqueles que dão as cartas.

Uma parte importante, para aqueles ávidos pelo líquido. Os Keepers of The Quaich lançam, periodicamente, engarrafamentos próprios, que somente podem ser comprados em primeira mão por seus membros. No evento deste Cão, foi um Tamdhu cask strength, maturado em barris de jerez. No anterior, um raro Tamnavulin Cask Strength finalizado em barris de pinot noir. Assim, há uma vantagem etílica, também!

O BAILE

O evento de premiação é quase um baile medieval de cavaleiros. Ela acontece no castelo de Blair, em Pitlochry. E tem tudo: tapete vermelho, roupa de gala – dentre eles, kilt – uma banda de gaitas de fole e até um destacamento de guerra: os Atholl Highlanders, ligados ao Castelo, e o único exército privado oficial da Europa.

A cerimônia de indução (ou indicação) é quase a concessão de um título de cavaleiro. Com a diferença de que não há espadas. Mas, sim, um enorme quaich – o copo cerimonial para consumo de whisky. Há uma apresentação formal, lida por algum membro proeminente dos Keepers. Minha indicação foi lida pelo grande Richard Paterson. Depois, com as mãos pousadas sobre o grand-quaich, acontece um juramento. Não o de proteger o Reino Unido. Mas, sim, a melhor bebida do mundo.

O juramento – Paterson no canto direito

Nenhum jantar escocês, entretanto, estaria completo sem duas coisas. Haggis e whisky. Há toda uma parte dedicada da cerimônia ao prato ícone da Escócia, inclusive, com a leitura do poema “Address to Haggis“, do poeta Robert Burns. Brindes também são frequentes. A cada nova etapa do banquete, um whisky diferente é servido, e os comensais convidados a realizar um brinde.

O evento todo leva em torno de cinco horas, e termina com música e um brinde especial à moda escocesa. Todos de kilt, com um pé na cadeira e outro em cima da mesa. Por sorte – ou milagre – nenhum dos mais de trezentos participantes caiu no chão. Talvez essa seja a prova máxima de merecimento para o título de Keeper.

Para este Cão, é uma enorme honra fazer parte desta sociedade. O que não podemos falar, devemos sentir em silêncio, diria Wittgenstein. Mas isso não quer dizer que não podemos tentar. Obrigado a todos vocês, queridos leitores, seguidores, amigos, clientes e parceiros. O sentimento ainda é imensurável, até mesmo para mim.

Union Pure Malt Vintage 75 Anos – Cadeira Dobrável

Paredes de azulejo que comprimem um balcão com acepipes em uma estufa. Mesas de metal, dispostas de forma meio aleatória, adornadas pelo saleiro e o pimenteiro em seu centro. No cardápio, iguarias como torresmo, coxinha e o internacional bolovo – que na Escócia, é Scotch Egg. Prateleira com Cynar e Campari. E para dar vida à instituição, com o cotovelo sobre o balcão, o chato. Aquele cliente que você não sabe se está sóbrio ou bêbado, mas que te abraça de uma forma constrangedora e as vezes te cutuca na altura do estômago, só para reforçar algum devaneio. Este é o boteco.

O boteco é uma instituição bem antiga. É herdeiro da bodega, que veio da taverna. Na idade média, a turma já se divertia no botequim. Mas há um elemento – presente no cenário boêmio – que surgiu ainda antes deste maravilhoso espaço de convívio. A cadeira dobrável. Acontece que em 2022, arqueologistas encontraram na Bavária – só podia ser lá – os restos do que seria uma cadeira dobrável anciã.

A peça datava de 600 antes de cristo, e foi considerada uma raridade. Mas, não era única. Ao redor da Europa, mais de 29 cadeiras dobráveis foram encontradas em diversos túmulos. O que sugeria que, na época, a peça de mobiliário pertencia às classes mais abastadas. Mas o mais curioso nem é isso. É que ela já existia. Quem imaginaria isso!

O design mudou pouco

Algo surpreendente, também – ainda que bem mais recente – é a história do whisky no Brasil. Mais especificamente, da destilaria Union, atualmente localizada em Bento Gonçalves. A Union pode parecer jovem, com seus enormes alambiques e a casa cor de adobe. Mas ela foi fundada há mais de sete décadas. Ela nasceu em 1948 em Veranópolis. Na época, produzia vinhos e derivados e tinha o nome de União Montanhesa de Indústrias.

Em 1978 a empresa foi comprada pelas famílias Borsato e Ziero, que tiveram a abençoada ideia de transformá-la em uma fábrica de whisky de malte. Milhares de litros de whisky foram produzidos, especialmente para atender à indústria nacional das bebidas compostas. Havia também um whisky. Lançado em 1980, o conhecido “Malte do Barril” – um dos primeiros single malts brasileiros.

Em 2015 a Union inaugurou sua segunda destilaria – e atual – no Vale dos Vinhedos. E agora, acaba de lançar uma edição limitada – o Union Pure Malt Vintage 75 Anos – para comemorar sua trajetória. É um whisky sem idade declarada, com a incomum graduação alcoólica de 50%. A maturação ocorre exclusivamente em barris de carvalho americano de ex-bourbon. Não há maltes turfados na composição.

Tecnicamente, o Union Pure Malt Vintage 75 Anos é um blended malt – denominação dada a whiskies que reúnem apenas single malts de diferentes destilarias em sua mistura. Pode parecer esquisito, mas não é. Em sua composição há whiskies tanto da atual destilaria, de Bento, quanto da unidade de Veranópolis – atualmente desativada. Esta, inclusive, é a maior parte de sua receita. Os maltes têm até vinte anos de maturação.

A Union, em Bento Gonçalves

O Union Pure Malt Vintage 75 Anos é uma edição limitada a 2023 garrafas numeradas individualmente. Seu preço é semelhante àquele do Union Vintage 2005, lançado recentemente pela destilaria. E para o apaixonado pela história e whiskies brasileiros, ele é uma aquisição obrigatória. Perfeito para se degustar com o cotovelo sobre a mesa de metal, sentado confortavelmente numa cadeira dobrável em qualquer canto deste Brasil.

UNION PURE MALT VINTAGE 75 ANOS

Tipo: Single Malt

Destilaria: Union

País: Brasil

ABV: 50%

Notas de prova:

Aroma: adocicado, mel, gengibre.

Sabor: Frutas amarelas, mel, gengibre. O final é longo e possui um certo apimentado seco, com especiarias.

Entrevista com George Harper – Master Blender da Johnnie Walker

Trinta e quatro graus, às onze da manhã. De blazer na parte externa do hotel Tivoli, em São Paulo, observava, imóvel, o corre-corre à minha frente. Era o primeiro dia da mundial do World Class, a mais famosa competição de bartenders do mundo – que, este ano, ocorria em São Paulo. Esses gringos devem achar que a gente assa à sombra no verão – pensei, enquanto tentava fazer o mínimo de movimento possível, a fim de manter minha temperatura corporal abaixo da superfície de Mercúrio.

Sentia o suor percorrendo minhas têmporas e se precipitando sob meu maxilar. Gente, tá tão calor aqui ou eu que tô tendo um treco? Decidi tentar pensar em assuntos amenos, para refrescar. Um higball. Mas aí lembrei de um Highball de Johnnie Blonde, e terminei na razão de minha visita. Entrevistar o Blender da Johnnie Walker, George Harper. E aí, comecei novamente a transpirar.

Harper é o blender responsável pela criação de algumas das mais recentes inovações da marca do andarilho. Dentre elas, o Johnnie Blonde e o White Walker. É uma responsabilidade enorme criar whiskies com tamanha escala de produção. Mas nos primeiros minutos de entrevista, já fiquei mais sossegado. Harper é um cara tranquilo, apaixonado por ciência e por whiskies. Daqueles que o papo flui por horas, especialmente, numa temperatura mais agradável e com highballs na mão. E é este papo que transcrevo abaixo.

Podia estar assim…

Me conta um pouco sobre você e o seu trabalho.

Estou na indústria de bebidas há mais de 15 anos. Iniciei no mundo da cerveja, trabalhando em avaliação sensorial e de qualidade de cervejas. Estudei Cerveja e Destilação na universidade e comecei a trabalhar em uma cervejaria artesanal na Escócia.

Fabricar cervejas, criar novas cervejas, aprender sobre produção, matérias-primas e todos os aspectos. E dessa função, entrei para a equipe de blending da Diageo há cerca de 7 anos. Minha carreira tem se concentrado nas inovações da Johnnie Walker, criando novas expressões da Johnnie Walker, trabalhando nas principais marcas da Johnnie Walker e avaliando qualidade e eficiência.

Além disso, estendi o trabalho e me tornei o master blender da Roe & Co., que é o nosso whiskey irlandês. Portanto, estou trabalhando muito próximo de nossa equipe em Dublin para garantir a qualidade da Roe & Co e apresentar inovações interessantes. As inovações são uma das minhas paixões – criar novos whiskies que, esperançosamente, encantem os consumidores e os façam apaixonar-se pelo Whisky.

Roe & Co – Irish da Diageo

Você é um master blender. Me conta o que é, qual melhor e a pior parte desse trabalho?

Emma Walker é a master blender da Johnnie Walker. Sou da Roe & Co. Nosso trabalho é fundamentalmente zelar pela qualidade e consistência dos whiskies em que trabalhamos. Nós realmente nos preocupamos com o líquido e em garantir que eles sejam sempre os melhores whiskies.

Todos os dias, avaliamos diversas amostras de barris. Temos 29 destilarias, mais de 10 milhões de barris maturando no momento. Zelamos pela qualidade contínua das nossas expressões. Também tomamos decisões sobre que tipo de madeira vamos usar – por exemplo, acabamento em barris incomuns, como barris de conhaque, barris de tequila etc. E criar novos uísques diferentes e emocionantes.

A melhor parte do que fazemos é isso. Conhecer pessoas e conversar sobre whisky. Conhecemos grandes jornalistas, bartenders, proprietários de bares e pessoas que trabalham nas destilarias. Esta é a parte divertida. Não há muitas coisas ruins. Provavelmente a responsabilidade – mas aceitamos isso como parte do que fazemos e do que somos.

Me conta um pouco sobre Johnnie Blonde. De onde veio a inspiração para criá-lo? Ou veio do nada?

Na maioria das vezes temos algo como um briefing, um conceito. Johnnie Blonde foi interessante. Queríamos fazer um whisky que pudesse ser usado em diferentes ocasiões e agradasse novos consumidores. En que, esperançosamente, traga pessoas que não estão no mundo do uísque para whisky. Para que percebam que nem tudo se trata de grandes whiskies esfumaçados.

Johnnie Blonde

Whisky pode ser muito mais acessível. O desenvolvimento do Blonde se baseou em pesquisas da empresa sobre quais sabores são mais atraentes para os novos consumidores. Grande parte da percepção que obtivemos é que sabores como maçã e baunilha são importantes. Então, usando a minha experiência e a experiência da equipe, selecionamos alguns barris de diferentes destilarias e fomos ao laboratório para construir protótipos, amplificando alguns aspectos e reduzindo outros, para chegar ao blend final.

Falando sobre o White Walker agora. Ele é baseado em uma série de televisão. Então, como traduzir esta inspiração para um whisky?

Nossa maior inspiração foi o inverno. Sou um grande fã de Game of Thrones. Não só a série, mas também os livros. Como poderíamos fazer aquela ideia de inverno com aquele aspecto congelado, para ser servido direto do freezer, com sabores que funcionariam bem quando gelado tanto. Tem também algumas frutas do pomar, que chegam à boca, e que trazem equilíbrio.

White Walker

Me fala um pouco sobre o futuro do scotch whisky. O que voce acha?

O futuro é realmente emocionante. Acho que você verá cada vez mais experimentações para tentar obter novos sabores e novos tipos de expressões. Estas inovações podem estar nas matérias-primas – uma vez fizemos isso usando centeio em vez de cevada em alguns whiskies. Também podemos usar a inovação em diferentes tipos de leveduras. Olhando para Johnnie Blonde, também combinamos inovação para criar um blended scotch que tem sabores diferentes que não tínhamos antes. Como não usar fumaça alguma, por exemplo. É um futuro emocionante!

Tequila é interessante, também. Usamos barris de tequila no passado e estamos procurando novos barris interessantes que possamos usar. Estamos vinculados a alguns regulamentos sobre quais barris podemos usar, mas também há uma oportunidade de olhar para o mundo de outras bebidas espirituosas e pensar no que podemos usar.

Whisky é tradição, mas também inovação. Como balancear os dois?

É uma questão de ser inclusivo. Você não precisa abandonar a tradição de como se faz whisky ou os tipos tradicionais de consumidores que apreciam whisky. Trata-se de ser mais inclusivo e diversificado em termos do que você oferece – os diferentes estilos de sabores, para atrair novos consumidores e converter os bebedores de uísque tradicional a experimentar novos sabores.

Além disso, não existem regras sobre como você deve desfrutar do seu whisky. Eu nunca diria a alguém como aproveitar seu whisky. Acho que se você gosta, não importa se é puro, com um pouco de água, em um coquetel. O mais importante é que você goste. Há também o aspecto social – divirta-se com sua família, amigos, etc.

Ainda em tradição. Existe uma parte de ciencia, outra de talento, e outra de tentativa e erro. Qual a mais importante?

Eu não quero me gabar. Acho que há um equilíbrio entre os três. Trazemos muitos insights do nosso conhecimento sobre a ciência dos barris, por exemplo. Como irá amadurecer e como medir isso em termos de moléculas. Mas também existe uma arte de blendar. Usamos o nosso talento para avaliar whisky e captar sabores, e misturá-los. É quase como cozinhar.

E por fim, qual sua expressão preferida de Johnnie Walker?

Provavelmente o último em que trabalhamos recentemente. Recentemente lançamos o Blue Label Elusive Umami. Mas eu diria que você não pode errar com o Johnnie Walker Black Label!

1792 Small Batch Bourbon – Receita Secreta

A sofisticação é feita de pequenos detalhes. Ao fazer bacalhau, você deve primeiro grelhar as postas, por dois a três minutos para cada lado, em fogo médio, tirá-las do fogo e manter aquecidas. Imediatamente, na mesma frigideira, adicionar manteiga, alho e, por último, suco de limão, e mexer. As postas não voltam à panela, mas é este molho cítrico, cuidadosamente espalhado pela superfície levemente tostada da peça, que complementará seu sabor de uma forma surpreendente.

Já quando o assunto for decorar uma sala de jantar, você deve lembrar que precisa de três a cinco diferentes pontos de luz. Um bem acima, outro focado – ou sobre – a mesa e o último de um dos lados, para trazer certa dramaticidade. Cadeiras acolchoadas também são importantes – afinal, ninguém quer ficar com o traseiro doendo ao comer o melhor bacalhau da vida. A dica é pensar se você ficaria confortável nelas, se fossem seu assento num vôo de longa duração.

Super comfy

Os parágrafos anteriores podem parecer aleatórios. E na verdade, até são, um pouco. Mas seu conteúdo foi retirado, incrivelmente, de duas matérias publicadas recentemente no site 1792 Style – pertencente ao 1792 Small Batch Bourbon. É que a marca – que acaba de desembarcar no Brasil pelas mãos da importadora Aurora – tem uma pegada de lifestyle fortíssima, com identidade caprichada, inspirada na Art Deco. E o site foi criado para apresentar um pouco dessa atmosfera.

Mas não pense que o 1792 Small Batch Bourbon é só uma garrafa bonitinha, sem conteúdo nenhum. O whiskey é produzido na destilaria Barton, no Kentucky, pertencente à Sazerac Company. A mesma proprietária da Buffalo Trace. A destilaria é, alegadamente, a mais antiga em operação contínua em Bardstown, no Kentucky. Ela foi fundada em – pasmem – 1879, e não em 1792. Este último, é o ano que o Kentucky foi reocnhecido como um estado dos EUA. Mais aleatório que isso, só a graduação alcoolica do 1792, que é 46,85%.

A combinação de cereais do mosto do 1792 Small Batch Bourbon não é divulgada pela destilaria. A única informação é que ele se trata de um high-rye bourbon – um termo usado informalmente para definir bourbons com maior concentração de centeio. Porém, há uma informação extra-oficial que sua mashbill seja, exatamente 74% milho, 18% centeio e 8% cevada maltada.

High-Rye bourbons são relativamente incomuns, mas têm se tornado populares, graças à sua versatilidade e equilíbrio. Ocorre que cada cereal traz um sabor diferente à mashbill. Milho traz dulçor. Cevada maltada ajuda na fermentação e traz um certo corpo. Já o centeio traz amargor, apimentado e herbal. Whiskies com mais centeio na mistura tendem a ser menos doces e mais pungentes.

A maturação do 1792 Small Batch Bourbon também não é divulgada. Um palpite educado, porém, é de que o whisky matura em barris virgens de carvalho americano por aproximadamente 8 anos. A teoria ganha força considerando que a Barton possuía um rótulo chamado 1792 Ridgemont Reserve, que fora descontinuado em 2015. Este whisky foi o precursor do 1792 Small Batch Bourbon, e sua maturação era, declaradamente, de oito anos.

Parecido, né?

O 1792 Small Batch Bourbon custa aproximadamente R$ 300 no Brasil, e está a venda (ou melhor, estará, considerando a data em que esta matéria foi escrita) em boa parte dos varejistas especializados. Ele faz parte de uma nova onda de whiskies americanos mais sofisticados que recentemente desembarcaram em nosso país, como o Eagle Rare – também da Sazerac Company – o Basil Hayden e os High West Bourbon e Double Rye. Um fenômeno que este cão aplaude com vigor.

Quando você se sentar em sua sala de jantar meticulosamente decorada, com cinco pontos diferentes de luz, para apreciar um bacalhau levemente cítrico que acabou de preparar com perfeição, lembre-se do 1792 Small Batch Bourbon. E, se possível, complemente a experiência com uma dose. A sofisticação é feita de detalhes, e são estes detalhes que tornam o 1792 um ótimo bourbon.

1792 SMALL BATCH BOURBON

Tipo: Bourbon

Marca: Barton 1792

Região: N/A

ABV: 46,85%

Notas de prova:

Aroma: Açúcar mascavo e caramelo queimado, com pimenta e menta.

Sabor: Calda de caramelo queimada, pimenta do reino, menta. Final longo, incrivelmente seco e apimentado.

Tamnavulin Sherry Cask – Canudinho

1937. Joseph Friedman, nascido em Ohio, observava sua filha Judith tentar tomar um milk shake no Varsity Sweet Shop, em São Francisco. Tentar, porque a mesa era alta, e Judith, baixinha, e na década de trinta, todos os canudos eram retos. Judith tentava subir na mesa, ajoelhando-se na cadeira. Mas, mesmo assim, não alcançava o zênite da bebida.

Friedman – um perspicaz inventor – então, fez algo curioso. Pegou um parafuso, sabe-se lá de onde, colocou dentro do canudo, e o enrolou com fio dental, até ficar bem apertado. Depois, tirou o fio dental e removeu o parafuso. O resultado, além de um parafuso grudento, foi um canudo com pequenas ondulações, que podia ser dobrado sem interromper o fluxo. Judith finalmente podia aproveitar aquele nutritivo alimento, base de toda dieta infantil, sem dificuldades por sua estatura.

Em 1939, Friedman fundou a “Flexible Straw Company” (a Cia. dos Canudos Flexíveis) e patenteou sua invenção. Apesar do enorme sucesso – e retorno financeiro – Joseph não é um inventor muito célebre. Atualmente, há canudos flexíveis por toda parte – até onde não são bem-vindos – mas poucos sabem de sua participação na história. Friedman é, de certa forma, como o Tamnavulin. Uma celebridade anônima. Quase onipresente, mas pouco notada.

Agora dá pra beber deitado.

É que a Tamnavulin é uma destilaria relativamente jovem. Ela foi fundada em 1966 pelo grupo Invergordon, mais tarde, Whyte & Mackay. Seu objetivo era simplesmente suprir uma demanda crescente por blended whiskies. Por isso, até hoje, é bem raro ver engarrafamentos de single malt da Tamnavulin. Contribui para isso o fato da destilaria ter sido fechada em 1995, devido ao declínio do consumo de whisky no mundo, e somente reaberta em 2007, quando sua proprietária, a Whyte & Mackay, foi comprada pela United Spirits.

Por quase dez anos, a Tamnavulin produziu whiskies essencialmente para compor os blends do grupo da Whyte & Mackay. Mesmo engarrafamentos independentes não eram muito frequentes. Porém, em 2016, a Whyte & Mackay resolveu trazer a Tamnavulin à luz, e lançou uma série de seus single malts. Dentre eles um Wine Cask – exclusivo de Duty Free – o Double Cask, já revisto por aqui, e o Sherry Cask, que desembarcou recentemente em nossas terras. Ambos, agradáveis surpresas.

O processo de fermentação do mosto da Tamnavulin é relativamente rápido – 48 horas. Os alambiques de primeira destilação são carregados até 17.500 litros, e os de segunda, 15.000 litros. O resultado é um destlado leve e aromático, puxado para os cereais. O mais impressionante da destilaria, entretanto, são seus armazéns. São dois enormes prédios, que armazenam até 10 níveis de barris, uns sobre os outros. O enorme estoque tem uma razão: a Tamnavulin ainda fornece boa parte de sua produção para whiskies do grupo, como, por exemplo, o Whyte & Mackay e Shackleton.

Armazém da Tamnavulin (fonte: whisky.com)

O Tamnavulin Sherry Cask, na verdade, recebe este nome por conta de sua finalização. Ele é maturado por um breve tempo em barris de carvalho americano de ex-bourbon, para depois ser transferido para barricas de carvalho que antes contiveram vinho jerez oloroso. Há um ponto um pouco confuso aqui. A garrafa declara que o whisky é finalizado em três barris de jerez distintos. Na verdade, o que querem dizer – ou não – é que os barris provém de três bodegas diferentes de jerez. Mas, são todos Oloroso.

Se você gosta de whiskies com perfil vínico, mas equilibrados, o Tamnavulin Sherry Cask é para você. É um daqueles single malts que se bebe sem remorso. Como dizem, é de beber de canudinho. Flexível, de preferência. Só não vá colocar no milk shake. Ou, talvez sim.

TAMNAVULIN SHERRY CASK

Tipo: Single Malt sem idade declarada

Destilaria: Tamnavulin

País/Região: Speyside

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: mel, amêndoas, gengibre, caramelo.

Sabor: frutado, com, uvas passas, marzipãe gengibre. Final adocicado e vínico.

Lamas The Dog’s Bollocks II – Folie a Deux

Folie à Deux é um termo francês, que se originou na psiquiatria. Fazendo biquinho e fechando o último “e”, a expressão ganha todo um charme. Folie a dê.  É de uma extravagância rara para qualquer condição psicológica. O significado também tem uma certa excentricidade, mesmo sem a sedutora língua gaulesa. O “Delírio a dois”, ou mais, precisamente, transtorno delirante induzido ou perturbação delirante partilhada, é uma condição médica onde duas pessoas que se relacionam passam a partilhar da mesma insanidade. Ficam doidos juntos.

Há vários casos interessantes de Folie à Deux. Muitos deles envolvem assassinatos e outras atitudes grotescas. Outros são mais prosaicos, como o caso de Margareth e Michael. O casal acreditava que a casa em que viviam era vigiada incessantemente por pessoas aleatórias, que muitas vezes faziam maldades dignas dos gnomos de contos de fadas. Tipo sumir com o controle da TV, deixar o banheiro sujo ou colocar a chave do carro na cozinha, só pra vê-los revirando a casa toda. Quem é casado, como este Cão, sabe bem quem são esses terceiros misteriosos.

Conspiradores malditos, usaram todo papel higiênico…

O que é curioso da condição é que existe um sistema de retroalimentação. Uma pessoa induz a outra àquela insanidade, e ambas começam a acreditar que a situação é real. E à medida que eu escrevo este post, fico cada vez mais preocupado que este seja meu caso. Não com uma pessoa, mas com uma destilaria – o que seria um caso inédito. A Lamas Destilaria.

Acontece que lá em 2020 conhecemos a Lamas, no Bar Convent de São Paulo. Num belíssimo caso de insanidade coletiva – onde alguém decide fundar uma destilaria, e outro maluco apoia sugerindo um whisky – lançamos o Lamas Caledonia. Uma colaboração entre nosso bar, Caledonia, o Cão Engarrafado e a Lamas. Um ano mais tarde, foi a vez do Caledonia II. Que foi rapidamente sucedido pelo Caledonia III. Todos os whiskies, maturados em barricas de vinho fortificado, e com proporções distintas de malte defumado e tradicional. Mas a história, claramente, não termina por aí.

O Folie à Deux foi tão maluco que, no último lançamento, tornou-se Folie à Trois, quando a Scotch Whisky Association resolveu entrar na insanidade e proibiu a gente de chamar o whisky de Caledonia, porque induzia o consumidor a erro. Nasceu, daí, nossa quarta colaboração, o The Dog’s Bollocks – uma expressão usada pelos escoceses para definir algo que é delicioso, extraordinário. Com a vantagem de que nenhum cachorro vai reclamar que o nome foi surrupiado de suas bolas. E agora, finalmente, chegamos ao tão esperado The Dogs’ Bollocks II.

O Lamas The Dog’s Bollocks II é uma revisitação a alguns rótulos da série. A finalização vínica continua, como de todos. Desta vez, cem por cento barris que antes contiveram vinho moscatel brasileiro. Assim como naquela destilaria escocesa famosa, os barris foram especialmente temperados para levar esta expressão. O malte, entretanto, é uma novidade, mas também uma homenagem. Oitenta por cento malte turfado – turfado mesmo, não defumado – e vinte por cento tradicional. É um resgate aos dois primeiros rótulos da linha, que eram predominantemente enfumaçados.

Lamas Caledonia II – irmão mais próximo

Inicialmente, a ideia parecia fácil. Mas equilibrar a parte turfada e não-turfada com finalização em moscatel se mostrou um desafio de equipe. Praticamente beaucoup de folie. A proporção – oitenta vinte – foi definida em conjunto, no balcão do Caledonia, com alguns de nossos ilustres funcionários. Foi um trabalho intenso, que exigiu vigor. Mas, em grupo, conseguimos chegar a uma medida que agradou a todos.

O Lamas The Dogs Bollocks II estará à venda no Caledonia e em algumas lojas especializadas. Desta vez, em garrafas de 750ml – que refletem a nova identidade visual da Lamas Destilaria. Ao contrário do último lançamento, que produziu mil ampolas, desta vez, são apenas 500 unidades.

O Lamas The Dogs Bollocks II é o resultado de uma jornada de loucura criativa entre este Cão, o Caledonia e a destemida destilaria Lamas. E é especialmente o testemunho de uma paixão que todos envolvidos têm por criar algo extraordinário. Com sua finalização vínica única e uma mistura cuidadosamente equilibrada de maltes, é uma homenagem às raízes da série, e também algo que acreditamos trazer uma experiência nova no Brasil. Para todos aqueles que compartilham da mesma loucura que nós.

LAMAS THE DOG’S BOLLOCKS II

Tipo: Single Malt

Destilaria: Lamas

País: Brasil

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: floral e defumado, com um leve aroma salino.

Sabor: frutas amarelas, baunilha. O final vai se tornando defumado, terroso e apimentado