O que comprar no Duty Free – Dezembro de 2024
Observo, da janelinha do Airbus, sonolento e irritadiço, o finger se aproximar da porta. Foram nove horas de voo, mas pareciam ter sido umas cento e vinte. Mal as portas se tocam, todos se levantam. Tenho certeza que não havia voos transatlânticos em 1895, mas, se houvesse, Gustave Le Bon ficaria deliciado. Eles são a prova definitiva de sua Psicologia das Massas. Todos em pé, extirpados de suas individualidades e senso crítico, irracionalmente olhando para a frente. Gente, já passamos quase uma era geológica aqui, não tem dificuldade nenhuma em esperar mais quinze minutos sentado – penso.
Outra situação que merecia estudo é o banheiro do avião. Acho curioso como todo mundo fica com vontade de ir ao mesmo tempo – que é 30 minutos antes dele pousar. Tudo bem que é melhor dar uma aliviada antes de passar na polícia federal ou pegar outro voo. Mas o horizonte de planejamento e a autonomia da bexiga de um ser humano médio é bem maior do que trinta minutos. Começo a acreditar nas teorias da conspiração que dizem que aquele sprayzinho que passam na cabine é feito pra deixar todo mundo meio zumbi. Provas não faltam.
Finalmente, a porta se abre e a fila começa a andar. Me levanto, guardo o celular e sigo o fluxo, à moda dos demais. Olhando pra frente, semblante neutro, passinhos de gueixa. A gente toda enfileirada aflui para uma fila ainda maior, que se divide em dezenas de afluentes. Cada um, um guichê da imigração. Aí é só seguir o fluxo. Passaporte brasileiro com chip, foto, portinhas de vidro, malas, nada a declarar. O prêmio está no final do processo todo. O último saguão entre eu e o calor úmido e sufocante de São Paulo em Novembro. O Duty Free.
O Duty Free é a oportunidade dos entusiastas de whisky de comprar aqueles rótulos que só se encontra por lá. O espaço é uma espécie de proveta, um test-drive que as marcas fazem antes de lançar novas tendências. Muitas delas, hoje, possuem linhas exclusivas – as chamadas travel retail. Algumas não valem muito a pena. Mas, cianetar o ouro dessas rochas é a função deste Cão. Apresento a vocês cinco whiskies à venda em nosso Duty Free que merecem espaço na sua prateleira.*
GLENMORANGIE SIGNET
Este é um dos melhores e mais engenhosos whiskies da Glenmorangie. Ele é produzido com a combinação de dois diferentes tipos de malte. A primeira, conhecida como “chocolate malt”, é, na verdade, malte de cevada maltada altamente torrada. A mesma usada normalmente em cervejas escuras, dos estilos porter e stout. A segunda é o malte Cardboll, produzido com cevada retirada das fazendas contíguas à destilaria. Por fim, parte do estoque mais precioso da Glenmorangie é usado em sua composição, com whiskies envelhecidos entre trinta e cinco e quarenta anos.
O resultado de tudo isso é impressionante. O Glenmorangie Signet é um whisky suave e frutado, mas com claro aroma e sabor de chocolate amargo e caramelo. A finalização é longa, e vai se tornando progressivamente mais doce. Além de tudo isso, o single malt vem em uma das garrafas mais bonitas que este Cão já viu.
JACK DANIEL’S SINGLE MALT
O Jack Daniel’s Single Malt é produzido 100% de cevada maltada comprada dos norte dos EUA – algo em comum com os primos escoceses. Entretanto, como no tradicional Jack, o new-make passa por filtragem em carvão de bordo, ou maple tree. A maturação acontece em barris de carvalho americano virgens, com uma finalização em barris de carvalho que antes contiveram vinho jerez oloroso.
O resultado é um whisky que relembra, claramente, Jack Daniel’s, mas menos adocicado, e com um aroma reminiscente de frutas vermelhas – algo característico dos barris de oloroso. Compará-lo com um single malt escocês ou com um tennessee whiskey americano seria injusto, visto que são animais distintos. E é isso que o faz único. Isso, e o fato de ser um dos melhores – senão o melhor – Jack Daniel’s que este Cão já bebeu.
CHIVAS MARGAUX CASK
O Chivas 18 anos Margaux Cask faz parte da Wine Cask Series da marca. Ele é quase o Chivas 18 tradicional, mas com uma graduação alcoolica mais robusta – 48% – que lhe traz um fôlego às vezes necessário. Mas o ponto mais importante que o difere da edição tradicional é a finalização. Depois de composto, o blend descansa em barricas de vinho Gran Cru Margaux, que traz notas frutadas e adocicadas.
DEWAR’S 21 MIZUNARA
A Dewar’s tem um processo curioso de maturação. Conhecida como “double maturation”, ela matura os componentes do blend separadamente. Depois, junta tudo e matura novamente. Isso garante mais delicadeza, porque permite que os ingredientes interajam por um tempo com o barril, antes do engarrafamento. O Dewar’s 21 Mizunara, porém, passa por ainda mais um estágio.
Depois de maturar na segunda barrica, o blend constituído é transferido para uma terceira barrica de carvalho japonês – o mizunara – para finalizar. Só depois o whisky é engarrafado. É o que a Dewar’s chama de “Double Double”. A finalização empresta sabores de coco, canela e pimenta branca. É um blend impressionante, que poderia ser ainda mais incrível, não fosse a garrafinha de 500ml. Mas cada gota vale a pena.
BOWMORE 18 ASTON MARTIN
Esta não seria uma matéria do Cão Engarrafado sem um Bowmore. Mais especificamente, uma edição especial limitada, criada em parceria com a marca de luxo de automóveis Aston Martin. Ao menos a parte externa. O líquido é igual àquele do Bowmore 18 Deep & Complex. Que, convenhamos, já é o melhor do core range para duty free da marca.
O Bowmore 18 é turfado, e maturado em barricas que antes contiveram vinho jerez. Isso traz um perfil sensorial bem incomum, especialmente considerando os demais whiskies à venda no Brasil. Nenhum rótulo importado oficialmente traz esta combinação – turfa e vinho. Assim, este é uma ótima oportunidade para expandir os horizontes sensoriais no mundo do whisky.
*Os whiskies escolhidos para esta matéria foram encontrados no site do Dufry para o aeroporto de GRU-São Paulo, em 01/12/2024