Royal Salute Miami Polo Edition – Jardinagem

Quando eu tinha uns treze anos, viajei com meus pais para Miami. E eu adoraria dizer que lembro-me de descer Miami Beach numa Ferrari Daytona preta, à la Miami Vice, ouvindo a música do Will Smith ou do LMFAO, enquanto apreciava a bela arquitetura Art-Decô das boates daquela praia. Mas eu não fiz nada disso.

O que eu fiz foi falar portunhol com todo mundo – ainda que tentasse antes o inglês – e comer horrores. Lembro-me também de passar horas entediado, ao lado do meu pai, em alguma Wallgreens, enquanto minha mãe se regojizava entre os milhares de cremes e maquiagens. Então, não vou falar da minha fastidiosa viagem. Mas vou falar de uma coisa que todo mundo gosta em Miami – e em todo lugar, pra falar a verdade. Ficar pelado.

Aliás, vi uma matéria recente no Miami Herald que a cidade foi nomeada a Capital da Jardinagem Nua da América. A honra foi concedida pelo site LawnStarter, especializado no cultivo de plantas. O prêmio decorreu de uma extensa pesquisa em mais de cem cidades, capitaneada pelo portal. E descobriu-se que os habitantes da maior capital brasileira fora do Brasil amam utilizar grandes tesouras de jardinagem ao lado de suas proeminentes partes íntimas. Houve até uma festa, comemorando a honraria, no dia 01 de maio.

passatempo arriscado

Outra coisa importante que aconteceu em Miami há alguns meses – ainda que com bem mais roupas – foi o lançamento do novo Royal Salute Miami Polo Edition. Numa cor apropriada, considerando o passatempo dos floridianos. Um rosa, quase cor da pele. O lançamento aconteceu em Palm Beach e contou com celebridades como Harry e Meghan, e o jogador profissional de polo e embaixador mundial de Royal Salute Malcolm Borwick – que já foi entrevistado por aqui.

O whisky foi criado por Sandy Hyslop, master blender da Royal Salute (também já entrevistado pelo Cão) e inspirado na “energia ensolarada de Miami”. O blend, depois de composto, é finalizado em uma mistura de barris first-fill, previamente usadas para maturar bourbon e rye whiskey. É a primeira vez que a Royal Salute utiliza essa combinação. A caixa é uma atração à parte: com design art-deco, em homenagem a Miami Beach.

Em uma entrevista concecida ao website Moodie Davitt, Aisling Tobin, chefe de marketing de “travel retail” da Pernod Ricard para as Américas, disse: “Estamos no início de um novo momento emocionante para a Royal Salute. A marca tem tido muito crescimento em mercados nacionais como Brasil, Argentina, República Dominicana e outros, e as pessoas querem ser vistas com a marca. “Um novo tipo de consumidor de luxo está descobrindo a marca.”

Borwick no Brasil, para o lançamento do Snow Polo

Sensorialmente, o Royal Salute Miami Polo Edition é adocicado e levemente apimentado, com uma curiosa nota herbal, que relembra menta fresca, no fundo. Este aroma está mais presente na finalização. O whisky é delicado – mas não tão delicado quanto o tradicional Royal Salute Signature Blend. Em seu coração, ainda está o single malt base de Royal Salute, Strathisla, que também traz um floral perfumado ao blended whisky.

O Royal Salute Miami Polo Edition chega ao Brasil ainda no primeiro semestre de 2024, e terá um preço sensivelmente mais elevado do que os whiskies da linha perene da marca: o Malts Blend e Signature Blend. Ele é a sexta edição da coleção de Polo da Royal Salute, e a quarta a ser lançada oficialmente no Brasil.

O Royal Salute Miami Polo Edition é um blend que te convida a fazer uma viagem sem sair do lugar. Inspirado pela capital brasileira dos Estados Unidos, é perfeito para beber com ou sem roupa, acompanhado ou sozinho, tesoura de jardinagem ou não. Com menos menos portunhol, e – felizmente – bem menos lojas de departamento. Só não esqueça do protetor solar.

ROYAL SALUTE MIAMI POLO EDITION

Tipo: Blended whisky
Marca: Royal Salute
País/Região: Escócia – N/A
ABV: 40%
Idade: 21 anos

Notas de prova:

Aroma: Adocicado e herbal. Menta e pimenta do reino
Sabor: adocicado, com baunilha, mel e gengibre. O final é apimentado e mais seco, com um leve mentolado.

Old Pal – Negroni Month

Pronto, acabou. Não estamos mais no mês do Negroni – o que não poderia tornar esta matéria mais tempestiva. É engraçado que, ano passado, era uma semana só. Agora já tem um mês. Inteiro. Ano que vem teremos o semestre do Negroni, tenho certeza. Ele irá de agosto até o reveillon. E vai ser ótimo, além de super prático, porque já vai estar tudo vermelho, aí não vai precisar mudar a paleta pro Natal.

Medo de dar ideia e alguém gostar

Negroni é um drink interessante. Vi esses dias uma postagem que trazia algumas definições engraçadas do coquetel. Dentre elas, “a forma mais fácil de fazer pessoas normais detestarem coquetéis” ; “diabetes entrelaçada com amargor” e meu absolutamente preferido “Tipo um boulevardier, mas piorado“. A verdade é que Negroni é o pior drink mais viciante que tem. E, certamente o que mais evoca a paixão entre seus entusiastas.

Nada mais natural, então, que ele tenha ramificado para diversas variações, ao longo de sua história. A mais conhecida delas é, alegadamente, o Boulevardier, que troca o gim pelo whiskey. Algo que, convenhamos, deveria ter sido feito desde o primeiro dia. Mas há incontáveis outras. Sbagliato, Negroni Bianco, Last Man Standing, Drunk Uncle, South By Southwest e Valentino, para citar algumas poucas.

O Old Pal é uma dessas. Sua criação é atribuída a Harry MacElhone, do Harrry’s New York Bar de Paris, em 1922. Ele foi uma homenagem do bartender a William “Sparrow” Robertson, jornalista editor do New York Herald de Paris. Seu estilo de escrita fora descrito por outros como “desprovido de sintaxe e ainda mais de gramática elementar“. Porém, independente do mérito literário, Robertson era uma celebridade, um entusiasta do álcool, e um grande camarada de Harry. Por isso, o “Old Pal” – Velho Amigo.

Robertson

A receita original do Old Pal pede partes iguais de Campari, rye whiskey e vermute seco. Este Cão, porém, talvez prefira uma medida mais moderna, que coloca o whiskey em evidência. Dois do destilado americano para um de cada uma das demais partes. Note, entretanto, que isso se baseia em gosto pessoal, e depende muito dos ingredientes específicos usados. Um rye com mais centeio em sua mashbill talvez possa ter uma proporção menor. A dica é que vá experimentando em diversas proporções, até chegar a sua receita perfeita.

Para aqueles que, como eu, gostam de um negroni, mas buscam algo mais equilibrado e fresco, o Old Pal é uma escolha perfeita. Por conta do vermute seco, há menos dulçor, e a impressão é de que o corpo – do drink e o seu – fica mais leve. Mas, sem mais tergiversações, vamos a ele.

OLD PAL

INGREDIENTES

  • 60ml Rye Whiskey
  • 30ml Campari
  • 30ml vermute seco (este Cão usou Dolin Dry)
  • parafernália para mexer
  • Taça coupe ou copo baixo com gelo

PREPARO

  • Adicione os ingredientes líquidos ao mixing glass, e mexa com bastante gelo
  • Desça numa taça coupe previamente resfriada, ou um copo baixo com gelo. A versão clássica pede coupe.

Glenmorangie 16 The Nectar – Maçãs e Laranjas

Hoje vou convidá-lo a um exercício diferente, mas interessantíssimo. Pule até a imagem dos sucos abaixo, e tente encontrar ao menos uma maçã em cada um dos rótulos. Alguns são bem fáceis. Outros, uma verdadeira obra de arte em forma de marketing. É que boa parte deles contém maçã, mesmo sendo de outra coisa completamente diferente, como uva e laranja. A maçã funciona como um agente natural de dulçor, e também reduz o custo de produção da bebida.

Quando isso acontece, as produtoras devem, por lei, incluir a imagem de uma maçã. Para, discutivelmente, mostrar ao consumidor que o suco contém mais de uma fruta. A regra, entretanto, nao especifica muito como. Então, as marcas encontraram formas – as vezes maravilhosamente ardilosas – de atender à obrigação. Volte à imagem do peixinho abaixo e preste atenção às barbatanas. Nem se Van Gogh, Brueghel e Manet se juntassem, fariam uma natureza morta deste nível.

Mas, às vezes, o que não está no rótulo é tão importante quanto o que está. É o caso do – mais ou menos – novo The Glenmorangie 16 The Nectar. Previamente denominado Nectar D’Or, e sem idade declarada, o whisky maturava em barricas de carvalho americano, para, depois, finalizar alguns anos em barris previamente usados para vinho Sauternes francês. Mais especificamente, Chateau D’Yquem. No rótulo anterior, a declaração “Sauternes Cask” foi substituída por “Sweet Wine Casks”.

E ainda que o rótulo não declare, a informação não é difícil de ser encontrada. Ao invés de finalizar exclusivamente em barricas de Sauternes, o whisky, agora, combina quatro vinhos doces diferentes. Sauternes e Montbazillac da França, Moscatel da Espanha e Tokaji, da Hungria. De acordo com a Glenmorangie, cada um contribui com notas distintas, para chegar ao máximo de equilíbrio. De fato, o The Nectar não parece apenas um Nectar D’Or mais maturado. Mas, sim, um whisky diferente.

Sensorialmente, ele é adocicado, com notas de brioche, maçã, amêndoas e mel. É indiscutivelmente doce, mas não a ponto de ser enjoativo. Isso, em boa parte, por conta do new-make spirit da Glenmorangie, que é bastante leve, e deixa a finalização transparecer sem pesar demais. Aliás, em comparação com o antigo, é ainda mais leve, mais floral e menos frutado.

Glenmorangie: ao lado do mar, mas não é salgado.

A maior surpresa, porém, está no bolso. Apesar de ter se tornado um whisky mais maturado, o Glenmorangie 16 The Nectar teve uma redução de preço considerável. O whisky pode ser encontrado por, aproximadamente, 600 reais em pontos de venda. Bem menos do que os setecentos e muito, praticados na versão anterior sem idade. Isso se refletiu, também, nos outros rótulos da Glenmorangie, como o Lasanta e Quinta Ruban.

Para aqueles que procuram um single malt floral, leve e com excelente drinkability, o Glenmorangie 16 será uma grata escolha. Não somente por seu perfil sensorial, mas também, por custar menos do que sua versão anterioralvez, no fim das contas, as transformações discretas no visual sejam menos importantes do que as mudanças que realmente importam. E sem maçãzinha no rótulo.

GLENMORANGIE 16 THE NECTAR

Tipo: Single Malt Whisky

Destilaria: Glenmorangie

Região: Highlands

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: cítrico, floral. Alcaçuz, chocolate branco, coco.

Sabor: levemente cítrico, com chocolate branco e coco. Bastante adocicado, mas longe de ser enjoativo. Final médio para prolongado, picante e floral.

Man O’ War – Esperança

“A única coisa que devemos temer é o próprio medo” – declarou Franklin D. Roosevelt, em seu discurso de posse como presidente dos EUA, em 1933. Não era para menos. O país estava por quatro anos mergulhado na pior crise econômica de sua história até então, a famosa Grande Depressão. Quatro anos antes, em 1929, a bolsa de Nova Iorque colapsara, levando consigo o sistema bancário e o emprego de milhares de norte-americanos. E ainda que, naquela época, isso estivesse longe de ser uma prioridade, nem beber era uma opção. A Lei-Seca estava em vigor.

Neste cenário devastado, surgiu um improvável bastião da esperança. Um cavalo de corrida – sim, pasmem – chamado Seabiscuit. Não por qualquer motivo prático, porque, obviamente, estava longe da capacidade do equino resolver qualquer problema sócio-econômico dos Estados Unidos. Aquilo não era um capítulo de Bojack. Mas por ser uma espécie de personificação – ou melhor, cavalização – da esperança. Seabiscuit era pequeno e subestimado, e teve um difícil início de carreira. Porém, guiado por Tom Smith e Red Pollard – seu treinador e jóquei, respectivamente – se tornou símbolo da luta para superar as adversidades e vencer.

O que poucos sabem – ou não – é que Seabiscuit foi neto de um dos maiores campeões da história do turfe americano, Man O’ War. O cavalo competiu entre 1919 e 1920, e venceu 20 das 21 corridas que participou. Dentre elas Preakness Stakes e Belmont Stakes, parte da tríplice coroa. Deixou de correr o Kentucky Derby por estratégia, e sua única derrota foi por menos de uma cabeça, no Stanford Memorial Stakes.

Com este nome e currículo, naturalmente, Man O’ War não demorou para ser homenagado com um coquetel. No final do século XIX e começo do XX, a corrida de cavalos estava em alta, e muitos coquetéis foram batizados em homenagem aos feitos na pista de corrida. Outro exemplo é o Suburban, já revisto por aqui, e o Futurity. O que, de certa forma, me decepciona. Teria sido muito mais legal se o batismo tivesse se dado por conta da banda, ou de algum enorme navio do século XVI. Mas estou a divagar.

É engraçado que, com essa história, ninguém saiba ao certo quem foi o autor do Man O’ War. Mas isso importa muito pouco. Como a maioria dos coquetéis clássicos, não há qualquer pré-preparo elaborado em sua receita, o que provavelmente contribuiu para que se alastrasse rapidamente. Apenas limão, triple sec, vermute doce e, claro, Bourbon Whiskey – talvez uma referência a Churchill Downs.

O lugar

A escolha dos ingredientes, como sempre, é importante, porque impactará em um drink mais equilibrado. Este Cão escolheu Woodford Reserve, por conta de seu perfil mais equilibrado, e o vermute Dolin, para não dominar o coquetel. O limão deve ser espremido e fresco – é um produto que oxida rápido, e a receita demanda um certo frescor para ficar interessante. O triple sec é a escolha mais fácil. Cointreau. Ainda que, psicografando, em um palpite educado, Cointreau Noir possa dar uma boa profundidade. Tenho até medo de propor uma versão clarificada disso. Deus me livre e quem me dera, para usar um lugar-comum.

Man O’ War é um coquetel distinto. Não apenas por seu perfil de sabor e relativa simplicidade. Mas, também, por toda a história que o envolve. Parte da experiência da coquetelaria é isso. Criar uma experiência atemporal, mas que seja o retrato autêntico de sua época. Vamos à receita.

MAN O’ WAR

INGREDIENTES

  • 60ml Bourbon Whiskey
  • 30ml triple sec (algumas receitas pedem curaçao Não há qualquer boa razão para arruinar seu drink, exceto se tiver acesso a um curaçao muito bom)
  • 45ml vermute doce
  • 45ml suco de limão siciliano fresco (não tenha preguiça)
  • Parafernália para bater
  • Taça coupé

PREPARO

  1. Adicione todos os ingredientes na coqueteleira. Menos a taça. Isso é importante, porque pode tornar este, potencialmente, o último drink da sua vida.
  2. Bata vigorosamente e desça na taça coupé previamente resfriada
  3. Se estiver se sentindo elegante, decore com uma maraschino ou um twist de siciliano

Glenmorangie 18 The Infinita

Em 1726, Jonathan Swift descreveu em As Viagens de Gulliver um curioso território insular que flutuava sobre o ficcional reino de Balnibarbi. A ilha, com sua base magnética de adamântio, era habitada pela realeza e nobreza de Balnibarbi. Seres extremamente inteligentes, mas totalmente desconectados da realidade prática. Absorvidos por ideias abstratas e complexas, se viam incapazes de preparar uma refeição sem algum auxílio de humanos mais pragmáticos. Swift, que escrevera a obra em inglês, nomeou a ilha de Laputa.

O nome, entretanto, teria passado despercebido pelos anais literários, não tivesse sido resgatado pela Mazda. Em 1999, a fábrica japonesa de automóveis lançou um novo carro, e, inspirada pela erudita referência, decidiu que seria uma boa ideia batizá-lo de Laputa. O que, na cabeça de seus executivos – que muito bem poderiam ser habitantes da ilha ficcional – evocava um ar de inovação e sofisticação flutuante.

Com placa personalizada

Assim surgiu o Mazda Laputa, que rapidamente se tornou uma piada pronta para nós, afortunados falantes de línguas latinas. Diante do constrangimento, a Mazda tomou a decisão de reintroduzir o carro com o nome de Verisa. Que foi escolhido pela sonoridade, não significa nada, e – nem de longe – é tão legal quanto Laputa. Seja pelo real significado, inspirado na literatura, ou pela referência vulgar.

E talvez você se lembre que há alguns anos, fiz uma notinha sobre o Glenmorangie 18 anos, que, na época, ostentava o nome de Extremely Rare. Naquele ano, o whisky não era vendido oficialmente no Brasil, e fazia juz a sua alcunha. Não era nada fácil de encontrar. Há um par de anos, porém, a destilaria decidiu que ser extremamente raro não era uma boa. Em um drift de rebranding, então, resolveram o oposto: que ele seria infinito – o que, nem de longe, evoca o ar de exclusividade da denominação anterior. Rebatizado de Glenmorangie 18 The Infinita, o single malt acaba de chegar oficialmente às prateleiras brasileiras.

Curiosamente, exceto por agora carregar o peso da eternidade, nada mudou no líquido do Glenmorangie 18 anos – que continua excepcional. Seja infinitamente raro ou só infinito mesmo, o Glenmorangie 18 anos traz notas de mel, frutas secas, baunilha e caramelo. O álcool é extremamente bem integrado e delicado. A finalização no paladar, ainda que não seja infinita, é longa e adocicada. É uma garrafa perigosamente fácil de percorrer. O que torna ainda mais irônica a referência ao infinito.

A maturação do Glenmoranige 18 the Infinite ocorre em uma combinação de barricas de carvalho americano que antes contiveram bourbon whiskey, e carvalho europeu, que maturou vinho jerez. O processo consiste em maturar, por um certo tempo, o destilado em barricas de ex-bourbon, e depois transferir aproximadamente 30% dele para barricas de ex-jerez. As duas partes então passam mais alguns anos nestas barricas distintas, até serem reunidas novamente, cortadas e engarrafadas. Atualmente, é um processo de maturação bastante tradicional, e cria um contraponto com os demais whiskies da linha permanente da Glenmorangie, que utilizam barricas mais incomuns, como Sauternes e vinho do Porto.

A antiga garrafa

O Infinita é um dos preferidos do diretor de criação de whiskies da Glenmorangie, Dr. Bill Lumsden. “Para mim, o Glenmorangie Infinita encapsula cada elemento do nosso estilo de casa em perfeita harmonia e é nossa criação mais deliciosamente complexa. Um favorito entre os amantes de uísque antigos e novos, ele une perfeitamente toques sutis de barril de xerez e notas amadeiradas de sua grande idade, com o caráter suave e frutado característico da nossa destilaria. O resultado é um single malt lindamente equilibrado, tão multicamadas que é como se você estivesse bebendo um uísque diferente a cada vez” – disse ele.

No Brasil, uma garrafa de Glenmorangie 18 Infinita custa em torno de R$ 1.000. É um ótimo preço, considerando que o único single malt com essa idade, e preço inferior, é o The Glenlivet 18 anos. E, sensorialmente, ele não deixa nada a desejar. Traz uma nota cítrica, de casca de laranja, e um final longo e delicado. É bem distinto de seus irmãos mais novos.

Assim como a ilha de Laputa, cuja sofisticação intelectual era, por vezes, desconectada da realidade, o Glenmorangie 18 Infinita carrega um nome que pode parecer audacioso demais para alguns. Mas, ao contrário dos laputianos, esse single malt prova que, por trás do novo rótulo, há substância de sobra. Bem que ele podia ser, de fato, infinito.

GLENMORANGIE 18 ANOS THE INIFINITA

Tipo: Single Malt Scotch Whisky

Destilaria: Glenmorangie

Região: Highlands

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: frutado, cítrico, com aroma de casca de laranja

Sabor: seco e delicado, com nota de laranjas e damasco. Final longo, delicado e frutado

Entrevista com Elizabeth McCall, Master Distiller da Woodford Reserve

Sentado no bar, lá pelas tantas, um conhecido meu surge com uma analogia sobre a vida. “Olha, imagina que sua vida é um pote enorme. E você tem na sua frente, duas porções de bolinhas de gude. Numa delas, todas são transparentes. Já a outra, têm bolinhas de várias cores” – um gole na cerveja, antes de seguir, para fins dramáticos – “No final de cada dia, você têm que colocar uma bolinha no pote. Se você fez algo legal, relevante, põe uma colorida. Mas se ficou lá, só flanando, deslizando pela sua rotina, tem que usar uma transparente.” – disse, apertando os lábios.

E aí, você vai ver que no final, vai ter muito mais bolinha transparente do que colorida“. Levantei as sobrancelhas “Tá, e tomar cerveja aqui, conta como colorido ou transparente?“. Pela revirada de olhos, notei que ele não gostou da coça. Mas a analogia, no fundo, era boa. Poderia induzir a comportamentos imprudentes, mas era, basicamente, aquele papo que a Jack Daniel’s tinha, há uns anos. “Make it Count“.

Making it count

E tive uma prova prática dessa filosofia ao viajar com a Brown Forman para os Estados Unidos. O objetivo era conhecer as destilarias do grupo e as pessoas por trás de suas marcas. Foram apenas cinco dias, mas com cada minuto preenchido. Passamos por quatro cidades, conhecemos três destilarias e participamos de uma corrida de cavalos em Churchill Downs – como espectadores, obviamente. Dormimos em três lugares diferentes, dentre eles, um trailer camp bem no meio da Jack. Visitamos bares, casas históricas e até um cemitério.

Mas o ponto alto de toda a experiência, sem a menor dúvida, foi conhecer as pessoas por trás dessas marcas icônicas. Ver que o whiskey no copo é, na verdade, a soma do conhecimento de dezenas de profissionais excepcionais. Como, por exemplo, Elizabeth McCall, a master distiller da Woodford Reserve. E este Cão teve a oportunidade de entrevistar McCall, logo após uma visita à destilaria. O resultado – porcamente traduzido – você vê aqui.

Esse foi, certamente, o dia de uma bolinha colorida.

Como você vê os consumidores bebendo whiskey hoje em dia?

Meus amigos não bebiam whiskey porque são inacessíveis sensorialmente, ou alto teor alcoólico. Então, se você ensina as pessoas a reduzi-lo a coquetéis simples, ele se torna mais acessível. Meu coquetel favorito é um Manhattan. Mas no verão, fazemos uma limonada de whiskey com Woodford Bourbon. É muito bom porque ele estica, reduz o teor alcoólico e é uma boa bebida para um dia quente. Então, há muitas maneiras de tomá-lo, que não são muito alcoólicas.

Qual é sua maneira favorita de beber whiskey?

Seria com gelo, como quando eu bebo em casa. Eu apenas encho um copo com gelo e, em seguida, completo com Woodford.

E qual é sua expressão favorita de Woodford Reserve?

Ah, é o Double Oaked. Na verdade, foi ele que tomei, da primeira vez que bebi whiskey com gelo. Não em um coquetel – só com gelo, mesmo. Talvez tivesse um pouco de limão, mas era só isso. Acho que foi em 2012 ou 2013. Estávamos em um jantar de trabalho com colegas e um deles pediu. Eu pensei “olha lá, acho que vou experimentar isso daí”.

Eu já estava trabalhando para a Brown-Forman na época. Mas eu ainda estava no laboratório de pesquisa e desenvolvimento em controle de qualidade. Então eu não estava trabalhando na destilaria. Eu trabalhei com todas as marcas (da Brown-Forman). Mas eu sempre tive uma queda pela Woodford. É uma marca linda em todos os sentidos possíveis.

Você de alguma forma previu que se tornaria master distiller?

Não! Quando comecei, ela (Woodford) era muito pequena. Mas sempre foi essa marca boutique de alto luxo, alta qualidade e aspiracional. Sempre foi algo que você pensa “isso é bom, eu quero isso no meu backbar e quero fazer parte disso”. E agora, trabalhar para a marca é como um sonho que se tornou realidade.

E como isso aconteceu?

Foi uma evolução da oportunidade de ser o “master taster”. Fui promovida a embaixadora da marca. Aí, tive oportunidade de trabalhar com o master distiller (Chris Morris – já entrevistado pelo Cão), e conhecer e provar nossos produtos e ajudar com a inovação. E comecei a trabalhar em mais qualidade aqui. Trabalhei na produção em Woodford, e isso me levou a ser master distiller. Mas nunca foi minha escolha quando comecei a trabalhar.

Morris

Qual é o maior desafio em ser um master distiller?

Acho que o maior desafio agora é a inovação e lançar as coisas o mais rápido possível. E isso é muito difícil. Só de pensar em novas maneiras interessantes de apresentar nosso whiskey, que não pareçam uma trapaça, ou não seja apenas para chamar a atenção. Mas que realmente permaneça fiel à marca e ao coração e à alma de Woodford. Porque há tantas tendências por aí.

Há pessoas que simplesmente aderem à tendência. E você sabe que não é autêntico para a marca. Então, o desafio é: “Como você se mantém fresco na mente dos consumidores, ainda mantém a inovação, mas é sincero?”

Como é o processo criativo de criação dessas inovações?

É realmente tirar inspiração do mundo. No que as pessoas estão interessadas? E então, também, o que está ao seu alcance. Tipo, o que podemos fazer? Então, quando eu estava mencionando acabamentos de barril, por exemplo. Temos uma vinícola com a qual trabalhamos. É da família Brown-Forman (Sonoma Cutrer). Então, há uma oportunidade aí! E também, nós sustentamos de documentos históricos o que podemos trazer de volta à vida. Então, há muitas áreas com as quais você pode brincar.

Qual produto seria novo de Woodford?

Acabamos de produzir um whiskey de chocolate com caramelo. Isso sairá em 10 anos a partir de agora. Você tem que esperar muito tempo, mas talvez menos. Mas o mínimo de 5 anos, então você só tem que esperar muito tempo, então quando inovamos hoje, isso nos toma muito.

Mas vai mais rápido do que você pensa. E então e então algumas das outras coisas são apenas misturas divertidas que fizemos olhando no depósito. Que estoque temos em excesso ou barris restantes de algo e você começa a pensar no laboratório e a juntar lotes e se divertir!

Suntory Hibiki 21 – Escassez

For Relaxing Times, make it a Suntory Time. Quando assisti Encontros e Desencontros da Sofia Coppolla pela primeira vez, nem conhecia whisky direito, mas achei a referência engraçada. O filme explorava justamente a sensação de estranhamento, alienação e isolamento entre as pessoas. Relações, aliás, realçadas pela sensação de distanciamento cultural do Japão.

E nada melhor para potencializar este estranhamento do que whisky. Em 2003, o whisky japonês estava longe da febre que é atualmente – e eu tinha apenas dezoito anos. E um ficcional ator decadente americano estrelando um comercial para um produto que parecia tão desconectado daquele país quanto ele próprio era uma analogia genial. O que eu não sabia, no entanto, é que o whisky japonês era excepcional.

Um dos exemplos mais claros é o premiadíssimo Suntory Hibiki 21 anos – aliás, o irmão mais velho do whisky que aparece no filme. O Hibiki 21 anos é um blended whisky cujo coração é o single malt Yamazaki, e que leva whiskies das destilarias Hakushu – single malt – e Chita – grain whisky. Whiskies, estes, maturados em barricas de carvalho americano, europeu e japonês – o famoso Mizunara.

bomdimais.

O blend foi lançado em 1994, cinco anos após a estreia da linha Hibiki, com seu 17 anos. A linha cresceu, com o 30 anos, em 1997, e o 12 anos, em 2009. Porém, alguns anos depois, praticamente a linha inteira foi ceifada de uma vez só. E a causa não poderia ser mais surpreendente. Por conta do sucesso dos whiskies japoneses no mundo, a Suntory se viu com estoque curto para manter a qualidade de seus blends. Então, ao invés de mudar a fórmula, tomou a corajosa decisão de retirá-los do mercado até que seu estoque fosse recomposto.

Em 2015 foi lançado o Hibiki Japanese Harmony, o que permitiu, que, aos poucos, o Hibiki 21 e 30 fossem reintroduzidos. Duas expressões, porém, jamais voltaram às prateleiras: Os Hibiki 12 e 17 anos. Isso torna o Hibiki 21 o blend mais longevo do atual portfólio

Sdds

O Suntory Hibiki 21 recebeu diversos premios internacionais, como Melhor Blended Whisky do Mundo em 2019, 2017, 2016, 2013, 2011 e 2010 pela World Whisky Awards, e medalha de ouro na International Spirits Challenge de 2012. Aliás, foi ele um dos causadores da febre de whiskies japoneses e a consequente escassez de estoques mais maturados.

Sensorialmente, o Hibiki 21 traz notas frutadas, gengibre, pimenta do reino e chocolate. Há algo como uma ameixa seca, ou em calda, no fundo, que amarra as proverbiais pontas do blend, e o torna um produto conciso. O final traz creme brulee e mais ameixa em calda – quase um umeshu . É um blend incrivelmente bem equilibrado e complexo, capaz de superar facilmente single malts de renome.

E esta maravilha acaba de chegar ao Brasil. Foram menos de 70 garrafas que desembarcaram por aqui. O que parece pouco, mas é um número surpreendente. O whisky é concorridíssimo no mundo todo, a sua produção, ainda bastante limitada. O preço é alto. Sete mil reais. Mas é coerente com o valor cobrado ao redor do mundo. No Japão, com sorte, compra-se um por cinco mil.

O Hibiki 21é um blend histórico. Ele foi um dos principais responsáveis – ao lado de seu primo Yamazaki Sherry Cask – por provar que whiskies produzidos com técnicas escocesas mas fora da Escócia podiam ser tão bons quanto aqueles. Mas isso não importa. O que importa é que ele é um whisky absolutamente incrível até nos dias de hoje. Sem alienação ou estranhamento – apenas um blend magistralmente bem feito.

SUNTORY HIBIKI 21 ANOS

Tipo: Blended Whisky com idade definida – 21 anos

Marca: Suntory

Região: N/A

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: frutado e floral, com baunilha e ameixa.

Sabor: Mel, ameixa em calda, gengibre, pimenta do reino, chocolate. Final longo, adocicado, com baunilha, caramelo e ameixa.

Blinker Cocktail

Eu não quero ser o produto de meu meio. Eu quero que meu meio seja o resultado de mim“. A frase é a abertura de um dos melhores filmes de Martin Scorcese – The Departed – e proferida numa voz arrastada por Jack Nicholson. O conceito é uma refutação de uma ideia de Émile Durkheim, filósofo francês, considerado o pai da sociologia. Para Durkheim, o homem sofre influência de seu meio, muito mais do que o meio é influenciado por ele.

A ideia é de fácil comprovação. Aleatoriamente, aqui, vou falar de Jean Metzinger. Ele foi um pintor francês, nascido no final do século dezenove. Metzinger sofreu diversas influências artísticas em sua carreira. Dentre elas, do pontilhismo de Seurat e Fauvismo. Ao conhecer Picasso e Braque, abandonou as influências anteriores e adotou o cubismo. E por mais que tenha alcançado uma indiscutível notoriedade, jamais chegou ao nível de prestígio de seus influenciadores, como Picasso.

que?

Se Metzinger fosse um coquetel clássico, ele seria, certamente, o Blinker. O drink é uma amálgama da influência de diversos outros drinks. Seu Picasso é, certamente, o Whiskey Sour. Mas há também algo de Ward Eight, e por que não, de Paloma – um coquetel que recentemente sequestrou a cena da coquetelaria mundial por pura força-bruta da indústria. Que, aliás, custa a entender a dificuldade de se obter um grapefruit ou convencer um cliente a beber tequila. Mas, estou a divagar.

A primeira menção do Blinker foi no livro “The Official Mixer’s Manual” de Patrick Gavin Duffy, em 1934. Em 1940 apareceu no “Fine Art of Mixing Drinks” de David Embury, com talvez a mais sincera e risível descrição “Um dos poucos coquetéis que usa suco de grapefruit. Não é particularmente bom, mas não é péssimo“. Apesar do prólogo pouco convincente, o coquetel alcançou sua – bastante discutível – fama depois de 2009. Ele figurou entre os drinks do “Vintage Spirits and Forgotten Cocktails” de Ted Haigh. Mas não sem algumas modificações. Ao longo do tempo, as proporções foram alteradas, para acomodar as mudanças do paladar médio.

Outra mudança importante é o xarope. A receita original pede por xarope de romã, ou grenadine. Algo que com alguma hipérbole e perdão pelo lugar-comum, pode ser comprado em (quase) qualquer canto. Entretanto, algumas versões modernas substituem o ingrediente por um xarope caseiro de framboesa. Funciona bem, caso você tenha tempo e paciência para fazê-lo. É como dizem, quem tem tempo, se alivia longe. Ou algo assim. Porém, se quiser apenas testar um coquetel sem muita sujeira, siga a receita clássica.

A Monin tem um PURE de framboesa que pode funcionar, se usado moderadamente

O conselho deste Cão é começar nas proporções abaixo, e, se sentir que está muito doce, reduzir o xarope de fruta. O rye whiskey de base é importante, também. Recomendo algo intenso com boa quantidade de centeio. Um High West Double Rye, por exemplo. Porém, se esse for inacessível, Wild Turkey Rye funcionará bem. Apenas, mais uma vez, cuidado com o excesso de dulçor.

O Blinker é um daqueles coquetéis com uma aura familiar – você pode jurar que já bebeu antes. E provvelmente, já mesmo. Em algum de seus muitos primos mais notórios. Seu mérito é justamente este. Ser parcialmente reconhecível, fácil e agradável de beber. Durkheim, se o bebesse, concordaria. Não há nada de errado em ser um produto de seu meio.

BLINKER COCKTAIL

INGREDIENTES

  • 60ml rye whiskey
  • 30ml de suco de grapefruit fresca (não vale o de caixinha. Boa sorte)
  • 15ml xarope de grenadine ou framboesa (boa sorte, novamente)
  • gelo
  • parafernália para bater
  • Taça coupé

PREPARO

  1. adicione tudo na coqueteleira, menos a taça coupé e o strainer
  2. bata vigorosamente, até sentir que está gelado do lado de fora
  3. Coe, com a ajuda do strainer, para a taça coupé
  4. se estiver se sentindo sofisticado, pode decorar com uma amora

Entrevista com Chris Fletcher, master Distiller da Jack Daniel’s

Há um axioma, proferido a Peter Parker por seu tio Ben, que atingiu status de aforismo. “Com grande poder, há grande responsabilidade“. O conceito é de fácil absorção, a ponto de parecer até estranho que ninguém tenha o condensado antes. De fato, versões da citação são bem mais antigas do que o nosso querido herói da Marvel. O que, de nenhuma forma, tira o mérito dele ou de Stan Lee pela menção.

Por exemplo, em 1817, o futuro primeiro ministro da Inglaterra, William Lamb, disse em um discurso ao parlamento que “a posse de um grande poder necessariamente implica em grande responsabilidade“. A nova versão da bíblia, de rei James, também possui uma passagem que menciona algo semelhante. “Para todos que muito é dado, muito será solicitado“. O conceito foi também abordado por Chomsky, que, aliás, é contemporâneo e conterrâneo de Lee. Mas, estou a divagar.

Grandes poderes trazem grandes responsabilidades. O que nos leva a imaginar que, implicam também em um enorme ego, e uma inacessibilidade quase intransponível. Isso é verdade para muita gente. Mas não Chris Fletcher, master Distiller da Jack Daniel’s. Fletcher é responsável por quase tudo que se refere a Jack. Ele cuida da padronização, criação de novas expressões e da produção.

Fletcher é acessível e apaixonado por seu trabalho. Fica especialmente entusiasmado ao falar de assuntos técnicos da Jack Daniel’s, e sobre o legado e autenticidade da marca – valores que parecem permear todas as decisões da destilaria. Durante nossa viagem ao Tennessee, nosso grupo passou uma tarde inteira com Fletcher. Com direito a degustação e uma entrevista exclusiva, que você confere abaixo.

Então seu avô Frank Bobo era o master distiller, certo? Você se lembra de como era o Jack Daniel’s quando ele trabalhava? Mudou muito?

Sim, muito! Ele começou em 1957. E a marca era vendida principalmente no sudeste dos Estados Unidos, só isso. Não exportamos nenhum Jack Daniels na década de 1980, então na verdade foi todo alocado. O clássico Old Number 7 foi alocado somente nos Estados Unidos até 1980. Então mudou muito, com o crescimento, obviamente . Mas você sabe, meu avô e os fabricantes de uísque naquela época – o que eles estavam tentando fazer era produzir o máximo de uísque que pudessem. <ais e mais e mais, mantendo o mesmo sabor, então é incrível o que eles fizeram.

E você não tinha planos de se tornar um master distiller no início?

Isso mesmo. Eu não tinha planos até ir para a faculdade e estudar química. Eu pensei “bem, ei, por que não fazer uísque, seria uma coisa muito divertida de fazer, certo?” E eu tive meu avô. Ele ainda estava por aí, porque faleceu só em 2020. Certamente ele era uma fonte valiosa de informações!

Frank Bobo, avô de Fletcher

Como foi seu primeiro dia como master distiller? Você ficou animado? Você estava ansioso?

Hum, não, eu não estava. Não fiquei ansioso, foi interessante porque estava em plena COVID! Era 1º de outubro de 2020. Este era meu primeiro dia e tínhamos em casa um garotinho de três meses – nosso filho. E então vivenciamos tudo isso durante a pandemia. Então foi um período um pouco estressante, mas não por causa do trabalho.

O trabalho era na verdade o menor problema.

Exatamente.

Sobre Jack Daniel’s Rye. Por que 70% de centeio na mashbill? Por que não 90 ou 51, como fazem a maioria das grandes destilarias?

Em última análise, 70% é ótimo para o equilíbrio entre sabor e finalização. Mas em segundo lugar, porque só dependemos do malte de cevada para a conversão do amido em açúcar fermentável. Então, não poderíamos ultrapassar 90%.,Você precisa de pelo menos 10% de grãos maltados na receita para converter os amidos em açúcares fermentáveis. Sem isso, você teria que adicionar enzimas de uma fonte externa. E não é isso que fazemos aqui, e por isso nunca consideraríamos algo acima de 90% de grãos não maltados. Normalmente usamos um mínimo de 12%. Então foi isso que realmente nos motivou.

Agora, para chegar a exatos 70%, havia um ex-gerente de destilaria aqui. Ele foi bastante inflexível quanto a 70% de centeio para equilibrar o sabor e acho que ele estava certo. Então vou dar-lhe o crédito.

E quanto ao Single Malt, quando começou o projeto? Como isso se desenvolveu? Qual foi a ideia?

Começamos a experimentar no final de 2012. E realmente levamos isso mais a sério em 2013 e 2014, quando estávamos destilando. E ele maturava apenas no novo barril de carvalho – o novo barril de carvalho americano – ao longo de 5, 6 e 7 anos. Mas sentimos que precisávamos adicionar uma camada de riqueza e doçura, e foi isso que nos levou a usar alguns barris de xerez.

Jack Daniel’s Single Malt

Temos algumas destilarias parceiras da nossa empresa na Escócia que são muito famosas pelos seus belos uísques de jerez [Glendronach]. Estivemos lá anos atrás. E provamos algumas expressões maturadas em jerez. Aí, pensamos que deveríamos fazer uma experiência. Foi isso que realmente nos levou ao caminho do jerez. E agora estamos comprando diretamente da Espanha. Nossas novas “sherry butts”!

Eu vi uma nova expressão nesta viagem. O Triple Mash. E quanto a isso? Qual foi a ideia?

Foi quando começamos com os bottled-in-bond. Quando fizemos isso, também estávamos pensando em diferentes maneiras de experimentar e inovar. Então uma mistura, um blend, foi uma ideia! Mas eu não queria misturar nada além de american straight whiskey.

Obviamente, temos feito o straight tennessee whiskey, o straight rye whiskey e o single malt também. E percebi que cada uma dessas bebidas atendia aos regulamentos para serem bottled-in-bond. Você sabe, destilados nas mesmas temporadas, e claro, atendendo a todos os requisitos das bonded warehouses.

Eu apenas pensei que seria realmente diferente e novo, se pudéssemos pegar três bottled-in-bond diferentes e misturá-los todos na mesma garrafa. Isso nunca foi feito antes, que eu saiba. E foi isso que nos levou ao caminho do triple mash.

Jack Triple Mash

E bem, eu acho que se você pudesse experimentar livremente e criar uma nova expressão, o que faria?

Bem, continuamos fazendo isso. Vamos continuar a fazer coisas que representam a nossa história. Estamos fazendo isso com nossos whiskies de 10, 12 anos, e há um de 14 anos chegando. Todos esses são uísques com idade determinada que Jack fez. Então, estamos apenas recriando o passado. É muito divertido poder honrar nosso passado dessa forma. Mas também fazemos coisas que nunca foram feitas antes em nenhuma destilaria, como Triple Mash.

Acho que é importante ter um equilíbrio. Entre o antigo e a inovação. O que nunca foi feito e, depois, também, recriar a nossa história e o nosso património.

Todos nós ouvimos sobre o Lincoln County Process e como ele é realmente importante. Você acha que é isso que torna Jack único?

Não! Acho que é o nossa levedura. Isso é o mais importante. A filtragem no carvão seria provavelmente o terceiro ou quarto na lista do que realmente impulsiona nosso sabor único.

Em primeiro, nossos barris. É muito importante a forma como os nossos barris são primeiro torrados e depois carbonizados.

Nossa cepa de levedura, que tem muito impacto no sabor de um whisky, que ninguém mais tem. Nós mesmos a cultivamos, fresca, todas as semanas em nosso próprio laboratório na destilaria. É a mesma que usamos desde 1938.

Além disso, como administramos nossos destiladores. Destiladores de coluna ligados a um pequeno alambique, um doubler. Você sabe que é uma configuração bastante única. Muitas pessoas usarão doublers, mas farão isso de maneiras diferentes. Nós administramos o nosso mais como um Thumper. Isso significa que não estamos condensando os low-wines entre a coluna e o alambique.

E então eu diria que o Lincoln County Process não está criando nenhum sabor. Ele está removendo floculação. Então está tirando muitas notas de grãos de cereais. Embora seja muito importante, provavelmente estaria em quarto lugar na lista.

E bem, essa é a última pergunta. Além do Old No.7, qual é a sua expressão especial favorita de Jack?

Eu adoro todos os nossos Single Barrels, porque cada um é engarrafado separadamente. E assim você pode obter diferenças de sabor de barril para barril, o que é muito divertido. Grande parte do meu trabalho está focado na consistência. É divertido poder experimentar essas diferenças sutis da mãe natureza!

Angel’s Envy Bourbon – Fascínio

Possuir um site de whisky exige um certo foco. Ainda que seja totalflex, o mundo etílico é muito vasto, e os recursos hepáticos e financeiros, limitados. Me vejo muitas vezes obrigado a escolher frentes, e, naturalmente, minha zona de combate favorita é o whisky. Mas isso não significa que não aprecie outros campos. Como sabem, sou um apaixonado por coquetelaria, sempre gostei de cerveja, e tenho um fascínio ignorante por rum e cachaça. No campo dos vinhos, assumo que sou do time dos fortificados. Especialmente porto.

E às vezes, eu nem preciso escolher. Porque há centenas de whiskies que são finalizados nas barricas de tais vinhos. E isso para mim é quase um megazord etílico.. Basta ver um whisky que passou por essa barrica, que me sinto irremediavelmente compelido a prová-lo. Imagine então, quando descobri um bourbon que passa pelo mesmo processo – O Angel’s Envy Bourbon.

O maior diferencial do Angel’s Envy Bourbon – assim como seu irmão, o Angel’s Envy Finished Rye, já revisto por aqui – é justamente sua maturação um tanto incomum. O whiskey, depois de passar em torno de cinco anos em barris de carvalho americano virgens e tostados, é finalizado por um período de três a seis meses em barricas de vinho do porto. Isso traz ao whiskey um certo aroma vínico doce e frutado, reminiscente de passas – s´p que bom.

A ideia de finalizar um whisky em um barril previamente utilizado por outra bebida não é novo. Há muito é usado na Escócia – as pioneiras foram Glenmorangie e Glen Moray. Mas, nos Estados Unidos, a técnica é ainda pouco utilizada e somente ganhou corpo quando a Woodford Reserve e seu outrora master distiller, Lincoln Henderson, decidiram experimentá-la em versões especiais limitadas da destilaria. Lincoln Henderson, este, que mais tarde, alguns anos antes de falecer, fundou a Angel’s Envy.

Lincoln Henderson (fonte: Angel’s Envy)

A Mashbill (a receita de seu mosto fermentado) do Angel’s Envy Bourbon é composto de 72% milho, 18% centeio e 10% cevada maltada. É uma receita muito próxima a de outro bourbon whiskey famoso por finalizações inusitadas, o Woodford Reserve. É também uma mashbill com uma quantidade considerável de centeio, que traz equilíbrio ao dulçor proporcionado pelo milho.

O lançamento do Angel’ Envy Bourbon aconteceu em 2011. Porém, até 2015, a Angel’s Envy não possuía uma destilaria própria. Seus whiskies eram produzidos pela Midwest Grain Products of Indiana (MGP) sob encomenda da Angel’s Envy, que fazia a curadoria sobre os barris e desenhava o perfil do produto. A MGP – outrora uma enorme destilaria da Seagram’s – também produz ou produziu whiskey sob encomenda para diversas outras marcas, como George Dickel, High West, Redemtion e Smooth Ambler. Atualmente, porém, os whiskies da Angel’s Envy são produzidos em uma destilaria própria, no Kentucky.

O Angel’s Envy chega ao Brasil pelas mãos de sua proprietária – a Bacardi. O preço é próximo daquele praticado por outros bourbons sofisticados, categoria que cresceu muito em nosso mercado, recentemente. Seu maior diferencial é a finalização em porto – ainda que seja difícil ignorar a lindíssima garrafa. É um bourbon que agradará a todos: apaixonados por vinhos fortificados, bourbons e single malts. No caso do Angel’s Envy, nem é preciso escolher frentes.

ANGEL’S ENVY BOURBON

Tipo: Bourbon

Marca: Angel’s Envy

Região: N/A

ABV: 43,3%

Notas de prova:

Aroma: Caramelo. Açúcar mascavo, mel, frutas secas.

Sabor: Caramelo, mel, baunilha, creme brulee. Final longo e progressivamente mais frutado, com passas.