Sazerac Rye – Herança de homônimos

Talvez você não tenha notado o cabeçalho deste site. Ou, talvez, entrado por um link, direto nesta matéria. Neste caso, recomendo que clique no “home” e contemple a foto. Aí depois, volte aqui. Esse cara peludo aí é o Sazerac. Ele é carioca, residente em São Paulo. Tem seus sete anos, vinte e seis quilos, e – como o tutor – um apetite voraz por tudo que parece, remotamente, comestível. Quando ele era jovem, uma vez, comeu uma zamioculca inteira. Vaso incluído.

O Sazerac ganhou este nome por causa de um drink, que é o preferido deste Cão. Quero dizer, meu, não dele, porque óbvio que ele não bebe (note que, a título de desambiguidade, usei “deste”, e não “desse”). Mas o que é mais legal é que o Sazerac só se chama Sazerac por causa do Sazerac drink, que só se chama Sazerac por causa do Sazerac Rye, que só tem esse nome por causa de uma “coffee house” homônima, em Nova Orleans. Que, por sua vez, herdou o nome de um cognac – Sazerac de Forge.

E antes de entrar nos pormenores desta história – que começa lá por 1850 e desemboca em um pastor autraliano red merle – cabe apontar que o tema desta matéria é um dos Sazeracs supra mencioados. O Sazerac Rye, whiskey de centeio que acaba de desembarcar oficialmente no Brasil, importado pela Aurora. A mesma do Eagle Rare, Buffalo Trace e 1792. É um dos rye whiskey americanos mais famosos e celebrados. E acredita quando escrevo. Não fosse assim, jamais teria batizado o modelo fotográfico deste infame site com seu nome.

Ele é o cara

A origem do nome deste rye whiskey é controversa. Há uma matéria espetacular de David Wondrich sobre o assunto. Mas, numa versão quiçá descomplicada demais, havia um coquetel, produzido com bitters e o cognac Sazerac de Forge, em New Orleans, lá pela metade do século dezenove. Este coquetel se tornou o mais famoso de um estabelecimento, que se batizou de Sazerac Coffee House. O espaço era gerido por Sewell Taylor, um senhor que possuía os direitos de importação do tal cognac, o Sazerac de Forge.

Esse certo coquetel – que ainda não tinha nome – era feito originalmente de cognac. Mas obter a matéria-prima era cada vez mais difícil. A phylloxera, aquela praga microscópica que redefiniu a viticultura europeia, devastara os vinhedos franceses. O fornecimento de cognac minguou, e Nova Orleans precisou olhar para dentro. O substituto natural foi o whiskey de centeio, abundante nos Estados Unidos, sobretudo no Nordeste, em Maryland e na Pensilvânia.

Aqui começa a zona cinzenta que David Wondrich adora esmiuçar. O coquetel que viria a ser chamado de Sazerac não nasceu pronto. Era, antes, um cock-tail genérico: destilado, açúcar, bitters. Os bitters, aliás, são outra história confusa. A versão oficial celebra os Peychaud’s, criados pelo farmacêutico Antoine Amédée Peychaud. Mas os registros da época mostram que circulavam diferentes bitters em Nova Orleans, e que a associação exclusiva ao Peychaud’s só se firmou mais tarde, fruto de propaganda e conveniência.

De todo modo, o drink ganhou fama e identidade no Sazerac Coffee House, que emprestou seu nome à mistura. Entra então Thomas Handy. Empreendedor no melhor e pior sentido da palavra, ele assumiu o controle do Sazerac Coffee House em meados da década de 1860. Foi Handy quem consolidou a marca “Sazerac” como sinônimo do coquetel. Sob sua batuta, o Sazerac deixou de ser apenas uma receita e se tornou um ícone, que, mais tarde, quase virou sinônimo de rye whiskey.

Handy

A mashbill do Sazerac Rye não é divulgada oficialmente – a Buffalo Trace, proprietária da marca, é bem reservada quanto à receita de seus produtos. Mas, estima-se que tenha algo como 51% de centeio, 39% de milho e 10% de cevada maltada. É o estilomais tradicional “low-rye” dos whiskies de centeio do Kentucky – em oposição àqueles que eram produzidos no norte dos Estados Unidos.

Sensorialmente, o Sazerac Rye traz um adocicado de açúcar mascavo, com cravo, pimenta, canela e hortelã. Não é um rye “old-school”. Ele troca pungência por equilíbrio e versatilidade. Isso o faz perfeito para os coquetéis clássicos, mas, também, excelente para se beber puro. O álcool, a 45%, é bem integrado, e a finalização, herbal e adocicada.

O Sazerac Rye é, no fim das contas, a consolidação de uma longa cadeia de acidentes históricos: a phylloxera que obrigou a troca do cognac pelo rye, o marketing esperto de Thomas Handy, a persistência de Nova Orleans em transformar improviso em tradição. Dentro da garrafa não há apenas centeio, milho e cevada maltada. Há também duas centenas de anos de caos destilado, reduzido a uma narrativa elegante o bastante para atravessar fronteiras — inclusive a do Brasil. Se hoje ele dá nome a este cão carioca radicado em São Paulo, é porque certas histórias, mesmo quando confusas, terminam em legado.

SAZERAC RYE

Tipo: Rye Whiskey

Marca: Sazerac

Região: N/A

ABV: 45%

Notas de prova:

Aroma: Açucar mascavo, caramelo, cravo, hortelã

Sabor: Adocicado e herbal, com pimenta do reino, cravo, canela. O final é longo, adocicado e herbal.

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