Na semana passada, viajei com a Cã para Barcelona. Visitamos mais de meia dúzia de bares, e comemos muito bem. Fizemos os programas de turista também, claro. E nas escadarias da Sagrada Família, depois de ter também visitado a Casa Batlo, me veio uma reflexão. Ninguém mais lembra do Gotye.
O cara foi um estouro. Sampleou o Luiz Bonfá, chamou a Kimbra – aliás, quem? – pra cantar e depois foi sublimado da cena musical. Nada, nenhum outro sucesso, notícia. Somente silêncio e ostracismo. O Gaudí, no entanto, todo mundo quase sabe quem é.
Acontece que certos criadores têm o azar de se tornarem – relativamente – conhecidos por uma única ‘obra’. Outros, como Gaudi, emplacam uma série inteira de marcos, como se cada projeto fosse inevitavelmente destinado a virar referência. O cara foi tão importante que até a Cãzinha, com seus dez anos de idade, estudou suas obras arquitetônicas na escola.
No balcão, com certa hipérbole, um paralelo possível é Sam Ross. O australiano nos deu o Penicillin, discutivelmente o mais clássico dos new age classics; e o Paper Plane, que se alastrou pelos bares do mundo mais rápido do que a música que lhe inspira. E, como se já não bastasse, também o Midnight Stinger — um terceiro (ou quarto, porque tenho a impressão de ter esquecido algo) novo clássico, que parece ter sempre existido.
Assim como o Penicillin nasceu de um Gold Rush, e o ponto de partida do Paper Plane foi o Last Word, o Midnight Stinger teve, também, um clássico que lhe inspirou. Ou melhor, dois. O primeiro é bem mais óbvio do que parece. O Whiskey Sour. O segundo – e como o nome sugere – é o Stinger: uma mistura de conhaque e licor de menta.
É divertido até pensar na árvore genealógica da birita: o Stinger é um coquetel pré Lei-Seca norte americana, que trazia um certo frescor ao conhaque. Mas, eminentemente, um drink pesado, álcool-no-álcool, como a maoria das combinações daquela época. Trazê-lo ao mundo novamente, em forma de um whiskey sour, e trocar o licor de menta por algo também mentolado, mas não tão ostensivo, faz todo sentido. Mas, ainda assim, é genial.
Devo, aqui, fazer uma ressalva importante sobre o bourbon. Um whiskey com muito centeio ressaltará a nota de hortelã do coquetel, e o tornará mais apimentado. Uma das notas-chave dos rye whiskey é, justamente, um herbal mentolado. Isso pode ser bom, mas, se passar do ponto, remontará higiene bucal mais do que um drink. Então, prefira low-rye ou wheated bourbons, como Buffalo Trace e Maker’s Mark.
De todo modo, creio que aqui está o real mérito da coisa. Não basta levantar um prédio — ou um copo — que chame atenção por um instante. O feito está em criar algo que se torna parte da paisagem, tão natural que parece sempre ter estado ali. Com vocês, o Midnight Stinger.
MIDNIGHT STINGER
INGREDIENTES
- 60ml bourbon Whiskey (Maker’s Mark ou Buffalo Trace)
- 60ml Fernet Branca
- 45ml limão siciliano
- 45ml xarope de açúcar
- parafernália para bater
- copo baixo
- gelo
PREPARO
- Bata todos os ingredientes (menos o copo) numa coqueteleira com bastante gelo
- Desça em um copo baixo, com gelo, e decore com um ramo de hortelã
- se puder, use gelo britado para cobrir o gelo do copo

