Yamazaki 18 anos – Devoção

Ao chegar de trem ao vilarejo de Yamazaki, é fácil entender por que Shinjiro Torii o escolhera para fundar sua primeira destilaria, em 1923. O povoado está estrategicamente localizado entre os três maiores centros urbanos do Japão – Tokyo, Kyoto e Osaka. Além disso, é a confluência dos rios Uji, Kizu e Katsura, que fornecem suas imaculadas águas para a produção de whisky. Essa é a explicação lógica, que repito toda vez que apresento os whiskies da Suntory, em minha aula.

Mas existe uma razão maior, que transcende a racionalidade, mesmo de um homem de negócios como Shinjiro. Deixe a destilaria para trás e caminhe até a elevação mais próxima, e você atravessará um enorme torii – o portão sagrado japonês – para dar de encontro com um santuário xintoísta. Dave Broom, em seu “Way of Whisky” descreve o lugar. “a área era originalmente um enorme templo budista, que se estendia até onde está a linha férrea, hoje em dia (…). Com a ocidentalização, templos ora budistas tornaram-se xintoístas“.

Um Torii em Yamazaki

Aquela terra, então, fora muito mais do que um terreno em que uma destilaria foi erigida. Foi um espaço sagrado, e palco de episódios importantes da história nipônica, também. Foi onde Rikyu refinou sua técnica de serviço de chá, e onde a batalha de Yamazaki ocorreu. É um cenário que tem profundidade histórica, razão científica, e um ar sagrado.

O que parece até proposital, tamanha a devoção que entusiastas de whisky tem pela Yamazaki. Especialmente por seus rótulos mais maturados. Eles certamente são tão raros quanto milagres, e conservam uma aura divina que transcende qualquer lógica, inclusive a de preço. Assim, muito me admira que a Suntory do Brasil tenha conseguido trazer o Yamazaki 18 para nossas terras. A possiblidade de acesso já é um esforço louvável – algo que é bem difícil em qualquer lugar do mundo, Japão incluído.

O Yamazaki 18 anos é maturado, essencialmente em barricas de carvalho que antes contiveram vinho jerez. Aproximadamente 80% da maturação acontece em tais barris. O restante é desigualmente dividido entre barricas de carvalho americano de ex-bourbon, principalmente de segundo uso, e barricas de carvalho japonês, o famoso Mizunara. Com essa informação, era de se esperar um whisky intenso, puxado para o vinho, um clássico “sherry bomb”.

Barris na Yamazaki

Mas não é o que acontece. O Yamazaki 18 é inacreditavelmente bem equilibrado. O corpo é médio, e as notas vínicas, de tâmaras, chocolate e uvas passas, estão em perfeita harmonia com o incenso floral do mizunara e do carvalho americano. Bebê-lo é quase uma prova de autocontrole. Você se vê indagando como é possível que algo tão complexo, leve e convidativo, seja tão devastador para uma conta bancária.

O equilíbrio, aliás, tem uma razão clara. Ao contrário de uma Laphroaig ou The Macallan, a Yamazaki não possui apenas um formato de alambique. Mas diversos. A ideia não é criar um estilo único de single malt, “marca registrada” da destilaria. Mas o número mais diverso de single malts possíveis. Isso tem a ver com a concepção da Yamazaki. Shinjiro Torii jamais pensara em comercializar seus single malts. Isso aconteceu bem mais tarde, só na década de oitenta. A função da Yamazaki era produzir whiskies para compor blends. Mas, ao comercializar sua linha de single malts, lançou mão desta prerrogativa.

A destilação da Yamazaki tem também um traço curioso. O aquecimento por fogo direto em seus wash stills. Atualmente, quase nenhuma destilaria escocesa utiliza o método. Preferem o vapor, que é mais seguro, aquece o alambique por igual, e evita deposição de matéria orgânica caramelizada na base do pote. A Yamazaki não. Mantém o método sagrado, envisionado por Torii desde sua criação.

Alambiques da Yamazaki

Vamos, finalmente, evocar o fantasma deste recinto. O preço. Uma garrafa de Yamazaki 18 custa, atualmente, no Brasil, em torno de R$ 6.500 (seis mil e quinhentos reais). É mais caro do que o The Macallan 18, que já é bem caro, e quase cinco vezes mais do que seu irmão mais jovem, o Yamazaki 12. Em termos absolutos, é bastante dinheiro. Mas talvez, não relativamente No Japão, se você tiver sorte de encontrar, uma garrafa sai por aproximadamente cem mil yenes (uns R$ 4.000) – mas pense que você não vai se teleportar para lá.

No fim, beber um Yamazaki 18 é como caminhar por aquele vilarejo: cada gole revela um cruzamento entre o lógico e o místico, entre o cálculo industrial e o sopro divino. Há ciência, há história, há espiritualidade – e há, acima de tudo, uma coerência quase inexplicável entre tudo isso. Talvez seja essa a verdadeira genialidade de Torii: entender que o whisky não é apenas destilação, mas também paisagem, memória e ritual. E é por isso que, um século depois, o nome Yamazaki ainda ecoa como sinônimo de devoção — líquida e eterna.

YAMAZAKI 18 ANOS

Tipo: Single Malt

Destilaria: Yamazaki

País/Região: Japão

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: Frutado, tamaras, ameixa seca.

Sabor: Frutas secas, uvas passas. Final com baunilha, pimenta do reino e nozes.

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