Como (não) beber whisky – Um post des-educativo

  Antes de tudo, preciso dizer que isto é um não post. Ou melhor, um post deseducativo. Se você veio até aqui a procura de informação, ou de como degustar seu whisky e parecer um especialista, recomendo fortemente que fuja o mais rápido possível. Ou então leia esta matéria aqui. Essa aí sim, é educativa. Comportada e informativa. Esta aqui não. Esta é aquele conselho pernicioso do seu amigo perverso. Passei as últimas semanas relendo um de meus livros preferidos. Cem Anos de Solidão, de Garcia Marquez. Resolvi reler porque queria realmente conhecer os personagens. Da primeira, apenas prestei atenção na história, mas não dei muita importância a quem era quem. Dessa segunda vez não. Dessa vez fiz anotações, montei […]

Keepers of the Quaich – Knighthood

“Sobre aquilo que não conseguimos falar, devemos manter silêncio“. A frase é a derradeira do Tractus-Logico-Philosophicus, do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. “Wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen“. Por muito tempo, sua tradução para o inglês – incontestavelmente mais charmosa do que na língua lusa – foi uma das minhas preferidas. “Whereof one cannot speak, one must be silent“. Como a maioria dos aforismos, entretanto, possuía apenas uma rasa ideia de seu significado. Minha impressão é que se referia ao limite da linguagem. Uma ideia se torna uma proposição apenas quando pode ser liquidada em palavras – que devem ser compreensíveis também para seu receptor. Senão, não passa de um pensamento abstrato, incomunicável. Resumindo o papo-cabeça, eu achava […]

Last Man Standing – Okonomiyaki

Na minha recente viagem ao Japão, me deparei com um prato que muitos de vocês já devem ter familiaridade, mas nunca havia provado. O Okonomiyaki. A iguaria me encantou, especialmente por que é uma das coisas mais aleatórias que eu já vi no mundo da culinária. O dadaísmo gastronômico já vem no nome. “Okonomi” significa “o que você quiser” e “yaki” grelhado. Ou seja, ele é basicamente uma panqueca grelhada com qualquer coisa que você quiser – ou melhor, tiver sobrando na geladeira. O troço é tão aleatório que possui até uma versão que leva lámen junto, e é conhecida por “estilo de Hiroshima”. Os ingredientes mais comuns, entretanto, são ovo, farinha, cebola, repolho, cebolinha e outros vegetais e tubérculos […]

Visita à Nikka Miyagikyo – Shinkansen

Quando entrei pela primeira vez na Estação de Tóquio, fiquei mesmerizado. Dezenas de lojas – de grifes internacionais a especialidades locais. Um andar inteiro de restaurantes, alguns dedicados exclusivamente aos bentôs: essas lancheirinhas que os japoneses levam para comer enquanto viajam de trem. Pensei, sarcástico “calma galera, é só um trem, não precisa construir uma cidade autossuficiente ao redor dos trilhos“. Entretanto, ao cabo de quinze dias, minha impressão inicial se esvanescera. Os japoneses são obcecados por trens. Tanto que tem dezenas de palavras diferentes para definir precisamente a obsessão férrea de cada um. O clássico trainspotter é “tori-tetsu”. Mas tem também “sharyo-tetsu”, que são os que gostam do design dos trens. E “oto-tetsu”, que gravam o barulho que eles […]

O Cão Geek – Filtragem a Frio

“Eu não poderia usar minhocas no hambúrguer, elas são mais caras do que carne bovina” foi a respota do executivo Ray Kroc ao New York TImes, sobre os boatos de que o McDonald’s recheava seus burguers com anelídeos. A história surgiu em 1978, quando um ex-funcionário do méqui foi entrevistado em um talk-show, e supostamente revelou o segredo da companhia – vermes. O boato ganhou tanta força que, no ano seguinte, a rede de fast-foods teve sua receita (financeira, não de hambúrguer de minhoca) reduzida a dois terços, e teve que dispensar boa parte da força de trabalho. O restaurante se viu na obrigação de dar explicações. Encomendou laudos ao FDA e lançou uma campanha explicando de onde vinham seus […]

Single Malts para Iniciantes – 2022

Ultrapassado o rio Aqueronte pela balsa de Caronte, chegaram Dante e Virgílio aos portões do inferno. Não tenhas medo, disse o poeta romano. Aqui encontramos as almas sofredoras que já perderam seu livre poder de arbítrio, mas não és uma delas. Tu ainda vives. Estendeu a mão a Dante, para dar-lhe coragem para adentrar o portal do submundo, cujo zênite do arco apresentava a dura conclusão “deixai toda esperança, vós que entrais“. Logo que cruzaram, ouviram o eco de gritos terríveis e lamentos eternos, envoltos pelo mais perfeito breu sem luz dos astros. Atordoado pelo tumulto de lamúrias, indagou Dante a Virgílio “mestre, quem são estas pessoas que tanto sofrem?“. Ao que respondeu Virgílio, em tom sereno e profundo “Este […]

(Ainda mais) quatro whiskies que fazem falta no Brasil

Esta é a terceira edição de um post sobre whiskies que fazem muita falta no Brasil. Para ler a primeira edição, clique aqui . Para a segunda, aqui. Miso Hungry. Se você gosta de documentários sobre comida, precisa ver Miso Hungry – que está disponível na Netflix. Ele acompanha as experiências gastronômicas de Craig Anderson no Japão. Craig é um diretor e produtor australiano viciado em junk food, que resolve fazer uma reeducação alimentar na terra do missô. Doze semanas comendo as mais variadas especialidades japonesas, na esperança de perder peso e melhorar a saúde. Sorte de Craig que rodízio japa é coisa de brasileiro. Mas enfim, durante suas explorações, Anderson descobre o natto. Se você não sabe, Natto é […]

Arroz de frutos do mar com whisky

Recentemente viajei para Portugal com a Cã. A viagem foi bem legal, bebemos vinhos ótimos e conhecemos lugares maravilhosos. Mas o que a gente mais fez lá foi, seguramente, comer. E é engraçado, porque os portugueses tem a mesma obsessão culinária que eu – tudo que vem do mar. Deve estar impresso no código genético de alguma forma. Naturalmente, aproveitei para experimentar algumas coisinhas inéditas. Como, por exemplo, ligueirão – que é um bicho compridinho, que parece mexilhão de sabor e textura. E percebes, que além do nome curioso, é outro molusco estranho – visualmente, parecem várias mini-patas de triceratops. E, óbvio, lampréia, aquela sanguessuga enorme cheia de dentes. Que eles tradicionalmente fazem com um molho de vinho maravilhoso, para […]

Uma breve história do Rye Whiskey e a coquetelaria

Na escola, nunca fui um grande aluno de matemática. Ou física. O espectro todo de minhas notas variava de 1 a 9. Um a nove frações decimais, com o número inteiro sendo o cinco. E isso não tinha nada a ver com esmero. Por maior que fosse o esforço – e eu realmente tentava – o teto de minha performance era um cinco virgula nove. Biologia, entretanto, era outra história. Eu não fazia grande esforço em biologia. Pra falar a verdade, passava a aula desenhando tetrápodes escamados das mais variadas formas, de saurios a dragões. Mas, de alguma forma, a informação era assimilada, meio como num processo de osmose intelectual, e eu me saía bem. Mas o mais surpreendente é […]

Whisky in Church – Clássicos Sagrados

Clássicos são clássicos por resistirem ao tempo. Por permanecerem relevantes, apesar da enorme força centrifuga do oblívio. Clássicos atravessam eras intocados, em detrimento do caos. E clássicos são, invariavelmente e inevitavelmente, copiados. Copiados, modificados, adaptados. Pense, por exemplo, na clássica cena das escadarias de Odessa, do filme Encouraçado Potemkin. Você não precisa nem ter visto o filme para ter a referência. A cena apresenta um carrinho de bebê descendo sozinho e sem controle uma escadaria, em meio a um enorme massacre promovido por soldados czaristas. A cena da escadaria de Odessa foi uma das primeiras vezes que o cinema utilizou uma sequência de diferentes planos, cortados e montados, para trazer emoção. E funcionou – a cena foi infinitamente reproduzida e […]