Visita a Woodford – Portas em Automático

Tripulação, portas em automático. Afivelo o cinto, cruzo os braços e respiro fundo. Eu nunca tive medo de voar. Aliás, pelo contrário. Acho aeroporto um programa. A única coisa que, remotamente, me incomoda, é ter que ficar sentado no avião por tanto tempo. Não tem muita coisa pra fazer, e, como dizem, cabeça vazia é oficina do capiroto. Observo o comissário de bordo apontando as saídas de emergência. Repentinamente, minha mente reduz o volume do som do abiente, e um pensamento intrusivo aparece. E se eu sair correndo e abrir a porta de emergência logo que o avião decolar

Você devia deixar o pensamento intrusivo ganhar, ao menos uma vez, diria um amigo meu. Abafo o diálogo entre a razão e a entropia em meu cérebro. Dessa vez não, dessa vez todo mundo morreria. Vou deixar ganhar quando for pra fazer um bundalelê no meio de um restaurante, ou um pirocóptero na igreja. Aí, o máximo que vai acontecer é perder o réu primário. O comissário se aproxima de mim. Pequeno momento de pânico. Indago para mim mesmo se ele é telepata e ouviu meus pensamentos. Aceita suco ou água – ele pergunta. Respiro aliviado.

Quando o Boeing 737-900 começa a correr na pista, fico animado, e os pensamentos invasores se dissipam. Depois de alguns dias no Tennessee, conhecendo tudo sobre Jack Daniel’s, vamos ao Kentucky ver ao vivo uma das destilarias de bourbon que mais admiro. A Woodford Reserve. Conhecida no Brasil pelo Distiller’s Select, a Woodford é bem mais que isso. É uma destilaria inovadora, que muitas vezes desafiou a tradição e criou whiskeys inéditos – como os da linha Master’s Collection, com maturações e técnicas bem incomuns.

Masters Collection

Nosso tour foi capitaneado por Elizabeth McCall. Ninguém mais do que a master distiller da Woodford Reserve. Para um whisky geek como este Cão, poder conversar com personagem de tamanha importância na indústria é sempre uma honra. Nosso tour começou no centro de visitantes – que conta com uma bem abastecida loja de souvenirs. Garrafas, nem tanto. Há, claro, o portfólio completo da Woodford nos Estados Unidos. Mas, nenhuma edição especial exclusiva. Isso porque a especulação sobre estas expressões é tão grande, que se esgotam em poucas horas depois de serem lançados.

Elizabeth nos conduziu para os washbacks – onde uma levedura exclusiva da Woodford fermenta o mosto, que é formado de 72% de milho, 18% de centeio e 10% de cevada maltada. A fermentação leva de 5 a 7 dias. Observo que os washbacks são feitos de madeira, e indago a Elizabeth sobre a escolha. A resposta é surpreendente. “estes são de madeira, mas tem mais uma porção de inox. No nosso laboratório, não encontramos diferenças significativas entre os mostos fermentados dos dois. O de madeira é mais tradicional, e dá mais trabalho de limpar.”

Washbacks

De lá, fomos até o laboratório onde a levedura é cultivada. A cepa tem um nome elon-muskiano: “WR78B”, e tem sido usada pela Woodford desde sua fundação. Essa é uma parte importante. Scotch whiskies tendem a não dar muita importância para levedura. Na indústria do bourbon, é o oposto. Segundo McCall, essa levedura é responsável pelo perfil sensorial frutado de Woodford. No espaço, há também equipamentos que conferem a padronização do new-make. E falando neles, o próximo passo foi a visita aos alambiques.

E se você, whisky geek, prestou bem atenção na última palavra do parágrafo acima, talvez tenha achado que cometi um equívoco. Mas, não. A Woodford Reserve é uma das únicas destilarias de bourbon whiskey que utiliza alambiques em seu processo de destilação. Seu Woodford Master’s Select é uma combinação do destilado destes alambiques com outro, produzido numa coluna. Mas há expressões que saem exclusivamente deles – notadamente, as expressões da Masters Collection.

Alambiques

A Woodford emprega tripla destilação. Os wash stills produzem low-wines com aproximadamente 40% de graduação alcoólica. Na destilação intermediária, os high-wines saem com 60%. Nesta fase, corta-se a cauda, mas não a cabeça. O destilado vai então para o segundo spirit still, que eleva a graduação até 78%. Finalmente, tanto cabeça quanto cauda – mais uma vez – são removidas. O destilado é então cortado vagarosamente, para que atinja a graduação de entrada nos barris. 55% – 7,5% abaixo do máximo permitido por lei.

Por fim, fomos conduzidos a um armazém de maturação. McCall explicou que a maioria dos woodfords matura de cinco a sete anos – mas que a ideia é que o whiskey seja retirado e misturado quando julgado adequado, por conta de seu perfil sensorial, e não o tempo. Aqui, a Woodford também tem um diferencial. Ela não faz rodízio de barricas, como algumas destilarias. Mas controla a temperatura do armazém. Especialmente durante o inverno, elevam a temperatura e deixam cair, incentivando a expansão e contração da madeira dos barris, e aumentando a extração.

Warehouse

E havia uma última surpresa. Elizabeth escolheu um barril, perfurou – com uma pequena furadeira – e serviu uma dose aos participantes. Um woodford com 12 anos de maturação, e 67,5%. A graduação alcoolica, além de insana, traz uma informação curiosa. Os barris são preenchidos a 55%, mas a água evapora mais rápido do que o álcool, por conta do clima seco. Então, o álcool se concentra. Em doze anos, 12,5% de álcool. É bastante.

Me pego pensando sobre o que aconteceria se roubasse a furadeira, e saísse por aí fazendo buracos em barris e bebendo o whisky. Você devia deixar o pensamento intrusivo ganhar, ao menos uma vez, lembraria aquele amigo meu. Não, dessa vez também não. Vou só saborear aqui o momento, e deixar o pensamento intrusivo para o avião de volta.

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