Lincoln County Process – Geeking in TN

Esta é a primeira matéria da press trip às destilarias da Brown-Forman nos Estados Unidos. Desta vez, Jack Daniel’s. Ou melhor, algo bem específico, quase um detalhe, dentro do enorme conjuto que é a mítica Jack Daniels.

É que eu não sou exatamente eu, em destilarias. É tipo aquela série da AppleTV, Ruptura. Quando eu entro numa destilaria, esqueço quem sou, e meu innie se torna um ser curioso e desagradável, que encosta nos equipamentos, enfia a cara no washback e tira foto do lado de destiladores.

Durante a visita, meus confrades, bem mais normais do que eu, ficaram intrigados com a história do número sete. Ninguém sabe ao certo porque Jasper escolhera aquele número. Outros demonstraram curiosidade sobre o formato quadrado da garrafa – algo revolucionário naquela época. Eu não. Dessa vez, o gatilho foi o tal do Charcoal Mellowing, ou Lincoln County Process. Mas minha curiosidade doentia aliada à paciência da equipe da Jack trouxe frutos. Que é a matéria abaixo, que trago a vocês, queridos leitores.

O QUE É O LINCOLN COUNTY PROCESS

Lincoln County Process, também chamado de Charcoal Mellowing, é a filtragem do destilado que mais tarde se tornará Tennesse Whiskey por colunas de carvão ativado de bordo – também conhecido como maple tree, mesmo no Brasil. O processo é geralmente feito antes do whiskey ser maturado, ainda que o Jack Daniels Gentleman Jack, por exemplo, passe por uma segunda filtragem depois de sua maturação.

Como todo processo de filtragem, o charcoal mellowing é um processo subtrativo. O carvão funciona como um filtro natural, retendo certos componentes do destilado – mais especificamente, as moléculas maiores – e alterando seu perfil sensorial. A textura do whiskey fica mais delicada, e o sabor, menos “grainy”. Que, numa tradução mais ou menos imprecisa, seria “granuloso” – é aquele gostinho de cereal fresco.

De acordo com a própria Jack Daniel’s, “Depois de destilado até “140 proof” (ou seja, 70% ABV), enviamos nosso whisky límpido e não envelhecido em uma viagem meticulosa. Gota a gota, ele rasteja pelo nosso carvão artesanal em um ritmo ditado pela gravidade e nada mais. A viagem leva de 3 a 5 dias para ser concluída e, uma vez concluída, o whisky se transforma. Pode até dizer abençoado.

Antes de prosseguir, devo fazer uma pequena digressão sobre o nome. Lincoln County Process significaria “Processo do Condado de Lincoln”. Ocorre que nem a Jack Daniel’s, nem a George Dickel – que também usa o processo – estão atualmente localizadas em Lincoln. Entretanto, foi no condado de Lincoln que a Jack foi fundada, lá por 1860. As fronteiras dos condados foram revistas no final do século dezenove, para – pasmem – que todos os habitantes de qualquer condado pudessem chegar a um tribunal em menos de um dia de cavalgada. Sim, cavalgada. E a Jack Daniel’s foi então transferida de condado sem sair do lugar.

Os destiladores da Jack ficam neste prédio

O Lincoln County Process é enganosamente simples. É bem mais do que simplesmente derrubar destilado no carvão da churrasqueira. Ele começa pelo corte em ripas e secagem, ao ar livre, das árvores de bordo. Esse processo leva meses – muito mais do que levaria se fosse usado um forno. A secagem ao ar livre permite que o carvão queime a temperaturas mais altas. Uma vez secas, as ripas são empilhadas num formato parecido com a de uma fogueira de São João gigantesca, e incendiadas.

O fogo queima por, aproximadamente, quarto horas, até que os funcionários da destilaria o apaguem, usando mangueiras de água. Há uma curiosidade interessante aqui. A Jack Daniel’s é a única destilaria do mundo que possui um quartel de corpo de bombeiros em suas dependências. A equipe é formada por funcionários da Jack. O fogo leva, em média, uma hora para ser extinto. O resultado é um carvão limpo, que é consequentemente moído para produzir o que chamam de “chips”, ou, num português informal, “pedacinhos”.

Nas palavras da Jack “Três dias por semana, três vezes ao dia, empilhamos ripas de bordo a uma altura de um metro e meio e os encharcamos com destilado fresco e não envelhecido antes de incendiar a madeira. Pode parecer um desperdício de whiskey perfeitamente bom, mas não consideramos nada como desperdício quando se trata de fazer Jack Daniel’s. O inferno atinge mais de 2.000 graus Fahrenheit antes de queimar até se transformar em brasas fumegantes. Essas pelotas são então revolvidas até esfriar e finalmente estarem prontas para suavizar lentamente o nosso Tennessee Whiskey.

Responsáveis pela queima do maple há mais de 20 anos

Esses pequenos pedaços – as tais mencionadas pelotas – são dispostos em grandes tanques, os “mellowing vats”. Há uma rede de canos, dispostos sobre estes tanques, com pequenos furos. O destilado fresco viaja por estes canos, e pinga sobre o carvão. Aqui, há um detalhe importante: o “mellowing vat” tem que ficar saturado de white dog o tempo todo, senão, ele pode encontrar um caminho mais fácil por entre os chips, e reduzir a eficiência da filtragem.

Depois, o destilado é transferido para barricas, onde matura até que seja considerado próprio para se tornar o Tennessee Whiskey mais famoso do mundo – Jack Daniel’s. Todos os whiskies da Jack passam por este processo ao menos uma vez. Até mesmo o Rye Whiskey. Alguns, como o Jack Daniel’s Gentleman Jack e a versão “gold”, própria de Duty Frees, sofre uma segunda filtragem no carvão de bordo, depois de maturar, e antes de ser cortado para o engarrafamento.

BOURBON OU TENENSSEE WHISKEY

Por conta desse processo subtrativo, a Jack Daniel’s alega que seu whiskey é mais do que um bourbon. Isso, claro, e outros detalhes, como a levedura e o processo de destilação. Chris Fletcher, Master Distiller da Jack, inclusive, declara “temos tudo para ser bourbon. E mais ainda“. Por isso, talvez, o ideal não seja classificá-lo. Jack pode ser bourbon, e é tennessee whiskey. Mas, acima de tudo, Jack é Jack.

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