“A pureza do coração é desejar apenas uma coisa“. Este é o título de uma das mais importantes obras do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard – cuja pronúncia do ó cortado segue sendo um mistério para mim, desde a primeira vez que o citei por aqui.
Para Kierkegaard, pureza não é limpeza, mas sim obstinação. A virtude de uma vida dedicada a um único objetivo, como, por exemplo, o divino. Algo que a igreja – literalmente – venera. A concentração de tudo em uma única vontade, um hiperfoco do coração. A secessão do indivíduo é impura por se dispersar entre desejos, vaidades e medos. Para usar uma metáfora impossível: é como um atirador, que ao mirar em dois alvos ao mesmo tempo, falha em acertá-los.
Mas a pureza pode ser interpretada de uma outra forma, que nem é tão oposta àquela proposta pelo dinamarquês. Para colocar de uma forma quase proverbial, a pureza pode ser a ausência de tudo, menos da essência. É o que resta, quando tudo foi tolhido. Algo próximo do conceito budista da coisa.
Essa proposição, de que a pureza é a inexistência de algo, ressoa perfeitamente na Hakushu – especialmente em seu lançamento no Brasil, o Hakushu 18 anos. É que a destilaria usa a água mais pura do mundo, proveniente do degelo do monte Kaikoma. Ela é, praticamente, H2O, e contém pouquíssimos minerais. Mas nem é só isso.
O Hakushu 18 anos é a ausência do excesso. Ele é turfado, mas tão discretamente que é preciso se concentrar em seus aromas para perceber com clareza. Tudo está justamente onde deria estar, e em perfeito equilíbrio. Há uma nota herbal também, de grama molhada, e um certo adocicado, mas tudo está tão bem integrado, que nada é óbvio.
O equilíbrio do Hakushu 18 anos é atingido por conta de uma enorme versatilidade produtiva. Há até uma palavra pra isso – Tsukuriwake. A destilaria combina maltes de diferentes perfis sensoriais e níveis de turfa, para aumentar sua complexidade. Com alambiques de diferentes formatos e tamanhos, malte turfado e tradicional, e regimes distintos de fermentação e destilação, a Hakushu podia – e pode – produzir 56 diferentes whiskies.
E por falar em ausência, ela está bem presente (viram o que eu fiz?) em relação às informações sobre a maturação do Hakushu 18. Mesmo fontes oficiais fazem bastante mistério. Um palpite educado seria que a predominância é de carvalho americano de ex-bourbon, com uma mistura entre first-fill e refill. A teoria encontra força considerando que a Hakushu usa quase exclusivamente barris de ex-bourbon.
Mas talvez o mais interessante no Hakushu 18 anos seja o que ele escolhe não ser. Não é um whisky para impressionar, mas para silenciar. Sua força está na sutileza. É um whisky que parece existir em negativo: cada aroma, cada sabor, cada nuance é definido tanto pelo que contém quanto pelo que falta. Cada detalhe é calculado para desaparecer dentro do conjunto, até que reste apenas o equilíbrio.
HAKUSHU 18 ANOS
Tipo: Single Malt
Destilaria: Hakushu
Região: N/A – Japão
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: floral, herbal e levemente enfumaçado, com baunilha.
Sabor: Levemente floral e enfumaçado no começo. No retrogosto, a fumaça fica mais seca. Pouquíssimo apimentado e com álcool extremamente bem integrado.


