The Glenlivet 21 Anos – Tríade

Tese, antítese, síntese. Passado, presente, futuro. Corpo, mente e espírito. O número três tem um tipo de prestígio estranho — ele sempre aparece, sem muita explicação, e de forma natural. Eu, aqui, já coloquei três exemplos de três coisas. E foi quase sem querer, só porque meu instinto parassimpático de escrita relembra minha professora de português do ginásio. A cadência fica sempre melhor com três – dizia.

O primeiro primo ímpar é também a base de muita coisa. Com três pernas, um banquinho não balança; com três atos, uma história não desaba. Cada pé, uma parte – começo, meio e fim. Ou, na formalização aristotélica, prótase, epítase e catástrofe. Não sem relação, a mesma estrutura aparece graficamente nos antepassados das histórias em quadrinhos: os trípticos medievais. Por fim, séculos depois, Joseph Campbell – que recentemente estudei, para um devaneio no Caledonia – pegou o mesmo esqueleto e rebatizou de Partida, Iniciação e Retorno, em sua famosa Jornada do Herói.

A estrutura tripla é irrepreensível. Grego, medieval ou moderno; ateu ou religioso, o público tem o horizonte de atenção de um ouriço. E eu aqui, no terceiro parágrafo de tergiversação, já corro o risco de perder quem só veio para beber, independente do objetivo pseudo-informativo deste site. Ou de qualquer bar por aí. E até concordo. Três nem sempre funciona. Em algumas situações bem específicas, dois é bom, três já é multidão.

Pra dividir um Yakult, por exemplo. O que você tinha pensado?

Por sorte, essa não é uma mesa de bar lotada, tampouco uma verdade no mundo do whisky – mesmo que, relativa. Ainda mais considerando o recém-chegado ao Brasil, The Glenlivet 21 anos. É que ele é finalizado em três madeiras distintas. A primeira maturação ocorre em barris de carvalho americano. Depois, o líquido é (desigualmente) dividido, e vai para uma trinca de barris: ex-oloroso de primeiro uso, carvalho francês de cognac (tronçais), e barricas que antes contiveram porto colheita vintage.

Combinar três barricas distintas não é incomum no mundo do whisky. Ainda que não seja uma finalização, o The Macallan Fine Oak faz isso, com carvalho americano de ex-bourbon, europeu de ex-jerez e americano de ex-jerez. O Jura Seven Wood até inventa umas madeiras diferentes, para chegar no número sete. A Bruichladdich também, e ainda deixa tudo bem natural, com um papo sobre terroir.

O que é incomum, porém, no The Glenlivet 21 anos, é a escolha das barricas, e o processo de finalização. São todos barris marcantes, que trazem bastante informação. Porto, jerez e cognac juntos – parece mais o mis-en-place de uma mesa de poker de banqueiros, do que, efetivamente, a receita de um whisky. Ainda mais usando termos específicos como “tronçais“, e “colheita vintage“, que transpiram status. “Este é um colheita vintage do ano de nascimento de meu primogênito” diria um managing partner de um private equity, Partagás D4 na boca.

Cabe, aqui, uma observação para os antigos fãs da destilaria. O atual The Glenlivet 21 não é o mesmo que o The Archive. O tema desta matéria tem como sobrenome “The Sample Room” – em referência à coleção da qual faz parte – e foi lançado em meados de 2022, junto com uma expressão de 25 anos. O antigo 21 The Archive tinha uma maturação bem mais simples, em barricas de ex-jerez. Comparativamente, o antigo era mais seco e delicado, enquanto o atual é mais intenso, adocicado e apimentado.

O antigo Archive

Sensorialmente, tenho minhas dúvidas se um bom ruby não faria as vezes do colheita. Mas, o fato é que a combinação funciona lindamente. O Glenlivet 21 tende um pouco para o lado adocicado – lembrança da bebida de Portugal – mas é maravilhosamente equilibrado por um apimentado seco, provavelmente proveniente do carvalho francês. O jerez traz uma nota familiar, de uvas passas e tâmaras, e arredonda o whisky. A idade mínima de 21 faz diferença, também. É um whisky nada agressivo, e bem integrado.

Atualmente, a The Glenlivet é uma das maiores destilarias da Escócia, tanto em produção quanto volume de vendas. Seu mercado mais importante é o norte-americano, ainda que, no Brasil, tenha crescido bastante. “Vivemos um momento significativo para a categoria, impulsionado pelo crescimento dos single malts no Brasil e por um consumidor cada vez mais sofisticado. Estamos apostando em expressões ultra prestige para atender a esse público exigente e conhecedor”, afirmou Ana Paula Limonge, head de marketing de Prestige da Pernod Ricard Brasil.”

Uma garrafa de The Glenlivet 21 anos custa, no Brasil, algo como R$ 2.500. Não é barato, mas é, curiosamente, o single malt com mais de duas décadas mais acessível de nosso mercado, com importação oficial. Ele estará à venda em varejistas selecionados, online, e também no Le Cercle, e-commerce de relacionamento oficial da Pernod-Ricard Brasil.

O The Glenlivet 21 anos, com sua tríade de barricas imponentes, parece querer reafirmar que sofisticação não se faz só com idade, mas com intenção — e, nesse caso, três vezes mais. É um whisky que se apoia no número três com a firmeza de um banquinho bem feito: elegante, estável e com algo a dizer. E se três, às vezes, é demais, aqui é justamente o bastante. Porque no fim, como nas boas histórias, o que importa é o equilíbrio entre começo, meio e fim — e, claro, o que se bebe entre eles.

THE GLENLIVET 21 “SAMPLE ROOM”

Tipo: Single Malt

Destilaria: Glenlivet

Região: Speyside

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: frutado, com pera, canela e uvas passas.

Sabor: pera, damasco, gengibre. Equilibrado e levemente apimentado no final. Final longo, apimentado e frutado.

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