Twelve Mile Limit – Norma Fundamental

Último dia de aula da faculdade, e a classe está completamente vazia. Mesmo sendo o único aluno da derradeira aula de direito constitucional, sinto-me estranhamente confortável. Não sei para onde foram os demais alunos, e não me incomodo. Sentada sobre a mesa, a professora Hilda – uma senhora de um metro e oitenta e muito – explica sobre a pirâmide de Kelsen e a norma fundamental. Ao fundo, ouço os latidos de um cachorro.

Na pirâmide de Kelsen, a norma fundamental é um pressuposto lógico-jurídico, que confere validade para toda a estrutura das normas” – explica, numa voz profética. “é essa norma fundamental que confere validade à Constituição, e às demais leis. As regras, na verdade, são uma ficção. Elas não existem no mundo palpável, mas são validadas pela norma fundamental“. Aceno com a cabeça e reflito, em silêncio. Então nada tem limite mesmo, nem município.

A doutora Hilda continua. Mas, agora, estranhamente, ela late. Igualzinho o cachorro que antes ouvia. De repente, ela salta – tipo um monstro, um vampiro, de uma forma surpreendentemente ágil para uma mulher de sua idade e porte – para fora da classe. Tomo um susto, fecho os olhos. Ao abri-los novamente, não estou mais na faculdade. Mas, encarando o teto escuro do meu quarto. Meu cachorro latindo, do meu lado. Foi um sonho. Que bom, imagina ter que prestar a OAB de novo. Nem sonhando.

Jamais!

Mas isso me fez recordar da tal norma fundamental. E de como todas as leis e regras, na verdade, são uma convenção. Um pacto social, criado para que possamos viver em sociedade. Regras, porém, mudam – para se adaptar aos tempos e a outras condições. Isso acontece praticamente todo dia. Mas, para os apaixonados por bebidas, a mais relevante foi, provavelmente, em 1920 nos Estados Unidos. Quando a Lei-Seca entrou em vigor.

A lei-seca – também conhecida como Volstead Act – proibida o comércio, transporte e produção de quaisquer bebidas “intoxicantes” em todo o território americano. A questão, porém, era determinar até onde ia o tal território. Fosse somente a porção de terra e água abrigada, bastava que qualquer um andasse uns quatro passos pra dentro do mar, para poder embriagar-se à vontade. Por isso, foi estabelecido um limite fictício, legal, de três milhas a partir da costa. O “three mile-limit”.

Acontece que a perseverança do apreciador de bebidas – ao contrário do município – não tem limites. Havia cruzeiros que levavam pessoas para alto mar, apenas para embriagar-se. Além de que o limite de três milhas não era suficiente para evitar que barcos menores auxiliassem no tráfico de bebidas, desempenhado por embarcações maiores. Era este, inclusive, o modus operandi de William McCoy (mais sobre isso aqui). Foi aí que os legisladores propuseram ampliar este limite. De três milhas, iria para doze.

McCoy

Neste cenário, nasceu o Twelve-Mile-Limit. Um coquetel criado pela resistência etílica, para zombar daquela situação – assim como o Scofflaw. Sua história foi contada no livro “Vintage Spirits and Forgotten Cocktails” de Ted Haig. De acordo com a publicação, o drink nasceu das mãos de Tommy Millard, um jornalista e correspondente de guerra daquela época.

O Twelve Mile Limit leva três destilados diferentes. Ou melhor, todos que estavam na moda antes da lei-seca. Rye whiskey, rum e cognac. Para aliviar o punch etílico, limão siciliano e grenadine. Aqui, inclusive, há um ponto de atenção. A receita clássica pede por 15ml do xarope. É bastante coisa, ainda mais se um grenadine pronto – de mercado – for usado. Então, este Cão sugere reduzir para 10ml.

Talvez você ache o Twelve Mile Limit doce demais, forte demais ou simplesmente estranho. Mas é justamente esse o ponto: ninguém atravessa doze milhas para chegar ao óbvio. Ninguém explora a coquetelaria para beber sempre a mesma coisa. Quem tem limite é município.

TWELVE MILE LIMIT

INGREDIENTES

  • 30ml rum branco (um rum mais herbal funciona maravilhosamente bem, aqui)
  • 15ml Rye whiskey (este Cão usou o Sazerac Rye)
  • 15ml cognac ou brandy
  • 10ml grenadine
  • 15ml suco de limão siciliano
  • parafernália para bater

PREPARO

  • Adicione todos os ingredientes em uma coqueteleira e bata com bastante gelo
  • desça em uma taça coupé e aprecie

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