Este whisky não é mais o mesmo – Navio de Teseu

Se você recentemente tomou um gole daquele whisky que tanto gostou, mas achou um tanto diferente, talvez não seja delírio. Para explicar isto, deixe-me introduzi-lo a um de meus conceitos preferidos da filosofia. O Paradoxo do Navio de Teseu. Prometo que será interessante, ainda que escrito por dedos humanos. Teseu foi um herói grego, filho de Aethra e Egeu – dois mortais – com uma certa intervenção de Poseidon. O pacote básico de todo herói ou semideus daquela nacionalidade. Mas suas origens são menos importantes do que suas realizações. O que importa é que ele se tornou famoso por derrotar o Minotauro de Creta e voltar ileso para Atenas em seu suprarreferenciado navio. Por seu ato de bravura, Teseu teve a embarcação preservada pelo povo de Atenas. Para garantir sua conservação ao longo dos séculos, os atenienses substituíam, sempre que necessário, as partes desgastadas: primeiro as tábuas do convés, depois os mastros, os remos, o leme. Até que, eventualmente, todas as peças originais foram trocadas. E então surgiu a pergunta: aquele ainda era o navio de Teseu? A dúvida parece meio infantil, mas não é. Ela discute sobre a essência das coisas. Imagine, agora, que as peças originais retiradas fossem […]

The Macallan Night on Earth in Jerez

Poucos sabem, mas a nobre tradição britânica de comer um pãozinho com marmelada foi fomentada por uma coincidência ibérica. Não sei se é lenda ou real, mas conta-se que, no final do século XVIII, uma embarcação espanhola carregada de laranjas amargas de Sevilha foi forçada a aportar em Dundee, devido ao mau tempo – quer dizer, à imprevisível e delicada brisa marítima escocesa. Eram laranjas renegadas — amargas e ligeiramente passadas — para o consumo direto. Mas não sem potencial. O senhor James Keiller, comerciante de tino aguçado e provavelmente o tipo de cara que mistura tudo da geladeira com ovo para evitar disperdício, comprou a carga inteira só porque estava barata, sem saber o que fazer com tamanha acidez. Felizmente, sua esposa, Janet Keiller, sabia que, se a vida te dá limões – ou melhor, laranjas azedas – o melhor é fazer marmelada. Nascia assim a marmalade de Dundee. Com o tempo, o (quase) doce ganhou fama, e as laranjas de Sevilha tornaram-se matéria-prima nobre em solo escocês. Mas essa aliança entre Espanha e Escócia não é exclusiva dos doces. Ela se repete no mundo do whisky. A conexão não é novidade. Ela é mais que secular, e data […]

Royal Salute 21 Rio de Janeiro Polo Edition

Vou fazer uma coisa inédita aqui no Cão Engarrafado e ir direto ao ponto. Mesmo porque é um assunto de suma importância, que não permite devaneios. Fiquei um pouco decepcionado com a Royal Salute. Mais especificamente, com um novo whisky, parte de sua coleção de Polo. E meu desapontamento nada teve a ver com o perfil sensorial do líquido. Mas sua homenagem. O novo Royal Salute Polo Edition presta tributo ao Rio de Janeiro. Preciso, aqui tentar justificar meu lugar de fala. Sou paulista, nasci em São Paulo. Mas, de pai carioca, que – gosto de acreditar – me educou muito bem. Então, ainda que o Jus Solis não me permita qualquer digressão sobre o assunto, o Jus Sanguini vem ao meu socorro. Não que meu pai fosse carioca da gema, porque nunca foi da praia e do samba. Mas, chamava bolacha de biscoito. E por mais que tenha diluído seu sotaque, conservava um erre rebelde no porque que eu invariavelmente reproduzia, em períodos de maior convivência. Pensando bem, ele era o carioca mais paulista que eu já vi. Enfim, nutri longa expectativa que, um dia, São Paulo fosse homenageada. Afinal, temos o MASP. E o sanduíche de mortadela, e […]