Sazerac Rye – Herança de homônimos

Talvez você não tenha notado o cabeçalho deste site. Ou, talvez, entrado por um link, direto nesta matéria. Neste caso, recomendo que clique no “home” e contemple a foto. Aí depois, volte aqui. Esse cara peludo aí é o Sazerac. Ele é carioca, residente em São Paulo. Tem seus sete anos, vinte e seis quilos, e – como o tutor – um apetite voraz por tudo que parece, remotamente, comestível. Quando ele era jovem, uma vez, comeu uma zamioculca inteira. Vaso incluído. O Sazerac ganhou este nome por causa de um drink, que é o preferido deste Cão. Quero dizer, meu, não dele, porque óbvio que ele não bebe (note que, a título de desambiguidade, usei “deste”, e não “desse”). Mas o que é mais legal é que o Sazerac só se chama Sazerac por causa do Sazerac drink, que só se chama Sazerac por causa do Sazerac Rye, que só tem esse nome por causa de uma “coffee house” homônima, em Nova Orleans. Que, por sua vez, herdou o nome de um cognac – Sazerac de Forge. E antes de entrar nos pormenores desta história – que começa lá por 1850 e desemboca em um pastor autraliano red merle […]

The Glenlivet 21 Anos – Tríade

Tese, antítese, síntese. Passado, presente, futuro. Corpo, mente e espírito. O número três tem um tipo de prestígio estranho — ele sempre aparece, sem muita explicação, e de forma natural. Eu, aqui, já coloquei três exemplos de três coisas. E foi quase sem querer, só porque meu instinto parassimpático de escrita relembra minha professora de português do ginásio. A cadência fica sempre melhor com três – dizia. O primeiro primo ímpar é também a base de muita coisa. Com três pernas, um banquinho não balança; com três atos, uma história não desaba. Cada pé, uma parte – começo, meio e fim. Ou, na formalização aristotélica, prótase, epítase e catástrofe. Não sem relação, a mesma estrutura aparece graficamente nos antepassados das histórias em quadrinhos: os trípticos medievais. Por fim, séculos depois, Joseph Campbell – que recentemente estudei, para um devaneio no Caledonia – pegou o mesmo esqueleto e rebatizou de Partida, Iniciação e Retorno, em sua famosa Jornada do Herói. A estrutura tripla é irrepreensível. Grego, medieval ou moderno; ateu ou religioso, o público tem o horizonte de atenção de um ouriço. E eu aqui, no terceiro parágrafo de tergiversação, já corro o risco de perder quem só veio para beber, […]

Maker’s Mark 46 – Pizza Napolitana

O dogma é só a última versão congelada de uma sucessão de desvios. Não, essa frase não é de ninguém, apesar do sugestivo itálico. Quer dizer, de nenhum terceiro. É minha mesmo, pra variar um pouquinho. E ainda que ela funcione em diferentes níveis para distintos axiomas, penso que é especialmente verdadeira nas minhas áreas de preferência. Gastronômica e etílica. Deixa eu pegar um exemplo quase aleatório. A pizza napolitana. Essa, que é defendida hoje como patrimônio intocável, e que tem o tomate San Marzano como um dos ingredientes protagonistas. Acontece que quando a palavra pizza já circulava em Nápoles, o tomate sequer existia na Europa. O fruto vermelho só chegou no século XVI, vindo das Américas, e ainda assim foi recebido com desconfiança. Foi preciso séculos de adaptação até chegar à versão sagrada e imutável. O que chamamos de tradição, portanto, muitas vezes nasceu de uma heresia bem-sucedida. E embora o purismo tenha seu valor — proteger a identidade, evitar a diluição — ele precisa, vez ou outra, ceder espaço à mudança. Se alguém não tivesse arriscado a vida — e a honra — atomatando uma pizza, o conceito do prato seria completamente diferente atualmente. E arrisco dizer, bem […]

Wild Turkey Master’s Keep Voyage

Gosto de começar minhas matérias com citações. Acho que traz autoridade, e me poupa de bolar uma primeira frase de impacto, que retenha o leitor. Mas não é qualquer alusão que serve. Jamais usaria Taylor Swift pra falar de filosofia, nem Kanye, pra qualquer coisa, na verdade. E também evito esses aforismos vira-latas, que ficam por aí vagando na língua de todo mundo, especialmente porque a maioria deles é bonitinha, mas tem um significado meio raso, ordinário. Mas hoje, vou abrir uma exceção. “Não viajamos para escapar da vida, mas para que a vida não nos escape.” — e sei lá quem disse isso. Apesar de parecer filosofia de livro de aeroporto, resume bem a pulsão humana de se deslocar. Viajamos para sentir. Para estar em contato com o incômodo e com o espanto. Antigamente, atravessávamos desertos, escalávamos montanhas e navegávamos oceanos atrás de algo inédito. Ou de lendas. O Eldorado, Hy-Brasil (não a gente, a ilha), Atlântida. Era exploração no sentido mais literal: descobrir pela primeira vez. Hoje, a equação mudou. O planeta já foi medido, cartografado, fotografado e colocado no Google Maps. A fronteira está no vazio do espaço e no abismo do oceano, inatingíveis para seres humanos […]

The Glenlivet 12 anos – Revisto em 2025

“Como chegar em casa num dia gelado, virar só a torneira fria do chuveiro e entrar de roupa e tênis”. Foi assim que descrevi a experiência de visitar, às seis horas da madrugada, as Cataratas do Iguaçú, na noite mais fria de 2025 até então. Fazia saudável 1ºC. É que fui convidado pela The Glenlivet para viajar até o luxuoso hotel Belmond das Cataratas, para testemunhar, em primeira mão, o lançamento de dois rótulos recém-chegados ao Brasil. O The Glenlivet 21 Anos e o 12 anos – que voltou, depois de um hiato de cinco anos. O dia anterior – tão gelado quanto aquele – tinha sido cheio. Um almoço com coquetéis de The Glenlivet Caribbean, um jantar na área externa, com traje tradicional escocês; e uma das experiências mais inusitadas que já vivi numa degustação. A The Glenlivet Sonic Tasting – desenvolvida por Dave Broom, em parceria com o Art of Disappearing. A experiência apresenta uma combinação única de três expressões da The Glenlivet. Cada participante recebe um bloco de anotações, uma caneta e uma “roda de sabores”, que traz algumas sugestões de notas aromáticas. Também são fornecidos um livreto de degustação, uma máscara azul para os olhos e […]

Union Vintage 2005 Double Wood II – Do Orkut

“Queria sorvete, mas era feijão“; “eu abro a geladeira para pensar“, “eu nunca terminei uma borracha“. Estas eram algumas das comunidades que eu participava, no finado Orkut. A rede foi criada em 2005, há exatos vinte anos, pelo engenheiro de softwares turco, Orkut Büyükkökten – que, num afortunado momento, decidiu batizar sua maior contribuição para a humanidade com seu primeiro nome, e não o último. Porque convenhamos, seria um tantinho mais difícil chegar pra alguém e dizer “Te add no Büyükkökten“. O Orkut tinha um monte de recursos. Scraps, reputação, depoimentos. Mas o mais legal, de longe, eram as comunidades. Havia umas mega ultra específicas, como, por exemplo “odeio tomar choque no cotovelo” e “eu leio com a mão no mouse“. Outras, questionadoras. Como “500 poodles matam um leão?” – um tataravô do dilema dos cem humanos e um gorila. Uma das minhas favoritas era “Não fui eu, foi meu eu lírico” – que transferia a culpa à poesia inerente a todo ato humano. O legal é que por mais peculiar que fosse a ideia, ela ressoava – e criava conexões entre as pessoas. Pensa em “Tô com fome, mas já escovei os dentes“. Era uma exacerbação do cotidiano, que […]

Glenmorangie Signet – Namorados

“Reservei aquele restaurante português que eu gosto, pra gente comemorar“. O negrito, aqui, simbolizando a ênfase dada pela minha melhor metade. Era dia 12 de junho, logo depois do almoço, e eu havia sido indagado por ela se tinha planejado algo. Diante de minha silenciosa negativa, representada pela mais alva cara de pânico, ela sorriu e deu de ombros. Eu sabia que você ia esquecer. E agora eu finalmente tinha entendido por que ela, em tantas oportunidades diferentes nas últimas semanas, me mostrara um perfume caro que queria comprar. Estava tão distraído com qualquer outra coisa, que olvidara completamente da data. Depois de quinze anos de casado, com mais cinco de namoro, eu poderia ter argumentado que o amor verdadeiro não é representado por uma fragrância cara. Amor mesmo era ela fingir que gostava da minha comida. Era já pedir pra tirar a cebola de metade da pizza, porque eu sei que ela detesta. Era saber o CPF do outro de cor, mais do que o seu próprio. Mas não adiantaria, porque, dia doze tinha que amar com recibo fiscal. Além de que, na sequência do questionamento, ela me estendeu uma caixa preta, de uns quarenta por vinte centímetros. Toma, […]

Visita à Bimber – Travessias

“Isso aqui não pode estar certo” disse a Cã, observando uma pequena trilha, que se espremia entre um cemitério e uma linha férrea. Eram cinco horas da tarde, e tínhamos acabado de sair do metrô de North Acton, na zona 3 de Londres. O objetivo era chegar à Bimber, destilaria de whisky britânica, que ficava nos arredores. “Olha, o mapa diz que é isso, a gente está certo” – retruquei. “O mapa também diz que tem um rolê gótico-apocalíptico até chegar lá?“. A gente sai do Brasil, mas o brasileiro não sai da gente, pensei. Seguimos, observando as belas – e talvez um pouco mórbidas – sombras que as lápides do cemitério de Acton projetava sobre a trilha. Fosse uma série pós-apocalíptica, era aqui que seríamos encurralados por uma espécie nova e aprimorada de zumbi. Mas poucos minutos depois, demos de frente com uma área cheia de armazéns. A Bimber estava em um deles. Ao chegar à destilaria, qualquer traço de tensão se dissipou. Luke, embaixador da Bimber, nos recebeu logo na porta com uma taça de gim tônica para cada. Um bom começo. Ele explicou que a destilaria foi fundada em 2015 por Darius Plazewski. Darius é polonês, e […]

The Macallan Night on Earth in Jerez

Poucos sabem, mas a nobre tradição britânica de comer um pãozinho com marmelada foi fomentada por uma coincidência ibérica. Não sei se é lenda ou real, mas conta-se que, no final do século XVIII, uma embarcação espanhola carregada de laranjas amargas de Sevilha foi forçada a aportar em Dundee, devido ao mau tempo – quer dizer, à imprevisível e delicada brisa marítima escocesa. Eram laranjas renegadas — amargas e ligeiramente passadas — para o consumo direto. Mas não sem potencial. O senhor James Keiller, comerciante de tino aguçado e provavelmente o tipo de cara que mistura tudo da geladeira com ovo para evitar disperdício, comprou a carga inteira só porque estava barata, sem saber o que fazer com tamanha acidez. Felizmente, sua esposa, Janet Keiller, sabia que, se a vida te dá limões – ou melhor, laranjas azedas – o melhor é fazer marmelada. Nascia assim a marmalade de Dundee. Com o tempo, o (quase) doce ganhou fama, e as laranjas de Sevilha tornaram-se matéria-prima nobre em solo escocês. Mas essa aliança entre Espanha e Escócia não é exclusiva dos doces. Ela se repete no mundo do whisky. A conexão não é novidade. Ela é mais que secular, e data […]

The Macallan Time:Space Mastery

Ao chegar ao centro histórico de Edimburgo, é impossível não ficar mesmerizado. Com um panorama de palácios, torres históricas com relógios e pináculos de pedra, o lugar parece ter ficado inerte, cristalizado, no tempo. Quer dizer, exceto por um – nem tão pequeno – detalhe. Um reluzente edifício, erigido na antiga St. James Quarter, com formato de uma espiral enrolada. Uma arquitetura que, inevitavelmente, remete a um enorme “número dois”. Se é que me entendem. Com seu impositivo pico fecal atravessando o horizonte de Edimburgo, o prédio é parte de uma revitalização do St. James Quarter de mais de 900 milhões de libras – que conta com lojas, cinemas e um luxuoso hotel. O projeto todo foi concluído apenas ano passado. Os arquitetos por trás da belíssima façanha justificam o design excrementício. “É um prédio feliz. Parte de Edimburgo é sério e introvertido. Mas este é o oposto. É comunicativo (…) e foi feito para deixar as pessoas felizes“. Bem, se este foi o objetivo, missão cumprida. A internet se regojizou com a semelhança escatológica, originando os mais hilários memes. O hotel motivou até um abaixo assinado, com mais de mil participantes, pedindo que concluíssem a “obra”, colocando olhinhos arregalados […]