Mitos e Lendas do Whisky – Parte II

Segunda-feira, onze horas da noite. Minha filha desliza de meias, de fininho, na sala escura, onde me surpreende dando os últimos retoques num balde de whisky com Angostura que ousei chamar de Old Fashioned. Papai, não consigo dormir. Penso, rapidamente que nem eu, mas que esse problema seria resolvido tão logo terminasse o copo em minha mão. Por que filhota? Indago, num tom ao mesmo tempo carinhoso e incomodado. O que segue foi um diálogo que tentei reproduzir da forma mais verídica possível. Porque tem um monstro embaixo da minha cama – mas cria, sua cama é uma bicama, não cabe nenhum monstro lá embaixo, só se for uma planária. Silêncio estranho. Papai o que é uma planária? – esquece bebe, não tem nenhum monstro embaixo da sua cama, olha, vamos lá que vou te mostrar. Apoio o copo no piano. Ela titubeia. Mas papai, você não tem medo do monstro? – não filhotinha, não tenho – mas pa, você não tem medo de nada? – na verdade, cria, eu tenho medo de uma porção de coisas, mas monstro não, porque eles não existem. Ela vira a cabeça de lado, como um cãozinho que não entende bem o que falamos […]

O Cão Explica – Por que whiskies (muito envelhecidos) são caros

  No ano passado, tive a oportunidade de fazer algo que jamais imaginaria. Provar um whisky com mais de cinquenta anos de idade. Foi no último dia do Whisky Show, em Londres. Eu estava ao lado de um dos quiosques dessas engarrafadoras independentes – mais especificamente, a Gordon & McPhail – quando ouvi uma rolha sendo aberta. Precisamos terminar com as doses dessa garrafa, ouvi do expositor, dirigindo-se para seu colega. A garrafa era um raro Glen Grant 1949, engarrafado em 2007. Ao meu lado, reunia-se uma meia dúzia de apaixonados por whisky que, assim como eu, tiveram a sorte de estar no lugar certo e na hora certa. Estendi minha copita. Que delícia, ouvi de um dos aficionados. Nossa, realmente, acho que é um dos melhores que já provei, veja esse final carnudo, disse outro. Uma senhora, à minha frente, porém, não parecia impressionada. Interessante, muito obrigado. E sorriu em direção ao expositor. Tive que interrompê-la. O que achou do whisky? Bem, acho incrível o que cinquenta anos pode fazer com um destilado. E, mais uma vez, sorriu com toda aquela enigmática elegância inglesa. Dei mais um gole e refleti. Pois é. A oportunidade de provar assim é incrível. […]

Como Whisky é Feito – Parte 2 de 3

Tendo acompanhado as notícias das últimas semanas acabei concluindo que, às vezes, não vale a pena sabermos como as coisas são feitas. Para um apaixonado por churrasco ou um entusiasta dos alimentos processados, as manchetes são, no mínimo – perdão pela ambiguidade cretina – difíceis de engolir. Porém, incentivado por aquelas notícias indigestas (hoje estou genial), tomei coragem para escrever algo que há muito planejava. Um (nem tão) pequeno texto, explicando sobre alguns detalhes e curiosidades sobre a produção da melhor bebida do mundo. Esta é a segunda parte de um especial sobre como o whisky é feito. Na primeira parte, expliquei um pouco sobre a cevada, sua fermentação, o uso da turfa e o processo de destilação. O texto inicial terminou com reticências, no exato momento em que a primeira gota de destilado cintilava no ar, antes de cair dentro de uma barrica. Hoje falarei um pouco mais sobre destilação e maturação. Continuem com este Cão. Destilação 2/2 Single malts costumam ser destilados duas vezes em alambiques de cobre. Normalmente, os alambiques de primeira destilação – chamados wash stills – são um pouco maiores do que os de segunda destilação – os spirit stills – e possuem formatos diferentes. […]