O Cão Geek – Fermentação no whisky

Para quem não sabe, sou advogado. Trabalhei por mais de dez anos em direito societário e financeiro. Então, digo com conhecimento de causa. Direito é chato. Na verdade, deixe-me ser mais específico. O Direito é aquela área de conhecimento capaz de tornar enfadonha até a mais instigante atividade. Fórmula 1 por exemplo. Tudo é empolgante: alta velocidade, competitividade, tecnologia de ponta. Mas o contrato de locação da pista é chato. Ninguém quer ler o contrato de locação da pista por puro prazer. Música também, não importa seu gosto. É uma enorme satisfação ver uma apresentação de seu artista ou compositor preferido, seja Arvo Paart, Korn, Maiara & Maraísa ou Lady Gaga. Mas, o contrato de cessão de direitos de imagem é chato. Se você discorda de mim, peço que responda de forma cândida. Quando foi a última vez que você leu tudo antes de clicar no quadradinho de “eu concordo com os termos do contrato” ao baixar algum software ou jogo, ou aderir a alguma promoção no shopping? Ninguém le os termos do contrato, e eu sei disso, porque por três anos, eu escrevi mais de vinte termos do contrato, e ninguém – nem meu chefe, que devia revisá-los – […]

O Cão Didático – Água no whisky

Água. Faço um esforço descomunal para beber três litros de água por dia. Mesmo desidratando na academia e no calor infernal de quase todas as estações em São Paulo, tenho que me policiar para tomar o líquido. É como disse Winston Churchill. “Agua não foi feita para ser bebida. Para que seja palatável, é necessário adicionar whisky. Em esforço consciente, aprendi a gostar dela”. Mas há, aqui, um detalhe que Churchill talvez não tenha contemplado. De que todas as bebidas, da cerveja ao absinto, possuem água em sua composição. Aliás, uma boa parcela de água. E, para o whisky, ela é um dos elementos mais essenciais na produção. Sem ela não há whisky – tanto é que, neste ano de 2018, muitas destilarias tiveram que interromper sua produção por conta de um seca que abalou o Reino Unido. Antes de tudo, devo frisar mais uma vez como a água é extremamente importante para a produção de whisky. Ela é usada no processo de malteação da cevada, na fermentação, durante a diluição para entrar no barril e, posteriormente, para engarrafamento. Além disso, é usada indiretamente, para arrefecer os sistemas de condensação dos alambiques. E claro, ela serve também pra beber, quando alguém […]

Como Bourbon (e Tennessee Whiskey) é feito – Parte I

Recentemente lancei um texto em três partes sobre a produção de whisky. Naquela oportunidade foquei em single malts. Ou melhor, single malts escoceses. Caso tenha perdido estes textos, leia a primeira, segunda e terceira partes aqui. Agora é a vez do  mais famoso destilado da terra das pós verdades e do alto índice de LDL. Da maior contribuição dos americanos para o mundo da gastronomia, seguida de perto pelo hambúrguer e pelos ovos beneditinos. O Whiskey Americano. Para facilitar, o foco desta vez serão os Bourbon whiskeys – de longe a maior classe de whiskeys nos Estados Unidos. Mas falarei um pouco dos demais tipos e suas especificidades. Antes de explicar o nascimento de um bourbon, aqui vai uma pequena introdução em legislação. Para que um bourbon whiskey possa ser assim chamado, ele deve seguir as seguintes premissas, dispostas no Code of Federal Regulations, title 27, part 5, subpart C. (i) o destilado deve ser produzido nos Estados Unidos, e sair dos destiladores com o máximo de 80% de graduação alcoólica; (ii) deve ser feito com ao menos 51% de milho; (iii) o destilado deve ir para os barris tostados (charred) e virgens de carvalho com o máximo de 62.5% de graduação alcoólica (normalmente diluído […]

Como Whisky é Feito – Parte 3 de 3

Este é o terceiro texto de uma série sobre como whisky – com ênfase em single malts – é produzido. Já abordamos assuntos tão diferenciados quanto crianças curiosas, fabricação de automóveis e nuggets de frango. Falamos de notícias indigestas, cevada, fermentação, destilação, turfa e maturação. Caso você tenha perdido, clique aqui para a primeira parte, ou aqui para a segunda. Senão, fique aqui comigo. Hoje falarei um pouco de botânica – afinal, barricas são feitas de carvalho, que são árvores – e um pouco de química (esteres, aminoácidos, proteínas e tudo aquilo que sua professora ou professor falavam enquanto você dormia, vandalizava a sua mesa como um entalhador-mirim-fora-da-lei ou desenhava). Preparem-se para a derradeira parte de um déja-vu acadêmico. Mas, dessa vez, sobre um assunto bem mais legal. Whisky. MATURAÇÃO 2/2 Scotch whiskies normalmente são maturados em barricas que já foram utilizadas por alguma outra bebida, ainda que haja exceções – o delicioso Laphroaig An Cuan Mór sendo uma delas. A maior parte dos scotch whiskies é envelhecida em barricas de carvalho americano que antes continham Bourbon whiskey, ainda que a frequência de whiskies maturados em barricas que envelheceram Jerez tenha aumentado bastante nos últimos anos. O tempo de maturação para atingir […]