Yamazaki 18 anos – Devoção

Ao chegar de trem ao vilarejo de Yamazaki, é fácil entender por que Shinjiro Torii o escolhera para fundar sua primeira destilaria, em 1923. O povoado está estrategicamente localizado entre os três maiores centros urbanos do Japão – Tokyo, Kyoto e Osaka. Além disso, é a confluência dos rios Uji, Kizu e Katsura, que fornecem suas imaculadas águas para a produção de whisky. Essa é a explicação lógica, que repito toda vez que apresento os whiskies da Suntory, em minha aula. Mas existe uma razão maior, que transcende a racionalidade, mesmo de um homem de negócios como Shinjiro. Deixe a destilaria para trás e caminhe até a elevação mais próxima, e você atravessará um enorme torii – o portão sagrado japonês – para dar de encontro com um santuário xintoísta. Dave Broom, em seu “Way of Whisky” descreve o lugar. “a área era originalmente um enorme templo budista, que se estendia até onde está a linha férrea, hoje em dia (…). Com a ocidentalização, templos ora budistas tornaram-se xintoístas“. Aquela terra, então, fora muito mais do que um terreno em que uma destilaria foi erigida. Foi um espaço sagrado, e palco de episódios importantes da história nipônica, também. Foi onde […]

Rattlesnake Cocktail – The MF Word

“Frankly, my dear, I don’t give a damn.” “Here’s looking at you, kid.” “May the Force be with you.”A lista das frases mais icônicas do cinema, segundo o American Film Institute (AFI), é praticamente um roteiro paralelo da cultura pop. São quase aromas que remetem a alguma experiência, quase involuntariamente. Você lê, e sua televisão mental já projeta a cena, com a entonação perfeita. São frases que sobreviveram às décadas e se tornaram quase aforismos. A lista da AFI conta com 100 destas frases. Cronologicamente, ela começa em 1927, com The Jazz Singer, e termina em 2002, com o sussurrado “My Precious“, de Senhor dos Anéis. Casablanca é o filme com mais frases, e Humphrey Bogart, o ator. Francis Ford Coppola tem nove frases, sendo que sete vêm de “O Poderoso Chefão”. Tudo isso é divertido, mas é pouco surpreendente. O que mais me espanta é que Samuel L. Jackson não esteja, em nenhuma posição, com algum “Motherfucker“. Até entendo, por conta da natureza da palavra. Mas não concordo – Motherfucker, na boca de Jackson, não é palavrão. É uma instituição da cultura pop. Tanto é que um filme foi praticamente refeito, só para que ele pudesse proferir “Enough is […]

Jim Beam Black 7 Anos – Cafeína

Este é o segundo post sobre o Jim Beam Black. A nossa prova da primeira versão pode ser lida neste link. Recomendamos a leitura, porque traz algumas informações técnicas deixadas de lado nesta matéria Aconteceu o que eu mais temia. Adquiri uma nova mania: café. A história começou inocentemente, de uma forma meio orgânica. Comprei uma dessas máquinas de espresso – com s, porque com xis é o trem – que estava em promoção numa black friday qualquer. Comecei com café em pó, desses gourmet, de supermercado. Sem açúcar, óbvio, porque de doce já tem a vida. Mas aí, me falaram que de gourmet eles só tem o nome, e o bom era o café especial, moído na hora. Arrumei um moinho manual, e aprendi a regular. Moagem fininha para o espresso, mais grossa para o coado. Comprei também um café especial, de torra clara, porque aprendi que o escuro mascara os defeitos. Ganhei mais tríceps em um mês moendo café do que em dois anos de academia. No final do dia o braço ficava até tremendo, não sei se por causa do esforço, ou da oitava xícara de café. Deu cãimbra, então comprei um moinho elétrico. E uma balancinha […]

Por QUEM você bebe whisky?

A beleza do mundo é a diversidade. E a quantidade. Porque não importa o quão específico for seu interesse, você sempre encontrará alguém para compartilhá-lo. É o caso, por exemplo, do British Lawn Mower Racing Association – traduzido como Associação Britânica de Corridas de Cortadores de Grama, que promove competições automobilísticas utilizando cortadores de grama motorizados. O clube se espalhou como uma erva daninha ao redor do mundo, e hoje, conta com mais de mil membros. Tem também o Extreme Ironing Bureau – Grupo dos Engomadores Extremos. Que incentiva a atividade de passar roupa em locais insólitos, como o monte Everest ou uma lancha em movimento. De acordo com seu fundador, Phil Shaw, o esporte “combina as emoções de uma atividade extrema ao ar livre com a satisfação de uma camisa bem passada“. Imagine, então, se os dois grupos se encontram. Um que eu adoraria fazer parte, por exemplo, é a Ordem da Mão Oculta (The Order of the Occult Hand). Era um clube aberto a qualquer jornalista ou escritor que conseguisse inserir a frase “Foi como se uma mão oculta tivesse…” em seus escritos e publicá-los. A frase apareceu em jornais como The New York Times, The Chicago Tribune, […]

Glenmorangie 16 The Nectar – Maçãs e Laranjas

Hoje vou convidá-lo a um exercício diferente, mas interessantíssimo. Pule até a imagem dos sucos abaixo, e tente encontrar ao menos uma maçã em cada um dos rótulos. Alguns são bem fáceis. Outros, uma verdadeira obra de arte em forma de marketing. É que boa parte deles contém maçã, mesmo sendo de outra coisa completamente diferente, como uva e laranja. A maçã funciona como um agente natural de dulçor, e também reduz o custo de produção da bebida. Quando isso acontece, as produtoras devem, por lei, incluir a imagem de uma maçã. Para, discutivelmente, mostrar ao consumidor que o suco contém mais de uma fruta. A regra, entretanto, nao especifica muito como. Então, as marcas encontraram formas – as vezes maravilhosamente ardilosas – de atender à obrigação. Volte à imagem do peixinho abaixo e preste atenção às barbatanas. Nem se Van Gogh, Brueghel e Manet se juntassem, fariam uma natureza morta deste nível. Mas, às vezes, o que não está no rótulo é tão importante quanto o que está. É o caso do – mais ou menos – novo The Glenmorangie 16 The Nectar. Previamente denominado Nectar D’Or, e sem idade declarada, o whisky maturava em barricas de carvalho americano, […]

Blinker Cocktail

“Eu não quero ser o produto de meu meio. Eu quero que meu meio seja o resultado de mim“. A frase é a abertura de um dos melhores filmes de Martin Scorcese – The Departed – e proferida numa voz arrastada por Jack Nicholson. O conceito é uma refutação de uma ideia de Émile Durkheim, filósofo francês, considerado o pai da sociologia. Para Durkheim, o homem sofre influência de seu meio, muito mais do que o meio é influenciado por ele. A ideia é de fácil comprovação. Aleatoriamente, aqui, vou falar de Jean Metzinger. Ele foi um pintor francês, nascido no final do século dezenove. Metzinger sofreu diversas influências artísticas em sua carreira. Dentre elas, do pontilhismo de Seurat e Fauvismo. Ao conhecer Picasso e Braque, abandonou as influências anteriores e adotou o cubismo. E por mais que tenha alcançado uma indiscutível notoriedade, jamais chegou ao nível de prestígio de seus influenciadores, como Picasso. Se Metzinger fosse um coquetel clássico, ele seria, certamente, o Blinker. O drink é uma amálgama da influência de diversos outros drinks. Seu Picasso é, certamente, o Whiskey Sour. Mas há também algo de Ward Eight, e por que não, de Paloma – um coquetel que […]

Aberlour 12 anos – Memória

Chamo o Uber e corro para pegar minha carteira no quarto, antes de descer. Aperto os dentes de frustação ao ver que ela não está lá. Sempre coloco numa caixinha, perto da mesa. Pode ser que tenha deixado do lado do computador, na sala. Não, lá não está também. O Uber chegou, e eu aqui em cima ainda, procurando essa carteira. Será que ficou no carro desde ontem? Não, porque à noite comprei umas tralhas na Aliexpress, e usei o cartão. O que, aliás, indica que ela devia estar perto do notebook. Aumento minha busca em locais menos óbvios – dentro do armário, no banheiro, na cozinha. Nada. Cancelo o uber e dou um soco na própria perna, de desapontamento. Memória é uma desgraça, mesmo. Uma vez li um estudo que dizia que nossa memória é pouquíssimo confiável, porque a gente tende a criar encadeamentos coerentes para acontecimentos pontuais. Quer dizer, você se lembra de partes de algo que aconteceu, e seu cérebro completa as lacunas entre os pontos, como um preenchimento regenerativo de inteligência artificial. Ou melhor, natural. O que significa que às vezes você lembra de coisas que não aconteceram de verdade, só porque elas deveriam ter acontecido, […]

Como (não) beber whisky – Um post des-educativo

  Antes de tudo, preciso dizer que isto é um não post. Ou melhor, um post deseducativo. Se você veio até aqui a procura de informação, ou de como degustar seu whisky e parecer um especialista, recomendo fortemente que fuja o mais rápido possível. Ou então leia esta matéria aqui. Essa aí sim, é educativa. Comportada e informativa. Esta aqui não. Esta é aquele conselho pernicioso do seu amigo perverso. Passei as últimas semanas relendo um de meus livros preferidos. Cem Anos de Solidão, de Garcia Marquez. Resolvi reler porque queria realmente conhecer os personagens. Da primeira, apenas prestei atenção na história, mas não dei muita importância a quem era quem. Dessa segunda vez não. Dessa vez fiz anotações, montei a árvore genealógica da família e anotava, ao lado do nome, características físicas e de personalidade dos Buendía. Demorei exatos trinta e cinco dias para ler o livro. O mesmo que tinha me levado dez da primeira vez. E fiquei pensando. Eu tinha gostado mais da obra da primeira vez. Quando me ative somente à história. Me pegava torcendo por Macondo e por aquela família. Pensei que fosse por conta da ausência do elemento surpresa – da primeira vez, não […]

Keepers of the Quaich – Knighthood

“Sobre aquilo que não conseguimos falar, devemos manter silêncio“. A frase é a derradeira do Tractus-Logico-Philosophicus, do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. “Wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen“. Por muito tempo, sua tradução para o inglês – incontestavelmente mais charmosa do que na língua lusa – foi uma das minhas preferidas. “Whereof one cannot speak, one must be silent“. Como a maioria dos aforismos, entretanto, possuía apenas uma rasa ideia de seu significado. Minha impressão é que se referia ao limite da linguagem. Uma ideia se torna uma proposição apenas quando pode ser liquidada em palavras – que devem ser compreensíveis também para seu receptor. Senão, não passa de um pensamento abstrato, incomunicável. Resumindo o papo-cabeça, eu achava que a frase dizia que o pensamento é baseado na linguagem, e a linguagem é que define a ação. Mas, na verdade, não é bem isso. Quer dizer, é isso também, mas não só. Pra você, que me deu seu voto de confiança e chegou a esse terceiro parágrafo sem cair no sono ou desistir deste meu devaneio, eu explico. Wittgenstein dizia que mesmo quando emissor e receptor dominam a linguagem, o conceito das palavras é diferente para cada pessoa, […]

Last Man Standing – Okonomiyaki

Na minha recente viagem ao Japão, me deparei com um prato que muitos de vocês já devem ter familiaridade, mas nunca havia provado. O Okonomiyaki. A iguaria me encantou, especialmente por que é uma das coisas mais aleatórias que eu já vi no mundo da culinária. O dadaísmo gastronômico já vem no nome. “Okonomi” significa “o que você quiser” e “yaki” grelhado. Ou seja, ele é basicamente uma panqueca grelhada com qualquer coisa que você quiser – ou melhor, tiver sobrando na geladeira. O troço é tão aleatório que possui até uma versão que leva lámen junto, e é conhecida por “estilo de Hiroshima”. Os ingredientes mais comuns, entretanto, são ovo, farinha, cebola, repolho, cebolinha e outros vegetais e tubérculos randômicos. Na culinária brasileira, talvez o que mais se aproxime dele é o mexidão – não pelo perfil de sabor, mas pelo melhor espírito mete tudo aí dentro da panela com farinha e vamos ver no que dá. E sempre fica uma delícia. O mundo da coquetelaria, porém, não é tão arbitrário. Ou talvez seja, considerando as centenas de batidas e gim-tônicas com um bioma inteiro de vegetais de garnish. Mas, enfim, raramente coquetéis possuem bases compartilhadas. Há lá clássicos […]