Union Malt Extra-Turfado – Fitzcarraldo

Fitzcarraldo, dirigido por Werner Herzog, é um dos mais incríveis e insensatos filmes de todos os tempos. Lançado em 1982, a película conta a história baseada em fatos reais de Brian Sweeney Fitzgerald – apelidado de Fitzcarraldo – um barão da borracha do começo do século vinte. Fitzgerald é admirador de música erudita e do tenor Enrico Caruso. Seu sonho maluco é construir uma enorme casa de espetáculos em Iquitos, no alto da selva amazônica, para ouvir seu ídolo cantar. Para tanto, Fitzcarraldo está obstinado a arrastar um navio a vapor completamente montado sobre uma grande montanha – subindo de um lado, descendo do outro. Seu plano é utilizar a embarcação para explorar as riquezas de certa bacia hidrográfica com a ajuda de indios, se capitalizar e construir o luxuoso teatro. Se o sonho de Fitz parece estupidamente ambicioso, o de Herzog foi além. É que o diretor, recusando-se a utilizar miniaturas e efeitos especiais, arrastou um barco a vapor de verdade, pesando mais de trezentas toneladas em seu set de filmagem. E ainda que o resultado na tela seja magistral, a sua execução foi trágica. Membros da equipe de Herzog morreram e índios sabotaram as filmagens. Mais tarde, o […]

San Basile White Dog – Raio X

Quando era criança, bati a cabeça bem forte. O que, num parêntesis, é uma explicação bem verossímil para certos comportamentos que tenho hoje. Eu estava me preparando para dormir, saí correndo e pulei na cama, mas devia estar empolgado demais, porque errei o alvo e fui direto na parede. Quanto aterrizei no travesseiro, não sentia metade da testa, mas percebia um líquido quente e viscoso que descia pelas minha têmpora esquerda, até a orelha. O resto foi drama. Mãe gritando, carro, hospital, raio-x. Raio-X. Quando o médico chegou com a imagem do raio-x na mão, minha mãe ficou aliviada. Nada demais, apenas uma meia dúzia de pontos na testa, que mais tarde se tornariam uma pequena cicatriz. Mas, mais do que isso, eu fiquei maravilhado com aquela foto. Então era assim que eu era por dentro. Uma intrincada combinação de pedaços que mais pareciam um vaso de porcelana quebrado e depois colado. Anos mais tarde – e sem qualquer relação direta com o acidente – vi uma série de outras imagens de raio-x, de coisas e bichos aleatórios. Achei bem legal. Um celular não é muito mais do que uma chapa cheia de furinhos e circuitos. E um pinguim – […]

Code Nine Single Malt – Produtividade

Shakespeare escreveu King Lear durante a quarentena da peste bubônica. Já Isaac Newton desenvolveu o alicerce de sua teoria da gravidade. E Giovanni Boccaccio escreveu uma de suas mais famosas obras. O Decameron: uma coletânea de mais de cem contos contados por um grupo de sete pessoas que se refugiavam da Morte Negra em Florença. O livro, mais tarde, tornou-se também uma das mais clássicas obras do cinema, dirigido por Pasolini. Eu, por outro lado, ganhei um quilo e meio e fiz uma porção de descobertas. Todas elas, baseadas na mais pura e entediante contemplação. Como, por exemplo, que o rei de copas é o único dos quatro naipes que tem bigode. Que morcegos ficam de ponta cabeça mas fazem xixi com o rabo pra baixo. E também que crianças fazem em torno de duzentas e noventa perguntas por dia – exceto pelas minhas, que devem fazer umas quatro mil. Quatro mil cada uma. E tem também a tensão do bar fechado. Só de pensar no Caledonia de portas cerradas, me dá uma angústia e falta de ar mesmo sem COVID-19. Para aliviar um pouco a tensão, estabeleci uma meta. De experimentar – no sentido amplo de experiência – uma […]

Lamas Nimbus – Fumaça de Mudança

“Eu sou uma mistura entre Seteve Jobs e Leonardo DaVinci“. A frase, de uma rara prepotência, é de Yoshiro Nakamatsu, o inventor japonês com mais patentes registradas na história. São três mil, trezentas e cinquenta e sete. Mas sei lá, pode ser que ele tenha inventado mais alguma coisa no tempo que me levou para redigir este parágrafo. Nakamatsu é bastante excêntrico. Diz que suas melhores ideias surgem durante sessões de mergulho. “A falta de oxigênio me traz brilho” declara Yoshiro. E que ideias. Dentre elas, estão uma camisinha com um imã (sei lá pra quê), um acento de privada com filtro e uma peruca que pode ser utilizada como auto defesa. Ah, e talvez sua invenção menos brilhante e mais pé-no-chão, o disquete. O disquete é dele também. E é bem provável que Yoshiro Nakamatsu seja louco. Mas não apenas isto. Um louco extremamente destemido. É preciso muita coragem para sair da zona de conforto e criar algo que jamais existiu. Seja este algo uma camisinha magnética, ou seja whisky. E é justamente isso que destemidas destilarias brasileiras recentemente se puseram a fazer. Dentre elas, a Backer e a Lamas – que produz o tema desta prova, o Nimbus […]

Backer Três Lobos Single Malt – Promissão

Quando nasci, meu pai tinha um Puma dourado. E desde minha mais tenra infância, eu adorava o carro. E, provavelmente, meu pai também. Porque ele ficou com o Puma por uns bons cinco anos depois de meu nascimento.  O problema é que o carro tinha apenas dois lugares, e eu – como era uma criança – não podia andar no banco da frente. O que, claro, não impedia meu pai de me colocar sentado naquele tablado duro, atrás do banco do passageiro, para dar umas voltas comigo. Nos anos oitenta, cadeirinha, cinto de segurança e bom senso eram opcionais. E as leis da física provavelmente também, porque à medida que crescia, deixava de caber naquele – tão fascinante quanto desconfortável – espaço. Com cinco anos de idade, minha coluna vertebral descrevia a angustiante curva do vidro traseiro, e minha cabeça acompanhava, em batidinhas surdas contra o teto do carro, o péssimo asfalto da cidade. Para falar a verdade, não era só banco traseiro que faltava no Puma. Ele era um automóvel espartano, ainda que muito bem feito. O que, claro, o tornava ainda mais fascinante. Quando meu pai finalmente o trocou por um Monza – em que eu podia me […]