Backer Três Lobos Single Malt – Promissão

Quando nasci, meu pai tinha um Puma dourado. E desde minha mais tenra infância, eu adorava o carro. E, provavelmente, meu pai também. Porque ele ficou com o Puma por uns bons cinco anos depois de meu nascimento.  O problema é que o carro tinha apenas dois lugares, e eu – como era uma criança – não podia andar no banco da frente. O que, claro, não impedia meu pai de me colocar sentado naquele tablado duro, atrás do banco do passageiro, para dar umas voltas comigo.

Nos anos oitenta, cadeirinha, cinto de segurança e bom senso eram opcionais. E as leis da física provavelmente também, porque à medida que crescia, deixava de caber naquele – tão fascinante quanto desconfortável – espaço. Com cinco anos de idade, minha coluna vertebral descrevia a angustiante curva do vidro traseiro, e minha cabeça acompanhava, em batidinhas surdas contra o teto do carro, o péssimo asfalto da cidade.

Aprovado para crianças dos anos 80.

Para falar a verdade, não era só banco traseiro que faltava no Puma. Ele era um automóvel espartano, ainda que muito bem feito. O que, claro, o tornava ainda mais fascinante. Quando meu pai finalmente o trocou por um Monza – em que eu podia me esticar confortavelmente no assento traseiro – fiquei genuinamente decepcionado.  O Puma não era apenas um carro. Ele era um orgulho. O mais bem sucedido esportivo nacional, ainda que não o primeiro. Uma promessa da indústria automobilística nacional que, apesar de algumas louváveis tentativas – como o Lobini e o Vorax – nunca se concretizou.

Talvez uma promessa parecida no mundo do whisky, tenha acabado de aparecer. A cervejaria Backer, de Minas Gerais, acaba de lançar um single malt. O Whiskey Três Lobos Single Malt – Também conhecido como Experience. Apesar da grafia com o “e”, o whisky é produzido de acordo com a tradição escocesa. Com cevada maltada – a mesma usada em algumas cervejas da Backer – em alambiques de cobre. Alambiques, aliás, que foram construídos especialmente para a destilaria, e que se assemelham muito a seus pares escoceses.

Alambiques da Backer (foto: Gustavo Andrade)

A cervejaria Backer foi fundada em 1999 pelos irmãos Lebbos, próximo à Serra do Curral, em Minas Gerais. Atualmente, a cervejaria conta com um bar próprio – denominado Templo Cervejeiro – em Belo Horizonte, e um extenso portfólio de cervejas. Dentre elas está a Bravo American Imperial Porter, maturada em barrica de Amburana, e querida deste canídeo. Além disso, a marca lançou, junto com seu whiskey, um gim, que leva um ingrediente bem cervejeiro: lúpulo.

É uma ousadia; um novo momento para a Backer experimentar uma fatia de um setor que ainda não conhecíamos, e tenho certeza que dará muito certo. Não estamos simplesmente fazendo destilados. Estamos produzindo destilados que contêm matéria-prima cervejeira. Isso é o essencial. O nosso single malte possui características próprias, pois é destilado em pequenas panelas de cobre e feito com malte e fermento cervejeiro.“, explica Paula Lebbos, diretora da Backer.

A maturação do Três Lobos Single Malt aconteceu em barricas de carvalho americano de ex-bourbon Jim Beam, e levou cinco anos. Para o primeiro lote, foram produzidas pouco mais de cinco mil garrafas, à venda no site da Backer por R$ 180,00 (cento e oitenta reais). Ao visitar a destilaria – que fica no Templo Cervejeiro – pode-se também provar o new-make-spirit , que deu origem ao whisky.

Templo (foto: Gustavo Andrade)

Para este Cão, o Três Lobos Single Malt remonta um jovem single malt de speyside ou highlands. O aroma é frutado e adocicado, com baunilha. O sabor remete a compota de frutas, com caramelo, canela e um final de especiarias e cereais. O álcool está relativamente bem integrado para um whisky de sua idade, ainda que apareça um pouco, especialmente no aroma.

É fácil notar o esmero empregado por todos envolvidos na produção do whiskey Três Lobos Single Malt. Da embalagem ao líquido, passando pela bela identidade visual da garrafa. Sensorialmente, ele é um whisky jovem e equilibrado. Mas, acima de tudo, é um começo extraordinário para uma destilaria em um país sem muita tradição na produção de whisky. Ele é como nosso querido Puma – uma promessa.

Uma promessa que, na opinião deste Cão, já está quase concretizada.

BACKER TRÊS LOBOS SINGLE MALT

Tipo: Single Malt

Destilaria: Backer

País: Brasil

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: frutado, com baunilha e caramelo. Quase remonta um bourbon. Um pouco alcoólico.

Sabor: Inicio frutado, com pêra e compota de frutas. Um pouco de canela. Final adodicado, com baunilha. Alcool relativamente bem integrado.

Preço: R$ 180,00 (cento e oitenta reais) na Loja Oficial da Backer.

 

*a degustação do whisky tema desta prova foi fornecida por terceiros envolvidos em sua produção. Este Cão, porém, manteve total liberdade editorial sobre o conteúdo do post.

21 thoughts on “Backer Três Lobos Single Malt – Promissão

  1. Como sempre, magníficas, as observações do Cão, lançadas sobre brasileiro Backer. Assim como é maravilhoso saber sobre tal desafiadora iniciativa dessa destlaria e cervejaria de BH.

    1. Haha, evandro, não sei se entendemos o comentário. Você diz sobre o “remete a um jovem speyside ou highland”? Mas lembra sim. Aliás, com nome: Glenglassaugh Revival.

      1. Fazia um bom tempo que eu não lia seus comentários. Hoje li sobre as análises do Três Lobos e do Code 9.
        Avaliações a parte (muito curiosas e úteis por sinal), gostaria de comentar que gosto muito do seu texto, do seu estilo de escrita. Muito legal mesmo.
        Vc costuma escrever crônicas? Tem alguma publicação? Se não, acho que deveria investir nisso. Parabéns

        1. Obrigado Ramon! Ah, olha, ainda não escrevo crônicas. Adoro escrever – mas acho que o combustível é e será whisky.

    1. Francisco, acho esse um conceito um pouco relativo. O que pode ser custo-benefício para mim talvez não seja para você. Ainda mais com whisky, que possui tanta diversidade sensorial. Talvez eu possa responder isso se você me disser – o que é um bom custo-benefício para você?

    1. Nope. Maker’s Mark tem grafia “whisky”. Whiskies japoneses também. O Puni, italiano, também se autodenomina whisky. Assim como os Mackmyra, suecos. É um assunto polêmico esse aí 🙂

  2. Engraçado, mestre… ao ler o texto me lembrei que quando criança, eu também era transportado num compartimento semelhante hahaha. Acredito que eramos mais resistentes nesta época.
    Bom, em relação ao whisky, muito me agrada a idéia do Brasil entrar neste ramo. Quem sabe no futuro não estamos bebendo (também) um Single Malt Defumado Tupiniquim? Sonhar é de graça, não é mesmo?

    Grande abraço!

    1. Seu comentário é de 2018. Mas olha aí. Tem o whisky extra turfado da Union, do Rio Grande do Sul.

  3. Comprei. Acabou de chegar. Bela garrafa! Mas confesso que fui movido mais pela curiosidade de conhecer um whisky (whiskey…) mineiro. E também para estimular iniciativas como essa – parece que fizeram com atenção aos detalhes.

    1. Sim! Que legal que comprou. Temos mesmo que apoiar iniciativas corajosas assim. E experimentou? O que achou? Abs

  4. Genial análise deste Whiskey, como sempre! Diria que minhas opiniões sensoriais estão na mesma linha que a sua. Achei um Whiskey simples, porém interessante, o cheiro logo de cara me trouxe Pera (compota) e aquele leve cheirinho de coco dos Bourbon, apesar do alcool sempre presente no fundo a apresentação dele já empolga!

    Ele é novo (para um Whiskey), apesar de que não senti tanto aquele gosto metalizado típico dos muito novos, apenas uma leve pontada de cobre e um pouco de sabor e cheiro de alcool. Não amarga, não queima na descida, falta pouco para arredondar, talvez só basta maturar mais, fico muito curioso para saber para qual lado este Single Malt vai puxar, fico pensando na gama de sabores que se abririam especialmente se o restante do envelhecimento for feito em Barris Ex-Jerez, e talvez um último ano em Amburana? É muito empolgante ver um produto nacional neste porte, em um Mercado dominado por produtos de baixa qualidade (inclusive os Puro Maltes aqui produzidos).

    Vale citar também que não parece ter adição de corante, ou muito pouco, porém não sei do processo de filtragem, é um whiskey um pouco ralo ao meu ver, pouco oleoso, talvez isto vá afastar alguns amantes do malte. Também acho necessário fechar um pouco os olhos para o CxB, uma vez que iniciativas deste tipo em âmbito nacional são raras e nunca vi algo desta qualidade até então.

    Ah, e a caixa e garrafa são de alta qualidade e muito bonitas. Descobri o Tres Lobos Exp. por este blog e agradeço a indicação!

    1. Guilherme, concordo com tudo. Talvez ficaria um pouco receoso com a parte da amburana. Há um tempo, o pessoal da Morada destilou um whisky e maturou nessa madeira, e a amburana sobrepujou o sabor delicado do new-make. Mas acho que se houver um processo de harmonização e blendagem, pode ficar bom e inovador!

      Concordo especialmente com a questão do preço. Pode parecer caro, mas há uma questão de escala. E a matéria prima é importada, além do investimento na destilaria para a experiência!

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