Sazerac Rye – Herança de homônimos

Talvez você não tenha notado o cabeçalho deste site. Ou, talvez, entrado por um link, direto nesta matéria. Neste caso, recomendo que clique no “home” e contemple a foto. Aí depois, volte aqui. Esse cara peludo aí é o Sazerac. Ele é carioca, residente em São Paulo. Tem seus sete anos, vinte e seis quilos, e – como o tutor – um apetite voraz por tudo que parece, remotamente, comestível. Quando ele era jovem, uma vez, comeu uma zamioculca inteira. Vaso incluído. O Sazerac ganhou este nome por causa de um drink, que é o preferido deste Cão. Quero dizer, meu, não dele, porque óbvio que ele não bebe (note que, a título de desambiguidade, usei “deste”, e não “desse”). Mas o que é mais legal é que o Sazerac só se chama Sazerac por causa do Sazerac drink, que só se chama Sazerac por causa do Sazerac Rye, que só tem esse nome por causa de uma “coffee house” homônima, em Nova Orleans. Que, por sua vez, herdou o nome de um cognac – Sazerac de Forge. E antes de entrar nos pormenores desta história – que começa lá por 1850 e desemboca em um pastor autraliano red merle […]

Maker’s Mark 46 – Pizza Napolitana

O dogma é só a última versão congelada de uma sucessão de desvios. Não, essa frase não é de ninguém, apesar do sugestivo itálico. Quer dizer, de nenhum terceiro. É minha mesmo, pra variar um pouquinho. E ainda que ela funcione em diferentes níveis para distintos axiomas, penso que é especialmente verdadeira nas minhas áreas de preferência. Gastronômica e etílica. Deixa eu pegar um exemplo quase aleatório. A pizza napolitana. Essa, que é defendida hoje como patrimônio intocável, e que tem o tomate San Marzano como um dos ingredientes protagonistas. Acontece que quando a palavra pizza já circulava em Nápoles, o tomate sequer existia na Europa. O fruto vermelho só chegou no século XVI, vindo das Américas, e ainda assim foi recebido com desconfiança. Foi preciso séculos de adaptação até chegar à versão sagrada e imutável. O que chamamos de tradição, portanto, muitas vezes nasceu de uma heresia bem-sucedida. E embora o purismo tenha seu valor — proteger a identidade, evitar a diluição — ele precisa, vez ou outra, ceder espaço à mudança. Se alguém não tivesse arriscado a vida — e a honra — atomatando uma pizza, o conceito do prato seria completamente diferente atualmente. E arrisco dizer, bem […]

Entrevista com Fred Noe, master distiller da Jim Beam

Eu não vou muito em shows. Não por falta de amor à música, mas porque meu line-up dos sonhos está mais para sessão espírita do que festival. Praticamente todas as bandas que gosto – a ponto de enfrentar fila e passar perrengue chique para ouvir – não existem mais. Jamais ouvirei ao vivo Johnny Cash ou Audioslave, por exemplo. A exceção são os Rolling Stones, que insistem em desafiar a biologia. Mas, ao que tudo indica, essa turnê também está chegando ao fim. Ou não. Por mais improvável que seja, porém, o mundo do whisky preenche esta lacuna deixada pela música. Ele tem suas próprias lendas vivas – e por conta deste site, as vezes, surge a oportunidade de conversar com uma ou outra. E felizmente, a admiração por algumas delas não só sobrevivem ao encontro presencial como também elevam o volume da música. Fred Noe é assim. Neto de Jim Beam, filho do lendário Booker, ele comanda a destilaria do bourbon nº 1 do mundo como quem comanda um riff de guitarra. Sentei para entrevistá-lo em sua recente viagem ao Brasil com o mesmo receio de quem vai ao show do Coldplay – o que já seria terrível o […]

Bedford & Grand – Tacoma

Normalmente, eu começo as matérias do Cão Engarrafado com um assunto meio sem sentido. Mas, dessa vez, vou ousar, e contar, primeiro, como é que eu conheci o Bedford & Grand. Porque muita gente acha que ter um bar é uma delícia, é como acordar todo dia num hotel cinco estrelas all-inclusive de álcool, mas não é bem assim. Ter um bar dá bastante trabalho, ainda que tenha sócios e uma ótima equipe por trás. Muita gente – da indústria, inclusive – diz que criar coquetéis é uma arte. Eu acho que não. Eu acho que criar coquetéis é uma ciência quase exata. É um trabalho minucioso de engenharia. Um coquetel bom é o inverso da trágica história da ponte de Tacoma. Deixa eu abrir parêntesis antes de fechar os colchetes para contar esse caso – e talvez seguir minha estrutura usual. A (primeira) Tacoma Narrows Bridge, apelidada carinhosamente de “Galloping Gertie”, foi inaugurada em julho de 1940 no estado de Washington, nos Estados Unidos. Ela ligava as cidades de Tacoma e Gig Harbor, atravessando o estreito de Puget Sound. Desde o começo, os engenheiros notaram algo curioso: a ponte ondulava com o vento. Literalmente. Não era uma vibração sutil, […]

Entrevista com Chris Fletcher, master Distiller da Jack Daniel’s

Há um axioma, proferido a Peter Parker por seu tio Ben, que atingiu status de aforismo. “Com grande poder, há grande responsabilidade“. O conceito é de fácil absorção, a ponto de parecer até estranho que ninguém tenha o condensado antes. De fato, versões da citação são bem mais antigas do que o nosso querido herói da Marvel. O que, de nenhuma forma, tira o mérito dele ou de Stan Lee pela menção. Por exemplo, em 1817, o futuro primeiro ministro da Inglaterra, William Lamb, disse em um discurso ao parlamento que “a posse de um grande poder necessariamente implica em grande responsabilidade“. A nova versão da bíblia, de rei James, também possui uma passagem que menciona algo semelhante. “Para todos que muito é dado, muito será solicitado“. O conceito foi também abordado por Chomsky, que, aliás, é contemporâneo e conterrâneo de Lee. Mas, estou a divagar. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades. O que nos leva a imaginar que, implicam também em um enorme ego, e uma inacessibilidade quase intransponível. Isso é verdade para muita gente. Mas não Chris Fletcher, master Distiller da Jack Daniel’s. Fletcher é responsável por quase tudo que se refere a Jack. Ele cuida da padronização, criação […]

Lincoln County Process – Geeking in TN

Esta é a primeira matéria da press trip às destilarias da Brown-Forman nos Estados Unidos. Desta vez, Jack Daniel’s. Ou melhor, algo bem específico, quase um detalhe, dentro do enorme conjuto que é a mítica Jack Daniels. É que eu não sou exatamente eu, em destilarias. É tipo aquela série da AppleTV, Ruptura. Quando eu entro numa destilaria, esqueço quem sou, e meu innie se torna um ser curioso e desagradável, que encosta nos equipamentos, enfia a cara no washback e tira foto do lado de destiladores. Durante a visita, meus confrades, bem mais normais do que eu, ficaram intrigados com a história do número sete. Ninguém sabe ao certo porque Jasper escolhera aquele número. Outros demonstraram curiosidade sobre o formato quadrado da garrafa – algo revolucionário naquela época. Eu não. Dessa vez, o gatilho foi o tal do Charcoal Mellowing, ou Lincoln County Process. Mas minha curiosidade doentia aliada à paciência da equipe da Jack trouxe frutos. Que é a matéria abaixo, que trago a vocês, queridos leitores. O QUE É O LINCOLN COUNTY PROCESS Lincoln County Process, também chamado de Charcoal Mellowing, é a filtragem do destilado que mais tarde se tornará Tennesse Whiskey por colunas de carvão […]

Greenpoint – Aral contra Dudinka

Seis amarelos no Aral contra quatro verdes em Omsk. Ou no Omsk. Tá bom, vai lá, mas vai ter troco, tô com dez na Dudinka. War era divertido, mas era um desserviço pra geografia. Se você me perguntar o que está entre a Russia e a China, vou demorar uns três minutos para lembrar do Cazaquistão. E isso, porque tem o Borat. Mas, na hora, a televisão mental projetará uma imagem do Aral. Very nice! As horas na frente do tabuleiro criaram uma espécie de memória fotográfica falsa de como o mundo é dividido. E nem é só na Asia, não. Aquela Califórnia enorme, esticando até os Grandes Lagos, e Nova Iorque que vai até Miami não ajudam muito. Tampouco a Colômbia, que anexou todos os países do norte da América do Sul. Ou o Chile que finalmente resolveu a celeuma sobre qual melhor pisco, incorporando o Peru. Aliás, falando em nova Iorque, eu aprendi geografia mundial com o War. Mas regional – mais especificamente, de Nova Iorque – com a coquetelaria. E nem foi porque eu viajei pra isso. Foi por causa do Manhattan. É que o coquetel tem infinitas variações – está quase dominando 24 territórios à sua […]

Basil Hayden Bourbon – Da Vontade

Luxo discreto. O conceito está bem na moda, especialmente pro causa de Succession – mais uma série que eu não vi, porque esperei acabar. E quando acabou, fiquei com preguiça, por ser muito grande. Mas, existindo no planeta Terra, pude apreciar as tendências por ela lançadas. Ou melhor, evidenciadas. É que o tal luxo discreto sempre existiu. É o conceito de muitas marcas, como Hermés, Zegna e Tom Ford. Ele diz respeito a uma espécie de luxo que não é imediatamente óbvio. Pode ser materializado em peças que parecem triviais, mas que devido a alguma característica qualitativa – material ou mão de obra – as torna especiais e caras. Não há ostentação ou extravagância. E, na maioria das vezes, exige um consumidor maduro, ou aspirante a maduro, para sua apreciação. E não se engane. O conceito não está limitado a moda. Ele pode ser um fone de ouvido para audiófilos, de visual discreto, mas altíssima performance. Ou um relógio exclusivíssimo e super preciso, mas visualmente quase trivial. E a whisky. Algumas marcas transpiram luxo. The Macallan, Dalmore. Outros se esgueiram no território dos entusiastas. É mais ou menos este o caso do Basil Hayden, bourbon whiskey de luxo que chegou, […]

High West Double Rye – Da Vontade

O homem livre é senhor da sua vontade e escravo somente da sua consciência, escreveu Aristóteles. Schopenhauer, no entanto, séculos depois, discordou. Para o alemão, o homem é escravo de sua vontade. Como um hamster, correndo desesperadamente em uma roda de exercícios em sua jaula. Tão logo um passo é dado, há necessidade de outro. O conjunto destes passos, entretanto, não chega a lugar nenhum. É um movimento elíptico eterno. Nas palavras de Schopenhauer, “o desejo, por sua natureza, é dor. A sua realização traz rapidamente a saciedade; a posse mata todo o encanto; o desejo ou a necessidade de novo se apresentam sob nova forma. Senão, é o nada, é o vazio (…).” Saciado um desejo ou necessidade, outro surgirá. A sina é estar sempre insatisfeito. Segundo o filósofo, uma das formas de saltar da roda dos desejos é pela apreciação das artes. A contemplação da arte é o bálsamo que aplaca o desejo. Se Schopenhauer se erguesse do túmulo atualmente, ficaria surpreso com Romero Britto e o mercado das artes. Coitado. Arrisco dizer – quiçá um pouco enviesado – que a redenção da vontade é beber. Mas, mesmo aí, há o desejo. Aquele, de experimentar sempre algo melhor. Mais sofisticado, lapidado, mais intenso ou […]

Eagle Rare 10 anos – Medalhista

Você sabe quem é Michael Phelps? Provavelmente sim. Ele é o nadador mais famoso do mundo, maior medalhista olímpico da história e atualmente detentor de quatro recordes mundiais, ainda que eu não tenha a mais frágil ideia de quais sejam. Para você ter uma ideia, há uns anos, o Phelps estava empatado com a Índia – sim, o país – no número total de medalhas. Mas ele tinha bem mais de ouro. Considerando toda a história dos jogos olímpicos, Phelps conquistou mais medalhas do que Portugal, Chile, Bahamas e o Quirguistão, seja lá onde isso for. No universo dos bourbons, Phelps poderia ser comparado ao Eagle Rare 10 anos, que acaba de desembarcar oficialmente no Brasil. Ele é um dos mais premiados whiskies americanos do mundo. O Eagle Rare conquistou mais de trinta prêmios na última década, incluindo alguns da Los Angeles International Wine & Spirits Competition, International Spirits Competition e International Wine & Spirits Challenge, três dos mais importantes campeonatos mundiais de bebidas. Ele foi o único whiskey a conseguir cinco medalhas de duplo ouro na San Francisco Spirits Competition, sendo que três delas foram concedidas em anos consecutivos – de 2003 a 2005. O Eagle Rare 10 anos é […]