Normalmente, eu começo as matérias do Cão Engarrafado com um assunto meio sem sentido. Mas, dessa vez, vou ousar, e contar, primeiro, como é que eu conheci o Bedford & Grand. Porque muita gente acha que ter um bar é uma delícia, é como acordar todo dia num hotel cinco estrelas all-inclusive de álcool, mas não é bem assim. Ter um bar dá bastante trabalho, ainda que tenha sócios e uma ótima equipe por trás.
Muita gente – da indústria, inclusive – diz que criar coquetéis é uma arte. Eu acho que não. Eu acho que criar coquetéis é uma ciência quase exata. É um trabalho minucioso de engenharia. Um coquetel bom é o inverso da trágica história da ponte de Tacoma. Deixa eu abrir parêntesis antes de fechar os colchetes para contar esse caso – e talvez seguir minha estrutura usual.
A (primeira) Tacoma Narrows Bridge, apelidada carinhosamente de “Galloping Gertie”, foi inaugurada em julho de 1940 no estado de Washington, nos Estados Unidos. Ela ligava as cidades de Tacoma e Gig Harbor, atravessando o estreito de Puget Sound. Desde o começo, os engenheiros notaram algo curioso: a ponte ondulava com o vento. Literalmente. Não era uma vibração sutil, mas um movimento ondulante visível a olho nu, como se estivesse viva
Apesar de tudo, a turma ignorou o fato, e só achou engraçadinho. Quatro meses depois, no dia 07 de novembro, a Gertie começou a se contorcer – tipo uma cobra – até finalmente colapstar. A razão é de uma beleza científica. Sua estrutura entrou em ressonância — um fenômeno em que uma força externa (como o vento) entra em sintonia com a frequência natural de um objeto, amplificando suas oscilações. Por uma coincidencia perfeita, a velocidade do vento sintonizou com a frequência da ponte, e a destruiu.
Gertie é como um drink bom. Não adianta ter o melhor vermute, um malte espetacular, ou colocar a parada toda para centrifugar numa geringonça de laboratório que custa o mesmo que um automóvel popular. É preciso ter equilíbrio. Tudo deve estar em ressonância – não literalmente, óbvio – lá dentro. E, no caso do bar, fora também, porque senão é só um drink bom e caríssimo.
Pois descobri o Bedford & Grand assim, buscando, com meu sócio, coquetéis num famoso site de receitas. Até debatemos um pouquinho, antes de testar, porque eu achava que ficaria amargo, por causa do vermute com quinino. Ele, porém, imaginava que o dulçor seria ressaltado, por causa do maraschino. Embos estávamos equivocados.
O Bedford & Grand foi criado por Sebastian Tollus, diretor de bares do Eleven Madison Park de Nova York, e é um parente de um manhattan, brilhantemente equilibrado com maraschino, jerez fino, vermute com quinino, e rye whiskey. Uma combinação tão hipster que, se fosse uma pessoa, usaria suspensórios e gravata borboleta, e só beberia Bedford & Grands. Mas, também, que funciona perfeitamente.
Os ingredientes podem aparentar, numa primeira leitura, bem específicos. Parece intimidador comprar este monte de coisa só para um drink. Mas, não é bem assim. O Luxardo Maraschino pode ser usado também em um Final Ward – que compartilha o rye – e no meu querido Fancy Free. O jerez fino entra em uma miríade de drinks modernos, dentre eles, o Bamboo e o Tuxedo (preparem-se, dry martini fans…). O único ingrediente quiçá mais limitado é o vermute com quinino. Que, milagorsamente, temos um representante no Brasil – o Mancino Chinato.
Ou seja: o Bedford & Grand é como uma boa ponte — não balança, não torce, e te leva exatamente onde precisa ir. Desde que você tenha os ingredientes certos e respeite as proporções, tudo entra em harmonia. Sem mais vibrações, tomem nota.
BEDFORD AND GRAND
INGREDIENTES
- 50ml Rye Whiskey (usei um High West. Mas pode funcionar com um Wild Turkey. Pense em seu CMV. Ou não)
- 22,5ml Mancino Vermouth di Torino Chinato (é, você pode tentar com oturo vermute)
- 15ml jerez fino (Tio Pepe)
- 5ml Luxardo Maraschino
- 2 dash Angostura Orange Bitters
- Parafernália para mexer.
PREPARO
- Adicione todos os ingredientes em um mixing glass com bastante gelo. Mexa até ficar gelado
- desça em uma taça coupé
- beba de forma harmônica.