“Reservei aquele restaurante português que eu gosto, pra gente comemorar“. O negrito, aqui, simbolizando a ênfase dada pela minha melhor metade. Era dia 12 de junho, logo depois do almoço, e eu havia sido indagado por ela se tinha planejado algo. Diante de minha silenciosa negativa, representada pela mais alva cara de pânico, ela sorriu e deu de ombros. Eu sabia que você ia esquecer.
E agora eu finalmente tinha entendido por que ela, em tantas oportunidades diferentes nas últimas semanas, me mostrara um perfume caro que queria comprar. Estava tão distraído com qualquer outra coisa, que olvidara completamente da data. Depois de quinze anos de casado, com mais cinco de namoro, eu poderia ter argumentado que o amor verdadeiro não é representado por uma fragrância cara.
Amor mesmo era ela fingir que gostava da minha comida. Era já pedir pra tirar a cebola de metade da pizza, porque eu sei que ela detesta. Era saber o CPF do outro de cor, mais do que o seu próprio. Mas não adiantaria, porque, dia doze tinha que amar com recibo fiscal. Além de que, na sequência do questionamento, ela me estendeu uma caixa preta, de uns quarenta por vinte centímetros. Toma, seu presente.
Cheque-mate. Um Glenmorangie Signet, single malt de luxo sem idade declarada, que acabara de chegar ao Brasil. Mas como é que você sabia que eu queria? – Porque eu entrei no seu computador, e vi que tava cheio de anúncios dele. Os cookies te denunciaram. Apertei os lábios. Não sabia se ficava incomodado por ela usar meu notebook, ou se celebrava tamanho ardil para me agradar. Escolhi a segunda opção.
Lembrei que o Signet era produzido pela LVMH. O mesmo grupo que detém participação na mundialmente famosa grife Louis Vuitton, na marca de espumantes Moët Chandon e conhaques Hennessy. E, coincidentemente também, proprietária de perfumes como Dior, Givenchy e Gerlain. Dava para ter presenteado a Cã dentro da mesma estrutura societária.
Comecei a divagar. O diretor de criação da Glenmorangie, Bill Lusmden, é um cara mais ou menos atormentado. Formado em química, Bill passa seu tempo realizando experiências malucas envolvendo a produção e maturação de whisky. Provavelmente sua esposa também passava nervoso no dia dos namorados. Bill até já enviou ampolas de Ardbeg – outro single malt do grupo – para a Estação Espacial Internacional, para estudar os efeitos da gravidade zero sobre o destilado. Em outra oportunidade, desconectou os purificadores da Ardbeg e bagunçou toda produção, só pra ver como ficava o destilado.
Mas mesmo para os padrões de Lumsden, o Glenmorangie Signet é uma criação bastante sofisticada. Ele é produzido com a combinação de dois diferentes tipos de malte. A primeira, conhecida como “chocolate malt”, é, na verdade, malte de cevada maltada altamente torrada. A mesma usada normalmente em cervejas escuras, dos estilos porter e stout. A própria caixa do Signet ressalta que a destilaria tem que parar por uma semana, justamente para produzir o whisky, por conta do tal malte.
A segunda é o malte Cadboll, produzido com cevada retirada das fazendas contíguas à destilaria. Por fim, parte do estoque mais precioso da Glenmorangie é usado em sua composição, com whiskies envelhecidos por aproximadamente trinta anos. A maturação do Glenmorangie Signet ocorre em um conjunto de barris de carvalho europeu que antes continham jerez e barricas altamente tostadas – o que ressalta ainda mais o perfil de café e chocolate – romântico, como um tiramisu.
A destilaria Glenmorangie é conhecida por possuir os alambiques mais altos de toda a Escócia. Quase tão altos quanto uma girafa, ainda que ninguém tenha colocado uma girafa ao lado das alambiques para comparar. A história por trás disso é interessante. Os primeiros alambiques da destilaria teriam sido comprados de uma fábrica de gim. Os atuais são reproduções maiores daqueles primeiros. A altura dos alambiques, aliada a seu formato, fazem com que apenas os vapores mais leves do processo de destilação cheguem ao seu topo, o que produz um whisky leve e elegante.
“O que você tá aí olhando pro nada tipo peixe morto de feira?“. Disfarcei, não podia dizer que estava pensando em como o Glenmorangie Signet equilibra a delicadeza do new-make com um perfil claramente achocolatado, com final longo e adocicado, e como aquilo era incomum no mundo do whisky. “Tava pensando que amo você“. Ela fez uma cara de descrença.”Sei, deve estar aí pensando em quando vai abrir o whisky. Mas, antes, vamos jantar, senão a gente perde a reserva“.
Acenei afirmativamente. Na volta, tinha duas missões secretas. Finalmente começar a usar a agenda do celular. E limpar meus cookies de navegação.
GLENMORANGIE 18 ANOS THE INIFINITA
Tipo: Single Malt Scotch Whisky
Destilaria: Glenmorangie
Região: Highlands
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: achocolatado, café, caramelo queimado, baunilha
Sabor: começo achocolatado, com pouco dulçor, que evolui para um adocicado de creme brulee. O final é de chocolate com baunilha.
Excelentes seus comentários Leio todos Só coleciono Poucas garrafas são tão bonitas como a do Signet Comprei em Rivera UY , fronteira com o BR , onde tem excelentes Free Shops Abcs
Bela dica Aurival. Muito obrigado!
Whisky e espaguete (isso precisa “ecoar”):
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/20/cultura/1455951648_528798.html
Fantástico! Mas aguarde…
Beber com os olhos e lamber com a testa.
Ainda, dia desses vc, em outro post, me deu a dica do Chivas Brother’s Blend. Comprei uma garrafa e adorei. É “du cacête!” Sou fan incondicional do Chivas 12 e do Chivas 18 (para o meu gosto, os melhores blendeds que existem). Esse Chivas Brother’s Blend é fantástico. Na minha próxima viagem procurarei fazer um pequeno estoque.
Thank you, brother.
Disponha, mestre. E o Strathisla? Pelo jeito será um dos seus preferidos também!
Também comprei o meu em Rivera, Uruguay! Assim como o Aurival. Como ele reforço a informação que as free shopping ” de alla “, tem uma variedade interessante de destilados.
E concordo absolutamente com o Cão!
Cão boa tarde, é com imenso prazer que informo que este excelente whisky já está à venda no Brasil sim!
Olá Vinicius, não está não. Ele nunca veio oficialmente. O que vem, até hoje, é fruto de contrabando. Inclusive estava essa semana discutindo com a turma da LVMH, a proprietária da marca, sobre a possibilidade dele entrar oficialmente no Brasil.
Maurício a questão que se coloca então é quais Glenmorangie entram regularmente no Brasil, digo isso pois são vários à venda por aqui. Eu tenho o Quinta Ruban 14 anos, será então que fiz besteira em comprar?
Vinicius, tá certo. Chegam ao Brasil:
Glenmorangie 10
Glenmorangie Quinta 14
Glenmorangie Lasanta 12
Glenmorangie Nectar D’or ou “Sauternes”