Visita à Bimber – Travessias

Isso aqui não pode estar certo” disse a Cã, observando uma pequena trilha, que se espremia entre um cemitério e uma linha férrea. Eram cinco horas da tarde, e tínhamos acabado de sair do metrô de North Acton, na zona 3 de Londres. O objetivo era chegar à Bimber, destilaria de whisky britânica, que ficava nos arredores. “Olha, o mapa diz que é isso, a gente está certo” – retruquei. “O mapa também diz que tem um rolê gótico-apocalíptico até chegar lá?“.

A gente sai do Brasil, mas o brasileiro não sai da gente, pensei. Seguimos, observando as belas – e talvez um pouco mórbidas – sombras que as lápides do cemitério de Acton projetava sobre a trilha. Fosse uma série pós-apocalíptica, era aqui que seríamos encurralados por uma espécie nova e aprimorada de zumbi. Mas poucos minutos depois, demos de frente com uma área cheia de armazéns. A Bimber estava em um deles.

Ao chegar à destilaria, qualquer traço de tensão se dissipou. Luke, embaixador da Bimber, nos recebeu logo na porta com uma taça de gim tônica para cada. Um bom começo. Ele explicou que a destilaria foi fundada em 2015 por Darius Plazewski. Darius é polonês, e Bimber significa, literalmente “birita”. Explicou que além de whisky, a Bimber faz também outros destilados. E por fim, pontuou que o drink era refil, e que eu poderia levá-lo durante a visita para não ficar com muita sede. Irreverente, de boca suja (não mais do que eu) e com muito conhecimento, Luke explicou alguns detalhes e curiosidades da Bimber.

A maioria dos engarrafamentos da Bimber são edições limitadas. A mais célebre foi feita em parceria com o metrô de Londres, chamada “spirit of the Underground”. A série começou em 2021, e tem como objetivo final lançar 44 whiskies, cada um homenageando uma das 44 estações de maior movimento na cidade. A primeira edição contou com Waterloo, Baker Street, Oxford Circus e King’s Cross. Algumas dessas garrafas são vendidas, atualmente, por mais de mil libras no mercado secundário.

Whisky-geeking

A destilaria produz em torno de 50 mil litros por ano. É bem pequena, especialmente para padrões britânicos. Uma destilaria de porte médio, na Escócia, produz algo como dois milhões. A The Macallan – um gigante – faz mais de vinte milhões. Mas isso não quer dizer que a Bimber tenha tempo ocioso. Até maio de 2025, dois alambiques portugueses, parecidos com aqueles usados para produzir eau-de-vie, respondiam por toda a produção. Na semana que visitei, um novo wash still, maior, de dois mil litros, acabara de chegar, mas ainda não estava em atividade.

O malte usado pela Bimber é fornecido pela Warminster Maltings. 75% é malte tradicional, sendo, o restante, turfado. Seu mash tun é de inox, e tem capacidade de apenas dois mil litros de wort. A água usada, tanto neste estágio quente, quanto na fermentação, é a do rio Thames. Porém, ela é suavizada, em um processo de desmineralização por osmose. Algo bem comum na indústria da cerveja e do whisky.

O que é bastante imcomum, entretanto, é o tempo de fermentação. 168 horas em tanque aberto. É exatamente o mesmo tempo da Tomatin, destilaria escocesa conhecida por ter uma das fermentações mais longas daquela nação. Por conta desta era fermentativa, a Bimber tem sete washbacks. Um para cada dia da semana. Eles são feitos de carvalho americano, o que é, também, pouco usual. Geralmente, washbacks são de pinho ou de inox.

Washbacks

Um pouco de whisky-geeking aqui. Ou talvez bastante. O cuidado no processo de fermentação busca criar um wash pouco ácido, mas bastante complexo. O tempo longo e o open top abre espaço para fermentação malolática, que reduz a acidez do wash. O objetivo é um whisky menos agressivo, sem muitas arestas pontudas. O que é uma ideia excelente, especialmente para alambiques baixos.

Na destilação, as coisas ficam interessantes. Os antigos alambiques – quem tinham nomes de batismo – foram desenvolvidos especificamente para a Bimber. O wash still tem mil litros, e o spirit still, seiscentos. Eles são – ou eram – aquecidos por fogo direto, mas não possuem os tradicionais rummagers, para evitar a carmelização no fundo. Isso sugere um destilado mais encorpado. Porém, a operação dos alambiques compensa isso. A destilação, de mais de dois dias, é longa, e mira na delicadeza.

Brinquedo novo

A cabeça é recolhida entre 80% e 72%, onde a Bimber começa a recolher o coração. O corte vai até os 65%, ao que, finalmente, a cauda é retirada. Os cortes são feitos manualmente, e não há spirit safe. Estas informações, porém, devem mudar quando o novo alambique estiver ativo – ajustes serão necessários para manter o perfil sensorial semelhante àquele conhecido, mas com o novo equipamento.

A graduação alcoólica de preenchimento dos barris é a mágica 63,5% – usada pela maioria das destilarias. Mais de 80% dos barris são de carvalho americano, provenientes da Woodford Reserve. Dentre os 20% restantes, há barris de vinho jerez e porto – a finalização preferida de Luke. Há também um único barril de mizunara, que descansa, discretamente, em um cantinho do armazém.

A prova

Ao final da visita, degustamos alguns engarrafamentos da Bimber. Dentre eles, o Harmony of Eight, uma das edições mais antigas da Bimber até então. É uma combinação de barris de carvalho americano torrados, com barris de carvalho europeu que antes contiveram vinho jerez PX. Mas uma das experiências mais interessantes foi provar o new-make, recém destilado. O álcool é muito bem integrado, e há uma nota frutada, adocicada, resultado da fermentação e destilação longas.

No fim das contas, não fomos atacados por zumbis, não tropeçamos em nenhuma lápide e nem saímos de lá carregando um espírito do além — só algumas boas doses do “Spirit of the Underground”. Convenhamos: se todo rolê gótico-apocalíptico terminasse com gim tônica, whisky e um Luke, o mundo acabaria com muito mais classe. Ou não.

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