Visita à Union – Leviatã

Criaturas mitológicas gigantes povoaram a imaginação humana desde tempos imemoriáveis. São a materialização do temor do desconhecido. Seja por mares jamais navegados ou terras nunca desbravadas. A lista é grande, e se alonga pela mitologia, folclore e literatura. Moby Dick, Kraken, Leviatã, Amarok (o lobo, não o carro). Em comum, seu tamanho gargantual, e a incredulidade de quem os supostamente viu em carne e osso.

A Union Distillery, em Bento Gonçalves, talvez seja uma lenda destas, no folclore do whisky brasileiro. Uma destilaria enorme, instalada em um vale cheio de vinícolas, e capaz de rivalizar em tamanho e capacidade com algumas notáveis fábricas escocesas. Parece material de lendas. Mas, neste caso, por mais cafona que pareça esta introdução, é verdade.

Centro de visitantes da Union

Desavisados que desconhecem a dimensão da Union surpreendem-se. Avisados, também. Vista por fora ou por dentro, a Union é um gigante. Ela produz em torno de 1,5 milhões e meio de litros por ano de single malt, com capacidade máxima de aproximadamente 3,5 milhões.

Importante apontar que a Union possui duas destilarias. Uma menor – a primeira a ser construída – em Veranópolis. E uma maior em Bento Gonçalves. Foi esta que visitamos. A destilaria de Veranópolis não destila mais – entretanto, uma parcela do estoque de barricas permanece lá. Boa parte dos whiskies da Union atualmente no mercado, entretanto, ainda utilizam malte da antiga destilaria.

Números apresentados, a primeira impressão é de incredulidade. Uma destilaria daquele tamanho, com tal capacidade produtiva e tecnologia, jamais poderia estar no Brasil. Nosso mercado de single malts é minúsculo, e nada justificaria um leviatã destes. Ocorre, entretanto, que apenas 1% de tudo que a Union produz, vira single malt com sua marca. Boa parte de sua produção é exportada – especialmente para o Japão. Outra parte, torna-se ingrediente na composição de blends e bebidas compostas à venda no mercado brasileiro.

Prédios de produção à esquerda

A operação da destilaria é, também, bem sofisticada. A água provém de três poços artesianos dentro da propriedade da Union. A cevada é, em boa parte, comprada como commodity, de fornecedores brasileiros. A principal delas é a Agrária. Entretanto, a cevada turfada é importada, adquirida de dois produtores. Boortmalt e Castle. Durante a degustação que participamos, tivemos a oportunidade de provar os três new-makes.

Tanto mash tuns quanto washbacks são feitos de aço inox. Os washbacks, inclusive, foram herdados da vinícola outrora instalada no prédio da Union, que encerrou suas atividades e deu espaço à destilaria. Todo processo de produção da Union é informatizado. A transferência do wash, dos washbacks para o wash still, e do wash still para o spirit still. O processo de destilação, inclusive, tem algumas particularidades interessantes, que explico a seguir.

A Union possui três alambiques. Dois wash stills e um spirit still. O spirit still (de segunda destilação) é maior do que os wash stills (de primeira destilação) – o que é bem incomum. Isso justifica-se por reunir as duas parcelas de low-wines da primeira destilação. Um dos spirit stills foi importado da Escócia, produzido pela famosa Forsyth’s. O outro wash still e o spirit still foram fabricados no Brasil, pela Santa Efigênia, com base nas medidas do escocês.

A carga inicial conjunta na primeira destilação é de aproximadamente trinta e dois mil litros de wash, reduzida para dezesseis mil litros de low-wines na segunda destilação. Os dois wash stills alimentam o único spirit still. Após a segunda destilação, com o corte de cabeça e cauda, sobram mais ou menos três mil e quinhentos litros de new-make spirit. O processo é todo informatizado – da transferência dos washbacks até a separação do coração. Este new make é cortado e colocado nos barris, para maturar.

Os armazéns de maturação da Union também surpreendem. São altíssimos, e a maioria dos barris é armazenada na vertical, paletizados. Isso facilita o acesso, e permite que a destilaria economize um espaço precioso em suas dependências. Ainda assim, há alguns poucos barris armazenados na horizontal, como rickhouses. Há todo tipo de barril na destilaria. A maioria começou sua vida maturando bourbon. Há first-fills e refills, e também alguns poucos barris virgens. Há barris de carvalho americano e europeu, e barris que maturaram vinho. Há também uma salinha especial, com experimentos maravilhosos.

Por fim, a Union conta também com um centro de visitantes muitíssimo bem equipado, com um espaço de degustação e uma loja. Lá, o entusiasta pode comprar a linha completa de produtos, e alguns souvenirs exclusivos, como taças de degustação e uma cerveja. Mais especificamente, um Barleywine, produzido sob encomenda para a Union. Como um bom parque de diversões etílico, o tour começa e termina neste espaço.

Nossa degustação foi um tanto fora da curva. Provamos alguns futuros lançamentos, e parte dos new-makes da destilaria. Porém, para evitar qualquer spoiler, ficarei por aqui, com talvez uma conclusão que resuma toda a experiência perfeitamente. A Union parece tema de folclore – mas não é. Desavisados e avisados se surpreenderiam.

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