O Cão Explica – Whisky estraga depois de aberto?

Desde que o homo sapiens sapiens adquiriu consciência de sua consciência, passou a questionar o mundo ao seu redor. Do mais profundo existencialismo até as coisas mais frívolas. Debruçamo-nos em questões tão complexas quanto a formação do universo com a mesma energia que questionamos as mais simples. Não existe resposta estúpida para a verdadeira curiosidade. Afinal, é sempre interessante saber por que a água da privada gira no sentido horário para nós. Ou se o barulho que os dinossauros do Jurassic Park faziam era parecido com o real. Há, claro, aquela categoria de indagações que, muito provavelmente, jamais serão respondidas. São todas aquelas que dependem, essencialmente, daquilo que escolhemos acreditar. Ainda que mesmo essa afirmação seja bem polêmica. O sentido da vida e a natureza do tempo, por exemplo. E por fim – não menos polêmica ou mais simples de ser respondida – está a questão que todo apreciador de whiskies faz, ao menos uma vez na vida. Será que o whisky estraga depois de aberto? A resposta mais acurada é sim, é claro. Porém, determinar o prazo para isso acontecer e – mais importante de tudo – para que se torne notável, dependerá de um sem fim de fatores. […]

Especial Escócia – Visita à Lagavulin

Bruichladdich é inovação, Ardbeg é bravura. Lagavulin, por sua vez, é aristocracia. A Lagavulin é o representante perfeito de um cavaleiro medieval no mundo dos whiskies. Por fora, elegante, polido e respeitado. Mas, ao mesmo tempo, violento e direto. Ele foi por muito tempo meu single malt preferido, e provavelmente um dos lugares que mais queria conhecer em minha vida. Ter a oportunidade de atravessar os corredores da destilaria e participar de uma degustação lá, onde o líquido é produzido, foi incrível. Tudo que emana do copo está representado em seus ambientes. As instalações da Lagavulin são o lugar-comum da cultura do whisky. Chão de madeira que range a cada passo, não importa quão leve. Poltronas botonê de couro, lareira e galhadas de cervos penduradas na parede. Luz quente e luminárias verdes. E claro, infinitas cristaleiras, exibindo todas as glórias daquela destilaria. Se uma garrafa de Lagavulin pudesse agir como uma pessoa, sua casa seria decorada justamente daquele jeito. Ao contrário do que aconteceu com as demais destilarias, não pudemos percorrer os prédios da Lagavulin. Nosso tour permitia apenas a uma degustação em um de seus saguões, acompanhados de uma guia – que aliás, parecia tão apaixonada pela destilaria quanto […]

Drink do Cão – Dramble

Uma pequena mudança ali, uma substituição aqui e pronto. Como já disse uma vez, nada é tão bom que não possa ser melhorado. Um perfeito exemplo disso é a história da maior contribuição do povo norte-americano à gastronomia internacional. Um dos pratos mais polivalentes do mundo. O cheeseburger. No começo, o cheeseburger, ou melhor, o hambúrguer – um prato tipicamente alemão – não passava muito de uma carne moída temperada. Até que os americanos, mundialmente conhecidos por deixar qualquer comida gorda, o aperfeiçoaram, introduzindo o pão. Mas o ser humano é inventivo e não tem limites. Não havia qualquer razão para parar por aí. assim, em meados de 1920, um rapaz que trabalhava com o pai em sua loja de sanduíches, chamado Lionel Sternberger, resolveu experimentalmente fritar queijo junto com a carne. Quase um século depois, o cheeseburger está por toda parte. Naquele restaurante elegante, na padaria da esquina, no foodtruck e na festinha infantil – onde é disputado como a mais incrível das iguarias. Ele é o grande representante da comida rápida, mas que facilmente pode se adaptar à sofisticação da alta gastronomia. Quem diria que a combinação de pão, carne e queijo fosse ficar tão boa. Uma combinação muito […]

Ardbeg An Oa – Sobre o Caos

Sabe, eu não acredito muito em destino. Na verdade, é bem o contrário. Acho que estamos aqui bem por acaso, que o mundo é um enorme caos que tende, cada vez mais, à entropia. Arrumar é mais difícil que bagunçar, encontrar é mais penoso do que perder. As coisas naturalmente se deterioram, ainda que, implacavelmente, tentemos conservá-las. É um movimento antinatural, em um universo que não é muito mais do que uma enorme bagunça. Destino é meramente coincidência. Deixe-me explicar, sem soar pedante ou descrente, com uma metáfora bem imbecil. O destino é uma espécie de roleta de cassino. Quando a bolinha estaciona em uma casa que não apostamos, simplesmente ignoramos o resultado. Não há reconhecimento. Porém, se ela porventura acabar naquela que elegemos, bem, aí nos deslumbramos com o destino. Reconhecemos que aquela bolinha e nós estávamos predestinados àquele resultado. Mas vou assumir algo aqui. Ainda que eu acredite nisso na maioria das vezes, em poucas delas, é realmente difícil aceitar que não existe qualquer espécie de destino. Uma delas aconteceu comigo há poucas semanas. Havia marcado uma viagem à Escócia, para visitar as destilarias de Islay. Sem qualquer razão específica, apenas curiosidade. No dia do meu embarque, soube […]

Especial Escócia – Visita à Ardbeg

Tenho um amigo que comprou uma Harley Davidson. O problema é que ele não comprou apenas a motocicleta. Ele comprou duas jaquetas de couro da Harley Davidson também. E um capacete vintage da Harley Davidson. E um par de luvas da Harley Davidson. Dois adesivos, para colar no carro, dizendo que tem uma Harley, e, por fim, mas não menos importante, uma caneca, um abridor de latas e um jogo de bolachas de copo. Itens que não tem nada a ver com a moto. Mas que, para ele, fazem todo sentido. A verdade é que meu amigo nem gosta tanto de andar de moto assim. De moto. Mas de Harley sim. Porque, nas palavras dele, ela não é apenas uma moto. É praticamente um estilo de vida, que possui uma legião enorme de fãs alucinados ao redor do mundo. Se houvesse uma destilaria comparável à Harley Davidson no mundo do whisky, ela seria a Ardbeg. Para os admiradores da marca, a Ardbeg é praticamente um culto. Há embaixadas internacionais e dias dedicados a ela. E não é para menos. Este Cão Engarrafado teve a oportunidade de conhecê-la em sua recente viagem à Escócia. A destilaria é inacreditável. Se a Bruichladdich é […]

Whisky Show 2017 – A Disney do Whisky

Todos nós temos fantasias. Para um bibliólatra, talvez seja a Biblioteca Britânica. Já um cinéfilo sonharia participar do Festival de Cannes. Um enófilo, por sua vez, ficaria extasiado – literalmente – em participar de uma grande feira de vinhos, ou talvez de uma série de visitas às suas vinícolas preferidas. Por fim, um microaerófilo, bem, um microaerófilo não gostaria de nada, porque microaerófilo é um tipo de bactéria. Já para um apaixonado por whiskies, como este Cão, o zênite seria participar do Whisky Show, de Londres. São três dias, mais de uma centena de expositores e seiscentos rótulos disponíveis. Organizado pela The Whisky Exchange de Londres, o Whisky Show é provavelmente o maior evento dedicado à bebida do mundo. Há todo tipo de whisky, das mais incríveis e improváveis regiões do mundo. Há garrafas de milhares de libras – como o Glenmorangie Pride 1978 – e outras bem mais mundanas. O whisky show é uma espécie de open-bar dos céus, onde quase tudo engarrafado – exceto alguns especiais – pode ser consumidos livremente. Há uma refeição incluída, assim como expositores de produtos relacionados, como embutidos finos e cervejas maturadas em barricas de whisky. Tudo disponível para consumo, apenas pelo preço do […]

Especial Escócia – Visita a Bruichladdich

Disse uma vez Fernando Pessoa que tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Por mais que eu deteste utilizar quase clichés por aqui – independente e sua origem – não poderia deixar de começar este texto com a citação. É que depois de quase vinte e quatro horas viajando, finalmente chegamos à terra dos whiskies enfumaçados. Islay. Foram doze horas de voo, divididos por uma conexão. Mais seis horas em um micro-ônibus, que, por sua vez, passou outras duas horas dentro de uma balsa. Ao chegar na ilha, não conseguia me decidir se o que queria mais era dormir, tomar um banho ou beber. Por sorte, os habitantes possuem uma curiosa forma de resolver tais dilemas. Ao chegar a meu hotel, me deparei imediatamente com o bar. Após toda higiene pessoal, refeição, algumas doses e, por fim, uma boa noite de sono, estava pronto para conhecer a primeira das destilarias da ilha que visitaríamos. A Bruichladdich. A Bruichladdich foi fundada por William, John e Robert Harvey, irmãos em uma família já veterana no ramo dos whiskies e proprietária das destilarias Yoker e Dundas Hill. O trio, entretanto, tinha uma ideia ambiciosa. Construir uma destilaria que, desde o […]

Da Alegria e Escuridão – Macallan Oscuro

Sabe, sempre fui uma criatura das sombras. Apesar de não ser um notívago, algo na noite sempre me atraiu. Talvez fosse seu silêncio, ou sua calma. Ou a falta de obrigações. Não, acho que não. Provavelmente é a sensação de melancolia trazida por aquele horário do dia. Faz sentido quando penso que meu livro preferido, por muito tempo, foi Memórias do Subsolo, de Dostoievski e uma das minhas obras clássicas mais caras, a Sinfonia nº 3 de Gorecki. Ambas, obras que ilustram a queda e a total ausência de esperança, em um tom taciturno e profundo. Na verdade, desde cãozinho sempre gostei mais daqueles dias de céu dramático, com nuvens plúmbeas entremeadas por raios de sol fugazes. E da consequente tempestade, tão agitada, mas que a tudo mais impunha um certo ar de calma. Uma noite antes do sol se por. Uma paradoxal sensação de conforto melancólico difícil de explicar. h Tive sensação parecida quando soube da existência de um single malt de uma das mais respeitadas destilarias da Escócia. O nome – muito apropriado – me parecia irresistível. Macallan Oscuro. Mas, por um dramático preço de aproximadamente setecentas libras, resolvi que seria prudente até que uma oportunidade de o […]