Uma pequena mudança ali, uma substituição aqui e pronto. Como já disse uma vez, nada é tão bom que não possa ser melhorado. Um perfeito exemplo disso é a história da maior contribuição do povo norte-americano à gastronomia internacional. Um dos pratos mais polivalentes do mundo. O cheeseburger.
No começo, o cheeseburger, ou melhor, o hambúrguer – um prato tipicamente alemão – não passava muito de uma carne moída temperada. Até que os americanos, mundialmente conhecidos por deixar qualquer comida gorda, o aperfeiçoaram, introduzindo o pão.
Mas o ser humano é inventivo e não tem limites. Não havia qualquer razão para parar por aí. assim, em meados de 1920, um rapaz que trabalhava com o pai em sua loja de sanduíches, chamado Lionel Sternberger, resolveu experimentalmente fritar queijo junto com a carne.
Quase um século depois, o cheeseburger está por toda parte. Naquele restaurante elegante, na padaria da esquina, no foodtruck e na festinha infantil – onde é disputado como a mais incrível das iguarias. Ele é o grande representante da comida rápida, mas que facilmente pode se adaptar à sofisticação da alta gastronomia. Quem diria que a combinação de pão, carne e queijo fosse ficar tão boa.
Uma combinação muito semelhante a essa é a do Bramble, coquetel que leva limão siciliano, gim, calda de açúcar e Crème de Mûre. Ele foi criado nos anos oitenta, pelo bartender Dick Bradsell, no bar Fred’s Club, de Londres. É um coquetel que equilibra com enorme competência o cítrico do limão siciliano com o dulçor do Crème e as notas herbais do gim. Apesar de ser relativamente jovem, o Bramble já figura entre os coquetéis oficiais da International Bartender’s Association, e está entre os cem melhores do Difford’s Guide. Aliás, Bradsell possui duas criações dentre os cem. O Bramble e seu Espresso Martini. Se quiser saber mais, leia aqui uma excelente matéria sobre ele produzida pelo Mixology News.
O Bramble parece irretocável. Só que, assim como o hambúrger, há sempre espaço para aperfeiçoamento. Com uma simples substituição, descoberta por acaso por Jacob Briars, embaixador mundial da Bacardi, temos algo ainda melhor. Quer dizer, ao menos para um apaixonado por whiskies, como este Cão.
De acordo com Fraser Campbell, embaixador mundial dos whiskies Dewar’s, certo dia Jacob brincava de substituir a base de coquetéis famosos por Dewar’s 12 anos. A ideia de produzir um bramble com o whisky não foi exatamente premeditada. Ela foi uma de muitas tentativas despretensiosas naquele dia. A maioria delas, experimentada pela primeira e última vez naquele dia de ócio criativo. Mas ao provar aquela sua criação, Briars percebeu que havia criado algo extraordinário. E assim nascia o Dramble. O nome foi um trocadilho com o do coquetel que lhe inspirou e a palavra “dram” – usada pelos escoceses para referirem-se a uma dose de whisky.
A preparação do Dramble é muito semelhante àquela do Bramble. A única diferença é a substituição do gim por whisky. Neste ponto, eu normalmente diria a você, querido leitor, que teste com sua garrafa favorita. Diria para usar a criatividade, e testar com algo defumado, para depois correr para algo com influência de vinho jerez.
Mas, dessa vez, excepcionalmente, não farei isso. Serei categórico. Use Dewar’s 12 anos. Eu sei que pode funcionar com outros whiskies. Mas é que o coquetel foi concebido utilizando o blend como base. E ainda que a simples substituição de uma base alcoólica por outra – o gim pelo whisky – possa parecer algo trivial, o coquetel somente tornou-se um novo pequeno ícone por conta do Dewar’s e do esforço e talento de Fraser, que tornou o Dramble seu cartão de visitas. E para falar a verdade, O Dramble parece mesmo ter nascido para o Dewar’s. É uma combinação perfeita.
Há outra ressalva que preciso fazer. Quando comecei a preparar este texto, tive uma enorme dificuldade em encontrar Crème de Mûre. Recebi diversas sugestões excelentes, mas uma delas – do prestativo bartender Thiago Crimsom – me pareceu interessante. A de preparar seu próprio Crème, utilizando amoras congeladas. O interessante é que com este método você pode regular o quanto de dulçor exatamente quer no licor, criando um drink absolutamente perfeito para seu paladar. A receita de seu Crème de Mûre seguirá após a do coquetel.
Assim, queridos leitores, preparem-se para um clássico revisitado como poucos. E claro, para revisitar também o supermercado (ou você, por acaso, estoca amoras e Crème de Mûre em casa?). Agarrem a garrafa de Dewar’s 12 e contemplem este incrível filhote do ócio criativo. O incrível…
…DRAMBLE
INGREDIENTES
- 50 ml de Dewar’s 12
- 25 ml de sumo de limão siciliano
- 12.5 ml de calda de açúcar (ao invés de 1:1, faça na proporção de 2:1 – dois de água para um de açúcar. Veja como preparar a calda aqui)
- 10 ml de Crème de Mûre (Não é um item muito fácil de se encontrar por aqui. Por sugestão de Fraser Campbell, em sua recente viagem para o Brasil, tente substituir o Crème de Mûre por Crème de Cassis. Pode funcionar)
- Amora
- Gelo picado
PREPARO
- Adicione todos os ingredientes (menos a amora e o Crème de Mûre) em um copo baixo
- Adicione um pouco de gelo picado ao copo, até cobrir o líquido, e mexa com uma colher bailarina
- complete o copo de gelo picado
- desça com cuidado o Crème de Mûre sobre o gelo, de forma que ele escorra lentamente até chegar ao fundo do copo
- Decore com uma amora
PARA O CRÉME DE MURE
INGREDIENTES
- Pacote de 1kg de amoras congeladas
- açúcar refinado
- Vodka (por favor, bom gosto aqui, meus caros)
- Brandy (não, não precisa ser aquele seu Hennessy XO. Um brandy razoável funciona).
PREPARO
- Deixe as amoras descongelarem dentro da embalagem. Depois, congele novamente. Isso formará pequenos cristais de gelo ao redor das frutas. Estes cristais perfurarão as cascas, e extrairão o sumo que utilizaremos a seguir.
- Descongele novamente as amoras sobre uma peneira, com algum recipiente embaixo. A ideia é que o sumo atravesse a peneira e caia no recipiente. É impossível determinar quanto de sumo sairá neste processo. Isso dependerá bastante de uma série de fatores. Este Cão extraiu, em suas duas tentativas, aproximadamente 100ml de sumo para 1kg de amoras congeladas.
- Prepare um xarope simples, utilizando o sumo de amora no lugar da água (veja como preparar esta calda aqui). Se achar seu licor muito doce na primeira tentativa, procure aumentar a proporção de sumo na segunda. Assim você pode controlar o dulçor do Crème.
- Adicione a este xarope a vodka e o brandy, numa proporção de 1 de cada para 3 de xarope (1 parte de brandy e 1 parte de vodka para 3 partes do xarope).
- Guarde na geladeira por até 15 dias.
Como vai, mestre?
Tenho um copo baixo aqui que pouco uso. Vai ser perfeito para o Dramble.
Grande abraço!
Opa, depois conta o que achou!!