Halloween Whiskies – Travessuras

Eu poderia começar este post declarando minha indiferença pelo Halloween. Argumentar que é uma festa que pouco tem a ver com nossa cultura, e evocar algum colonalismo psicológico que temos. Mas, não vou fazer isso, porque todo mundo faz. Não tem novidade, é bem chato. E tenho pouca fé no poder reformador da palavra. Ainda mais quando escrita em um site sobre whisky. Então, vou falar de uma pequena fração da festa pagã – doces ou travessuras.

Ninguem sabe de onde veio essa história de doces ou travessuras – trick or treat, no original. Mas há algumas teorias. Uma delas diz que durante Samhain (o ano novo celta), as pessoas deixavam comida do lado de fora de casa, para agradar aos espíritos que perambulavam pela terra à noite. Não teria demorado muito até que alguém começasse a se vestir de espírito, pra garantir uma boca livre.

Sou um fantasma. É verdade esse bilete.

Outra especulação vem da idade média. Crianças e adultos com poucos recursos recolhiam alimentos durante o Dia de Todas as Almas, em troca da terceirização da fé. Ou seja, rezar pelos mortos de quem lhes doasse os alimentos. Afinal, rezar não é atividade fim, e tá liberado ceder para a iniciativa privada. Ao longo dos anos, porém, as pessoas trocaram as rezas por música, piadas e outros truques. Parece meio prosaico, mas menhum morto voltou pra reclamar da ausência de suas preces.

Seja como for, a ideia de se fantasiar e trocar doces por travessuras parece divertida. Porém, para que seja ainda mais proveitosa, respeitosamente, sugiro duas pequenas mudanças. A primeira, não se fantasiar. Dá trabalho, é caro, e normalmente as fantasias são quentes, e a gente fica com calor. Então, pode ir de roupa normal mesmo. Em segundo, trocar os doces por whisky. Mas não qualquer whisky. Um whisky temático. Algo que remonte ao sobrentural. Por isso, fiz uma pequena lista de whiskies que – ao contrário de mim – não tem preguiça de se fantasiar no Halloween. Vamos a eles.

É importante mencionar que apenas um dos quatro abaixo está à venda oficialmente no Brasil. Os demais, são pura curiosidade e contemplação.

LMDW Whisky of Mystery – Ben Nevis

Este é um engarrafamento independente, pela La Maison du Whisky – provavelmente a loja com maior variedade de whiskies na Europa, fora do Reino Unido. O whisky tem apenas cinco anos de idade, e foi maturado em barricas de ex-jerez. Porém, tem um perfil intenso frutado, que chega a lembrar maracujá, em alguns momentos.

É curioso que o whisky declara ter sido maturado em “refill sherry butts”, ou seja, barricas de jerez que já foram previamente usadas para maturar whisky antes. O que, pela lógica, indicaria que há pouca influência do vinho em sua maturação. De onde vem estes sabores? Deve ser feitiçaria.

Bowmore No Corners to Hide

Não há muita coisa no vilarejo de Bowmore, exceto pela destilaria homônima, e uma igreja de 1769 com paredes redondas. O templo fora construído desta forma para que o capiroto não tivesse cantos para se esconder. O que se mostrou fortuito, porque, de acordo com o folclore local, o tinhoso efetivamente vistiou o povoado, em 1837, e tentou dessacrar a igreja.

Porém, sem quinas para se esconder, ele foi expulso do local sagrado pelos habitantes de Bowmore, e correu para se esconder na destilaria. A turma até tentou, mas não encontrou o príncipe das trevas, que provavelmente conseguira escapar dentro de um barril de single malt. Dessa história, surgiram algumas edições da Bowmore: O No Corners to Hide, ilustrada por Frank Quietly, e a linha Devil’s Cask.

Tomatin Cu Bocan

Eu sei, a quinta série que vive em mim também não consegue evitar o falso cognato. É até mais engraçado que o tal Mazda Laputa, que foi introdução de uma matéria, há algumas semanas. Mas veja, Cu Bocan não tem nada a ver com os dois pontos extremos do sistema digestivo. Mas é uma expressão em gaélico, que significa “Cachorro Fantasma”.

Cu Bocan é descrito como um cão espectral, preto, com olhos em chamas. Seu papel varia de versão para versão, mas geralmente, ele é um gaurdião de túmulos e locais sagrados. No contexto da Tomatin, é um single malt defumado e mais intenso. As primeiras versões, inclusive, tinham o cãozinho espectral a-la Donnie Darko desenhado no rótulo.

Johnnie Walker Ghost & Rare

Estes são fantasmas do bem. O “Ghost” no nome não tem nada de sobrenatural. Ele faz referência às destilarias que foram fechadas, mas cujo estoque permaneceu. 1983 foi um ano especialmente bom para isso. Port Ellen e Brora – duas destilarias extremamente cobiçadas atualmente – deixaram de funcionar.

Uma década e muito depois, a Diageo, sua proprietária, resolveu lançar uma série de whiskies homenageando tais raridades. Daí surgiu a linha Ghost & Rare, que conta com um blends com base em Port Ellen, Brora e Glenury Royal. Dos whiskies citados, é o único que chegou oficialmente ao Brasil.

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