Prophet in Plain Clothes

Dizem que, na Austrália, tudo quer matar você. Há exemplos bem conhecidos, como a cobra taipan-do-interior e a aranha-teia-de-funil. Animais sorrateiros, mas de aspecto claramente pernicioso. O que é ótimo. Afinal, ninguém vai sentir uma vontade irresistível de fazer carinho na cobra (segura a quinta série) e levar um bote, ou colocar o dedo na aranha (hoje eu estou incontrolável) para morrer de paralisia e falência cardiorrespiratória em poucos minutos.

O mesmo, porém, não pode ser dito de um bicho que, recentemente, viralizou no Instagram: o polvo-de-anéis-azuis. Um molusquinho simpático, com apenas vinte centímetros, cujo corpo é coberto por — adivinhem só — pequenos círculos azul-elétrico. É tipo um mini-polvo que decidiu usar um vestido de bolinhas meio steampunk.

Apesar do carisma involuntário, o tal polvo é extremamente venenoso. Sua toxina, semelhante à do baiacu, pode, hipoteticamente, matar até vinte homens. O veneno é inoculado por uma mordida praticamente indolor, e não há antídoto conhecido. Por sorte, esses bichinhos não são agressivos — ainda que (como todo mundo) não gostem de ser pentelhados.

Que bonitinho, ai, morri

Se tivesse que comparar o polvo-de-anéis-azuis com um ingrediente da coquetelaria, escolheria, sem dúvida, a Fernet-Branca. Ao contrário de um mezcal, um rum overproof ou um whisky mais turfado do que a Cidade de Dis, a Fernet parece inofensiva. Mas, se não for usada com cautela e respeito, é capaz de obliterar suas papilas gustativas em poucos minutos.

Diferente do veneno do polvo, porém, a Fernet-Branca tem antídoto: algum ingrediente igualmente potente, capaz de equilibrá-la e ressaltar seu frescor e amargor. Como, por exemplo, um whisky defumado. É exatamente isso que faz o Prophet in Plain Clothes, coquetel criado por Kraig Rovensky, do bar Life on Mars, em Seattle.

De acordo com Kraig, o nome — que pode ser traduzido como “profeta em roupas simples” — faz alusão direta à Fernet, que “guarda intimamente sua mensagem gloriosa”. “Você precisa harmonizá-la com outro destilado ou sabor intenso, algo que a amacie”. Por isso, ele recomenda o uso de Laphroaig 10 anos no coquetel. O que, claro, não é uma regra — apenas uma sugestão.

Durante a pesquisa para esta matéria, encontrei pelo menos seis versões diferentes da receita, e nenhuma delas repetia o scotch recomendado. Thorabhaig, Lagavulin 8, Laphroaig 10 e Islay Mist foram algumas das escolhas, o que deixa claro que não há consenso sobre o whisky ideal. Tampouco sobre o amaro: a maioria sugere Amaro Montenegro, embora a receita original de Rovensky peça Amaro Cinpatrazzo.

Cinpatrazzo

Na verdade, o Prophet in Plain Clothes é um daqueles drinks que permitem infinitas variações, trocando o scotch, o vermute ou o amaro. O charme está justamente no mix and match. O único pilar inegociável é a Fernet-Branca. O coquetel é construído ao redor dela. Então, usem seus tentáculos para tomar nota deste, que é um dos mais coquetéis mais deliciosamente traiçoeiros a figurar nestas páginas caninas.

PROPHET IN PLAIN CLOTHES

INGREDIENTES

  • 30ml whisky turfado (este Cão fez com Laphroaig 10. Sério, façam com o que tiverem à mão)
  • 30ml Fernet Branca
  • 30ml vermute tinto
  • 15ml Amaro (a maioria das receitas pede Lucano)
  • parafernália para misturar
  • taça coupe

PREPARO

  1. Adicione todos os ingredientes em um mixing glass com bastante gelo
  2. mexa até ficar gelado (tem sido difícil, ultimamente…) e verta em uma taça coupe
  3. decore com uma maraschino, se estiver se sentindo sofisticado.

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