Method and Madness Single Pot Still

Esses dias sonhei que tinha ido a uma festa, de pijama. Caso você não tenha se atentado ao artigo, deixe-me ressaltá-lo. Não uma festa do pijama, o que já seria bem estranho na minha idade. Mas uma festa convencional, só que vestindo um pijama. Aliás, um desses bem clássico, listradinho, com um calção azul marinho.

No sonho, eu parecia ser o único ciente de que estava com roupa de dormir. O que, independente da opinião alheia, me dava bastante vergonha. Tentava me convencer que podia ser pior. Que eu podia estar fantasiado. Fantasiado de frentista de filme pornô ou de Barney – o dos Flintsones, claro, não o Stinson. Mas aquilo não adiantava. É uma espécie de sentimento de reluzente inadequação.

Fiquei pensando, depois, como seria se isso acontecesse no mundo real. Se eu fosse de pijama pro trabalho, por exemplo. Imagino que as pessoas me mandariam para casa, ou me dariam algo pra vestir. Ou secretamente tirariam fotos para postar nas redes sociais. Ou, talvez, me respeitassem. Eu estaria lá, vestido confortavelmente para desafiar tradições e mostrar que eu poderia ser melhor usando pijamas.

Se elas podem, eu posso.

Talvez o pessoal da destilaria irlandesa Midleton tenha sonhado isso também. Ou talvez tenham simplesmente decidido, após uma noite bem dormida, desafiar tradições. Porque acabaram de lançar um Irish Whiskey que não é finalizado em barricas de carvalho europeu de ex-jerez. Nem ex-porto. Tampouco em carvalho americano de ex-bourbon. Ou carvalho virgem. Ou simplesmente carvalho. Ele é finalizado em (preparem-se para o choque) barricas de castanheira.

Convenientemente batizado de Method & Madness Single Pot Still, o whiskey é maturado em uma combinação de barricas de carvalho que antes contiveram vinho jerez e bourbon, para ser finalizado, por um período não divulgado, em barricas de castanheira (french chestnut, em inglês, mas para uma tradução mais exata para nós, castanha portuguesa).

Talvez você esteja em dúvida sobre o conceito. Então deixe-me abrir um parêntesis proveribal para explicar. Whiskeys irlandeses single pot still são diferentes de single malts. A denominação indica que o whisky foi destilado em alambiques de cobre, à moda dos maltes. Porém, cevada maltada e não maltada foi utilizada em sua receita – ao contrário do que seria um single malt, que utiliza apenas cevada maltada.

De volta ao Method & Madness Single Pot Still. Nas palavras da destilaria “Method & Madness (Método e Loucura) é uma marca de whiskey nascida das mentes dos mestres e aprendizes na Midleton. (…) Quando mentes colidem, criações incríveis podem surgir (…). Haverá tentativas, erros e brilhantes avanços engarrafados, que nasceram da indagação “e se?”. (…). A inovação não é novidade para o Midleton, mas a nova microdestilaria forneceu a tela de cobre para a livre experimentação. Os whiskeys que saem deste playground de destiladores proporcionam um novo sabor da história do Irish Whiskey.

Alguns whiskeys da linha Method & Madness

E sobre o lançamento  “Um single pot still maturado em barricas de castanha, uma combinação daquilo que sempre fizemos na Midleton, e o que nunca havíamos tentado antes. Não é sempre que desviamos do tradicional carvalho, mas uma pequena bebericada sugere que este desvio valeu a pena”. Aliás, a linha Method & Madness é consistente com o conceito

O Method & Madness Single Pot Still é um whisky picante, com aroma de amêndoas (ou serão castanhas?), e levemente floral. Ao experimentá-lo, me peguei em mais de um momento tentando separar, em minha cabeça, o que seria influência do tradicional carvalho e qual teria sido a contribuição da castanheira para o whiskey.

Imagino que a graça seja justamente essa. A curiosidade e a indagação. Seja como for, o Method & Madness Single Pot Still é um whiskey interessantíssimo, que vale a pena ser experimentado. E – vá por mim, eu testei – ele fica ainda melhor se você estiver usando pijamas.

METHOD & MADNESS SINGLE POT STILL IRISH WHISKEY

Tipo: Irish Whiskey

Destilaria: Midleton

País: Irlanda

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: Amêndoas, floral, grama.

Sabor: Picante, com mais amêndoas (castanhas?), e um final leve de alcaçuz, bastante picante.

12 thoughts on “Method and Madness Single Pot Still

  1. Muito boas as dicas, comentarios e conceitos desse blog. Casualmente apareceu na minha TL do Facebook e passei a acompanhar, visto que gosto muito de whisky e bourbon. Obrigado e boas doses para nós.

  2. Prezado Maurício,

    Antes de tudo, agradeço a dica e a boa notícia. Aprovei a moderada iconoclastia ao adotar madeira distinta do carvalho sem que esta tenha características tão distintas. Danado se fosse umburana.
    Sua percepção em relação ao sabor é confirmada pelas diferenças que a castanheira apresenta em relação ao carvalho, pois as substâncias associadas aos taninos conferem maior acidez e maior participação de açucares solúveis.

    1. Caro Sócrates, seus comentários são sempre muito bem vindos por aqui.

      Fiquei confuso sobre a castanheira. Recentemente participei de um curso da ESALQ sobre maturação de diferentes bebidas em madeiras. Havia no material uma tabela mostrando as diferenças entre as madeiras, e quais impactam mais ou menos no sabor do destilado (devido à porosidade ou à capacidade de transferencia de açúcares, ésteres, fenóis etc.). E a castanheira estava lá entre uma das mais neutras, que menos impacta no sensorial. Porém, eu peguei claramente a castanha e o alcaçuz com essa maturação. Deve estar ligado à torra/tosta, talvez.

      1. Caro Maurício,
        Jovem, me embriagava com cerveja. E nacional. Quando o porre passava lia uns trecos. Me deparei um tal de Charles Sanders Peirce. Uma das mentes mais brilhantes que esse nada nos ofereceu e ninguém reconhece.
        Bom, vamos ao que interessa. Até hoje ninguém se interessou pela castanheira para envelhecer (envelhecer…) nenhuma bebida, nem mesmo cerveja. Fazer móvel, curtir couro e envelhecer vinagre não se discute. Os iconoclastas irlandeses, sabiamente, apenas utilizaram para finalização. Se vivo, Peirce diria sem ter feito pesquisa ou tese acadêmica, “foi só pra dar um ‘toque’ “. Não por outro motivo as melhores cachaças são aquelas onde ela não se apresenta nua, por mais gostosa que seja, mas que nos exija retirar véu sobre véu da linda odalisca, e no final ficar com a sensação que não a enxerga plenamente.

  3. Prezado Maurício,

    Antes de tudo, agradeço a dica e a boa notícia. Aprovei a moderada iconoclastia ao adotar madeira distinta do carvalho sem que esta tenha características tão distintas. Danado se fosse umburana.
    Sua percepção em relação ao sabor é confirmada pelas diferenças que a castanheira apresenta em relação ao carvalho, pois as substâncias associadas aos taninos da castanheira conferem maior acidez e maior participação de açucares solúveis.

  4. Caro Maurício,

    Acho altamente improvável a neutralidade da castanheira, caso estejamos nos referindo à mesma criatura, pois a capacidade de transferir substâncias ativas é inquestionável (da minha castanheira kkkk) a ponto de utilizada na curtição de couro de boa qualidade. Há, entretanto, enorme diferença com o passar dos anos. Uma castanheira com sua idade possui determinadas características. Uma com a minha, outras distintas. Certamente os irlandeses escolheram o que é mais apropriado. Essa madeira é conhecida há séculos e qualquer europeu sabe em que estágio deve maturar whiskey, vinagre balsâmico, preparar sola de sapato ou viga de telhado.

    1. Sócrates, também acho. Na verdade, estranhei a nota proeminente de castanheira, dada a anunciada neutralidade da madeira. Mas faz sentido – há castanheiras e castanheiras. O tempo (aka idade) deve influenciar na porosidade da madeira e na sua capacidade de transferir sabores e aromas. Além, claro, do fato de que diferentes niveis de tosta podem surtir diferentes efeitos.

  5. Como vai, mestre? A utilização da cevada não maltada interfere muito nas características do whisky? É impressionante como a madeira possui a capacidade de transferir elementos para o destilado e realmente a graça, talvez, seja exatamente esta: imaginar qual seria a influencia da castanheira em relação ao carvalho tradicional.

    Abraço!

    1. Mestre, interfere em termos. O processo de liberação dos açúcares é diferente – uma torra substitui a malteação. Mas isso é bem comum lá na Irlanda. Todos os pot still são assim. Historicamente para eles faz sentido.

      A brincadeira é justamente saber o que é o carvalho e o que é a castanheira 🙂

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