Yamazaki Golden Promise – Gamma Ray

Invisível, traiçoeira e carcinogênica. Essa é a radiação gama. De forma – não muito – simplificada, são fotons que normalmente resultam de eventos cósmicos violentos como explosões estelares e desintegração nuclear. É a faixa mais curta do espectro eletromagnético, e capaz de atravessar a maioria da matéria. No mundo real, exposição a estes raios geralmente tem consequências pouco agradáveis. Como leucemia, malenoma, linfoma e retinoblastoma – que é um cancer que afeta as células retinianas e me dá um troço só de pensar, porque tenho uma aflição gigante de tudo que envolve olho. A ficção, porém, tem um talento peculiar para converter os mais sinistros agentes da realidade em bênçãos. Bruce Banner, por exemplo, do universo da Marvel. Antes um físico brilhante, recebeu uma dose cavalar de radiação durante um teste militar. Mas ao invés de ter seus órgãos liquefeitos, transformou-se num colosso esverdeado com força sobre-humana. E cujo temperamento se beneficiaria muito de uma receita irrestrita de fluvoxamina e alprazolam. Há um único caso que conheço na qual a realidade imitou a ficção. No fim da década de 1950, cientistas do Reino Unido submeteram sementes de cevada à exposição controlada de radiação gama para induzir mutações benéficas. O resultado […]

Suntory Toki – Inversão

Quando em 13 de Novembro de 1940 as luzes do Broadway Theatre se acenderam depois da primeira exibição pública de Fantasia, não houve qualquer ovação. O filme, com sua mistura de animação e música clássica, deixou o público atônito. Aqueles, que poucas horas antes se acomodaram nas belas cadeiras avermelhadas do cinema, esperavam uma experiência bem mais convencional do que tiveram. Algo na linha de Branca de Neve e os Sete Anões. Ou Pinóquio. Algo com diálogos. Com diálogos e cronologia. Com diálogos, cronologia e narrativa. Três coisas que Fantasia não tem. Mas o que ele tinha era música. Aliás, muita música. Tanto que a Disney desenvolveu uma tecnologia nova, toda própria, para o filme, chamada Fantasound. Um precursor do sistema surround, com faixas de som diferentes para cada instrumento, com o objetivo de envolver a platéia ao máximo na experiência musical. De fato, Fantasia era um filme quase experimental. Ainda que tivesse personagens – em alguns trechos – os protagonistas não apareciam na tela, ainda que estivessem presentes em cem por cento do tempo do filme. Eram, justamente, obras clássicas de compositores como Stravinsky – que, diga-se de passagem, era também um entusiasta do whisky – Bach e Beethoven. […]

Suntory Hibiki 21 – Escassez

For Relaxing Times, make it a Suntory Time. Quando assisti Encontros e Desencontros da Sofia Coppolla pela primeira vez, nem conhecia whisky direito, mas achei a referência engraçada. O filme explorava justamente a sensação de estranhamento, alienação e isolamento entre as pessoas. Relações, aliás, realçadas pela sensação de distanciamento cultural do Japão. E nada melhor para potencializar este estranhamento do que whisky. Em 2003, o whisky japonês estava longe da febre que é atualmente – e eu tinha apenas dezoito anos. E um ficcional ator decadente americano estrelando um comercial para um produto que parecia tão desconectado daquele país quanto ele próprio era uma analogia genial. O que eu não sabia, no entanto, é que o whisky japonês era excepcional. Um dos exemplos mais claros é o premiadíssimo Suntory Hibiki 21 anos – aliás, o irmão mais velho do whisky que aparece no filme. O Hibiki 21 anos é um blended whisky cujo coração é o single malt Yamazaki, e que leva whiskies das destilarias Hakushu – single malt – e Chita – grain whisky. Whiskies, estes, maturados em barricas de carvalho americano, europeu e japonês – o famoso Mizunara. O blend foi lançado em 1994, cinco anos após a […]

Suntory Hakushu 18 Peated 100th Anniversary Edition

Não sabendo que era impossível, foi lá e soube. Mas é a vida, sem lutas, não há derrotas. E se destacar em algo nem é bom assim. Pense, por exemplo, no prego. Prego que se destaca, é martelado. É melhor mesmo permanecer na zona de conforto. Empreender é isto: o passado não pode ser mudado, mas o futuro tem toda chance de ser um enorme fracasso. Afinal, são os sonhos que antecedem os fracassos. E quanto maior, mais chance de se lascar. A dimensão do sonho de certo Shinjiro Torii, há um século, era daquelas capazes de um tsunami de derrotas. Torii era um desses empreendedores destemidos, à la Richard Branson, só que mais baixo e com um cabelo mais comportado. Ele possuía uma empresa de produtos farmacêuticos, e também uma importadora de vinhos fortificados – a Akadama Sweet Wine. Mas seu verdadeiro sonho era criar o primeiro whisky genuinamente japonês. Os detalhes de como Torii deu os passos iniciais em direção ao abismo, digo, à criação da primeira destilaria japonesa, são enevoados. Porém, em 1923, com o auxílio de um certo Masataka Taketsuru, a Suntory nasceu na convergência dos rios Katsura, Uji e Kizu. Era a primeira destilaria japonesa, […]

Suntory Yamazaki 18 anos 100th Anniversary Edition

Se você quer aparecer, coloca uma melancia na cabeça e sai na rua – repetiu uma mãe para uma criança, que fazia escândalo na minha frente, no supermercado. Não sei o que me deu, mas completei baixinho “ainda mais se for uma Densuke“. A mulher ouviu, e me olhou numa mistura de ódio e intriga. Abanei a cabeça – “tô pensando alto, falando sozinho, desculpa“. Ela bufou e virou pra frente de novo. Não expliquei. Mas uma das frutas mais raras e caras do mundo é a melancia Densuke japonesa. Ela cresce somente na ilha de Hokkaido – ao norte do Japão – e tem sua casca completamente preta. O sabor é descrito como mais adocicado do que da melancia comum, e com menos caroços. Exceto por essa diferença marginal, a Densuke é uma melancia como qualquer outra. Exceto pelo preço. Uma Densuke custa em torno de mil e quinhentos reais, mais ou menos, ainda que em 2008 uma bem grande tenha saído por seis mil dólares! O Japão tem todo um fascínio por matérias primas caras e raras. Melancias quadradas também são produzidas lá, assim como morangos do tamanho de bolas de tênis. Isso sem falar do baiacu, cuja […]

Hakushu Distiller’s Reserve – Schadenfreude

Eu acho engraçado como algumas línguas tem umas palavras super específicas. Alemão, por exemplo, tem duas que eu amo, e que – brilhantemente, na minha opinião – se ligam ao sentimento de culpa. A primeira é Drachenfutter. Drachenfutter define, de uma forma incrivelmente sucinta para um germânico, aquele presentinho safado que a gente dá pro companheiro ou companheira depois de fazer alguma besteirinha inocente. Tipo – e os exemplos aqui são totalmente fictícios – esquecer o aniversário de relacionamento, ter uma crise histérica durante alguma discussão ou chegar em casa miando e se arrastando como um leão marinho de tão bêbado às duas da manhã. A outra é Schadenfreude. Que é mais ou menos o resumo de nosso ditado popular, que pimenta no orifício inferior dos outros é refresco. A palavra deriva de “shaden” (dano) e “freude” (felicidade). Literalmente, Schadenfreude é o prazer que sentimos em ver os outros se ferrando, na forma mais pura, cristalina e pouco egregiamente deliciosa. Como, por exemplo, quando você vê o brilho nos olhos da mocinha do aeroporto, ao dizer que seu vôo foi cancelado e reagendado pro dia seguinte, mas ela vai te acomodar no melhor quarto do hotel ao lado do aeroporto. […]

Yamazaki Distiller’s Reserve – Confinamento

Tempo. Tempo é a coisa mais importante do mundo, de acordo com o lugar comum. Também é a essência de nossa existência, ou, para parafrasear Borges, é a substância da qual todos nós somos feitos. Ter pouco tempo a disposição é terrível, ainda que seja algo bem comum em nossa rotina. E, na maioria das vezes, ter bastante tempo – aquele, para contemplar as nuances de um bom whisky enquanto seu pescoço se encaixa suavemente naquela deformação do sofá criada pelo tempo, por exemplo – é uma dádiva. Mas, nem sempre. Ontem, por exemplo, me vi numa situação sui generis. A de ter bastante tempo, mas não poder disfrutar como deveria. Sui generis e um pouco claustrofóbica. Tudo começou como deveria. O interfone tocou, avisando da chegada de alguma encomenda feita pela cã nessas lojas chinesas de gadgets inúteis. Desci até a portaria, resgatei o pequeno pacote com etiquetas em mandarim e entrei no elevador. Foi quando notei que estava sem meu celular. Tudo bem. A porta fechou vagarosamente, meio à la twilght zone. Senti que havia algo de errado, mas, já era tarde para qualquer reação. O elevador começou a subir lentamente – talvez não lentamente, mas eu estava […]

Sobre as novas regras do whisky Japonês

Portugal e Japão possuem uma ligação muito mais profunda do que se imagina. Os portugueses foram o primeiro povo ocidental a ter contato e travar relações comerciais com os japoneses. E como qualquer contato, dali surgiram curiosas influências para os dois lados. Os portugueseses herdaram algumas palavras do vocabulário nipônico, como, por exemplo, catana e biombo. Já os japoneses passaram a utilizar uma série de palavras de origem portuguesa, adaptadas para a sonoridade de sua língua. Por exemplo, pan, koppu, tabako e arkoru – que seu poder de dedução etimológico já deve ter indicado que são respectivamente pão, copo, tabaco e álcool. Aliás, uma combinação de palavras que demonstrava que havia também certa afinidade entre as culturas quando o assunto era estabelecer prioridades e se divertir. Na verdade, a cultura japonesa possui uma característica belíssima. Essa, de incorporar elementos de outras culturas, e transmutá-las em algo essencialmente japonês. O Tempurá – sim, a fritura – é um exemplo. Os japoneses não conheciam a técnica até a chegada dos portugueses. E, claro, o whisky. O Whisky no Japão possui aproximadamente um século de idade. A técnica foi aprendida com os escoceses, mas o líquido japonês já possui uma identidade toda própria. […]

Suntory Yamazaki 12 anos II – 2020

Essa é a segunda prova do Yamazaki 12 anos neste blog. A primeira foi escrita em 2015 (leia a original aqui). Porém, devido à volta deste desejado rótulo às nossas terras, resolvemos revisitá-lo e fazer uma prova completamente nova. Se você tem um iPhone, abra seu teclado e procure o emoji de onda. Observe com atenção e deixe-me explicar porque esta imagem lhe parece tão familiar. O desenho é baseado em uma obra de arte clássica japonesa do período Edo. A Grande Onda de Kanagawa, uma xilogravura do artista Katsushika Hokusai – parte de sua icônica série de trinta e seis vistas do monte Fuji. Ela é provavelmente a obra de arte mais reproduzida do mundo. Está em muros, sapatos, camisetas, carteiras e até mesmo emojis. Ao longo dos séculos, a obra de Hokusai influenciou grupos e movimentos inteiros da arte. Como a Ar Nouveau, o Simbolismo, os Nabis e os pós-impressionistas. Suas xilogravuras trouxeram a noção de que a pintura é algo bidimensional. A ilusão de profundidade – quando há – é dada somente pela cor. Uma técnica tão importante que foi usada tanto por artistas tradicionalistas, como os primitivos italianos, quanto por ícones da arte moderna, como David […]

Suntory Hibiki Japanese Harmony – Devoção

“Continuarei tentando subir até atingir o topo, ainda que ninguém saiba onde o topo é”. A frase é do nonagenário Jiro Ono, protagonista de um documentário que recentemente assisti na Amazon: Jiro Dreams of Sushi. Jiro é o proprietário e chef de um restaurante que serve apenas sushi, chamado Sukiyasbashi Jiro. O espaço, de apenas dez lugares, manteve de 2007 a 2019 uma avaliação de três estrelas pelo Guia Michelin – a premiação máxima. Em 2019 o Sukiyasbashi Jiro perdeu suas estrelas. Mas não por demérito. Mas porque ficou tão famoso que deixou de abrir reservas para o público em geral. O documentário, lançado em 2012, mostra o cristalino devotamento do chef por sua ocupação. Jiro obceca sobre o posicionamento das esteiras em seu balcão e aponta onde cada cliente deve sentar. Jiro massageia cada polvo por no mínimo quarenta e cinco minutos, para tornar as peças mais suculentas. Jiro sabe a exata história de cada peça consumida em seu estabelecimento, e observa com diligência seus comensais – um piscar de olhos mais prolongado talvez seja sinal de que algo mudou. Jiro nasceu para fazer sushi. Seu sucesso é quase uma extensão natural de si. É algo que, de certa […]