![](https://ocaoengarrafado.com.br/wp-content/uploads/2024/11/suntory-toki-2-4355-1024x682.jpg)
Quando em 13 de Novembro de 1940 as luzes do Broadway Theatre se acenderam depois da primeira exibição pública de Fantasia, não houve qualquer ovação. O filme, com sua mistura de animação e música clássica, deixou o público atônito. Aqueles, que poucas horas antes se acomodaram nas belas cadeiras avermelhadas do cinema, esperavam uma experiência bem mais convencional do que tiveram. Algo na linha de Branca de Neve e os Sete Anões. Ou Pinóquio.
Algo com diálogos. Com diálogos e cronologia. Com diálogos, cronologia e narrativa. Três coisas que Fantasia não tem. Mas o que ele tinha era música. Aliás, muita música. Tanto que a Disney desenvolveu uma tecnologia nova, toda própria, para o filme, chamada Fantasound. Um precursor do sistema surround, com faixas de som diferentes para cada instrumento, com o objetivo de envolver a platéia ao máximo na experiência musical.
De fato, Fantasia era um filme quase experimental. Ainda que tivesse personagens – em alguns trechos – os protagonistas não apareciam na tela, ainda que estivessem presentes em cem por cento do tempo do filme. Eram, justamente, obras clássicas de compositores como Stravinsky – que, diga-se de passagem, era também um entusiasta do whisky – Bach e Beethoven. Fantasia invertera a lógica do cinema, colocando a música como personagem principal. Todo resto, literalmente, se movimentava em seu ritmo.
Fantasia é, de certa forma, como o Suntory Toki – um blended whisky que inverte a lógica de equilíbrio dos whiskies. Nele, é o whisky de grão que traz o perfil sensorial e personalidade. Os single malts fazem apenas um papel secundário, de base. Para explicar isso melhor para aqueles que não sabem, devo fazer um arco de dois parágrafos. Se você já conhece a teoria de construção de blends, pode ir direto para o trecho logo acima da foto das colunas de Chita, a seguir. Ou fique aqui comigo, apenas para fins recreativos.
Blended whiskies são uma mistura de single grains e single malts. Pela lógica normal, single grains são mais leves e delicados, e funcionam como uma base, uma tela em branco, na qual o master blender ira “pintar” seu whisky, com os single malts. Normalmente, são os single malts que trazem personalidade e profundidade. O single grain contribui apenas com leveza, dulçor e drinkability.
A maioria dos blends é assim. Para fins didáticos, vamos falar do Chivas 13, por exemplo. O grain whisky usado no Chivas 13 é Strathclyde – leve, aromático e volátil. Ele serve de base, para que o time de blenders da Chivas adicione alguns maltes bem conhecidos, como Longmorn, Strathisla e Glen Keith. Longmorn traz fruado, Strathisla, floral, e assim por diante. O grain whisky, Strathclyde, contribui pouco para o sabor, mas muito para textura, e serve de fundação para erguer o whisky. É natural, porque single malts tendem a ser mais oleosos e intensos que single grains.
O Suntory Toki, entretanto, inverte essa lógica. A base é dada por uma porção de Hakushu Single Malt, extremamente leve e herbal, com um leve toque de Yamazaki maturado em barris de carvalho europeu. Mas a parte que realmente define a personalidade do Toki é um single grain – The Chita. Isso é possível graças à versatilidade da destilaria, que consegue produzir single grains com diferentes oleosidades. O usado no Toki é o mais oleoso. Mas vou deixar o resto do papo técnico para o rodapé deste post*.
O resultado é um blended whisky leve, aromático, com perfil sensorial agradável para se beber puro, mas perfeito para ser usado em coquetéis sofisticados – ou mesmo em Highballs. Colocando o grain whisky na linha de frente, o Toki garante drinkability e versatilidade.
É a primeira vez que o Toki aparece no Brasil. Ele começa a ser vendido no centro-oeste, antes de expandir para outras praças. É uma estratégia consciente da Suntory, considerando que o Suntory The Chita poderia ter seu volume de vendas atingido com a chegada do meio-irmão, que compartilha de seu perfil sensorial – ainda que o momento de consumo seja distinto. Um, é um single grain feito mais para se beber puro ou com água. O outro, tem como vocação, inegável, a coquetelaria.
É que originalmente, o Toki fora lançado para o mercado americano – e aos poucos foi se internacionalizando. O protagonista no Japão permaneceria o Kakubin. A ideia da Suntory era, justamente, dividir para conquistar. Com dois blends diferentes, criados para perfis de público diferentes, parecia mais fácil abocanhar uma maior fatia do mercado sem comprometer a produção. Com o tempo, porém, a Suntory flexibilizou a divisão. E, atualmente, há uma onda de Highballs com Toki mesmo em seu país natal.
O que importa, entretanto, é que o Suntory Toki é um blend com qualidade sensorial e produtiva excelentes para sua faixa de preço. É quase um filme que se baseia apenas na melodia. Tanto no copo quanto na tela, a magia está no equilíbrio inesperado entre os elementos, e no prazer de se deixar surpreender por algo que quebra o padrão.
SUNTORY THE TOKI
Tipo: Blended Whisky
Destilaria: N/A
País: Japão
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: adocicado, coco, mel, caramelo.
Sabor: Coco, baunilha, mel. Leve e aromático, com um certo sabor de levedura no final.
* A The Chita utiliza quatro colunas de destilação para produzir seu new-make. São produzidos três tipos: Heavy, Medium e Light Type. A diferença é o número de colunas usadas no processo. Heavy Type utiliza apenas duas colunas. Mediu type, três. E Light Type usa as quatro colunas. Com isso, a The Chita consegue aumentar sua versatilidade e criar whiskies de grão para whiskies de diferentes perfis sensoriais.