Essa semana estava batendo um papo de bar com um amigo. A certa altura da conversa, ele me disse que, apesar de gostar de ter nascido ser humano, se pudesse escolher, preferia ter vindo a este mundo como cachorro de madame. Vendo meu semblante curioso, ele passou então a enumerar os motivos. Cachorro de madame não precisa pagar conta nenhuma. Além disso, ganha carinho o dia inteiro e – quase – todas as necessidades são supridas sem nem precisar pedir. Tudo que ele precisa fazer é existir.
Quando cheguei em casa, continuei pensando sobre isso. Eu nunca quis ser cachorro de madame. Então resolvi fazer uma lista de prós e contras de encarnar em um canídeo desses. Algumas vantagens são óbvias, sendo que a maior delas é que eu poderia andar nu em qualquer lugar, e ninguém acharia estranho ou me prenderia. E convenhamos, este é um forte ponto positivo.
Mas não podemos olvidar de desvantagens claras. Uma delas é que eu, no melhor dos cenários, tomaria banho duas vezes por semana. E se eu tivesse o azar de encarnar em um Lulu da Pomerânia ou um Yorkshire, que são bem peludos, teria que suportar meu cheiro a vida toda calado. E para piorar, meu olfato seria hiper-mega apurado, então eu viveria uma existência inteira enojado com meu próprio odor.
Mas o pior ponto negativo, de longe, é que eu não escolheria o que comer. Ou pior, comeria sempre o mesmo prato. O que tem pro almoço? Ração. E para o jantar? Ração. Amanhã? Ração também. Eu jamais conseguiria comer sempre a mesma coisa. Ou beber. Uma das únicas exceções a isso, seriam os whiskys da destilaria Jura. Eu facilmente tomaria só Juras pro resto da minha existência malcheirosa.
É que a Jura é uma das destilarias mais polivalentes da Escócia. Todos os whiskys dela são, no mínimo, bons e há um para cada paladar. O Jura Origin é leve e delicado, enquanto o Duriach’s Own, é leve e rico. O Superstition é um pouco defumado e leve, e o Prophecy, bastante defumado e rico. E ainda tem edições limitadas, como o Turas-Mara, que é quase melhor do que andar nu. Mas como é um produto exclusivo de duty-frees estrangeiros, vou me concentrar no meu segundo preferido. O Jura Prophecy.
A destilaria Jura fica localizada na ilha homônima, a oeste da Escócia e ao norte de Islay. A ilha possui somente uma estrada, e a única destilaria é a Jura. Foi nessa ilha que George Orwell escreveu “1984”, um de seus romances mais famosos. A ilha, atualmente, possui apenas pouco mais de duzentos habitantes, sendo que a maioria trabalha na própria destilaria. No entanto, a população de cervos da ilha ultrapassa a marca de cinco mil.
O Prophecy foi batizado em homenagem a um dos mais famosos mitos daquela ilha – a queda do clã Campbell. De acordo com a lenda, em 1700 o clã expulsou da ilha uma profeta que havia previsto que, em um futuro distante, o último Campbell abandonaria a ilha sem um olho, em uma carroça puxada por um cavalo branco. E em 1938, o último membro daquela família teria realmente fugido da ilha, após perder o olho durante a primeira guerra mundial. E seus pertences teriam sido levados em uma carroça puxada por um cavalo branco solitário.
O Jura Prophecy é uma edição limitada anual. Ou seja, apenas um número determinado de garrafas é produzido por ano (em torno de dez mil). Seu malte é secado utilizando um forno abastecido por turfa, em um processo muito semelhante àquele usado pela maioria das destilarias de Islay. Isso confere ao whisky um aroma claramente defumado.
Parte da maturação do Prophecy ocorre em barris fabricados utilizando carvalho da região de Limousin, na França, considerado um dos melhores e mais caros carvalhos do mundo. Depois, o whisky é transferido para grandes barricas que antes maturaram xerez (Oloroso Sherry Butts), onde sofre uma segunda maturação. Após o tempo de “amadurecimento” – que não é revelado pela destilaria – ele é engarrafado com graduação alcoólica de 46%.
O Prophecy ganhou medalha de ouro na International Spirits Challenge de 2013, platina pelo Beverage Testing Institute, em 2012 e prata na Internationa Wine and Spirits Awards, também em 2012.
No Brasil, uma garrafa de Jura Prophecy sai, em média, por R$ 420,00 (quatrocentos e vinte). É a mesma faixa de preço dos Laphroaig 10 anos e Quarter Cask, e do Ardbeg 10 anos, todos single malts com aroma defumado. Escolher um deles é questão somente de preferência. Mas se você for um cachorro de madame, certamente esta não é uma preocupação.
JURA PROPHECY
Tipo: Single Malt sem idade definida
Destilaria: Jura
País/Região: Islands – Hebrides
ABV: 46%
Notas de prova:
Aroma: Defumado e levemente frutado.
Sabor: O sabor acompanha o aroma, mas é mais doce. É mais defumado do que medicinal. Existe um certo sabor de manteiga no fundo, que permanece juntamente com o gosto residual de fumaça.
Com água: A água torna tudo ainda mais doce. O sabor defumado fica menos evidente, e os demais sabores se sobressaem.
Preço: em torno de R$ 420,00
Boa tarde, cão!
Ainda mantém sua opinião sobre os Jura?
Pergunto, porque é um post antigo e vejo ou leio muita gente falando mal dos Jura, o que, para mim, parece injustiça.
Melhores cumprimentos,
Mestre, sim. As pessoas são duras em relação aos Jura de entrada, por serem whiskies delicados e um pouquinho monotemáticos. Mas a destilaria é incrivelmente versátil!
Sei lá, acho que se um dia eu for comprar um Jura será o Seven Wood, mas por agora me contento em ir tomar uma boa dose do The Balvenie 14 Anos Caribbean Cask, que delícia hehe!