Ballantine’s Finest – Procrastinação

Se você é um novo leitor do Cão Engarrafado, ou chegou aqui pela primeira vez por meio de alguma ferramenta de busca, talvez não saiba. Então, vou contar novamente. Sou advogado. Trabalhei por uma boa década no mundo corporativo. Minha especialidade era mercado de capitais. Uma área que proporciona oportunidades incríveis para seus profissionais. Como, por exemplo, assistir o  crepúsculo e aurora pela janela de sua sala, enquanto revê duzentas páginas de um prospecto de uma emissão primária de ações de alguma companhia de maçãs. Quase tudo em mercado de capitais demorava bastante, mas deveria ser feito muito rapidamente. O que levava a intermináveis jornadas de trabalho, noites em claro e todo tipo de delivery. Mas duas das atividades mais infernais e intermináveis eram conhecidas como Back-up e Circle-up. Para evitar que você, querido leitor, morra de tédio, explicarei apenas brevemente. Back-up e Circle-up eram normalmente realizados simultaneamente, por um único advogado, e consistiam em circular, manualmente, todas as informações que deveriam mais tarde ser confirmadas, e numerá-las. De um a mil novecentos e alguma coisa, num documento de quase trezentas páginas. Duas vezes, uma pra cada. Quando abandonei o mercado de capitais, voltei a contemplar o prazer de uma noite […]

Especial Dia do Bartender – Boardwalk Empire

Hoje é dia do bartender. Uma das figuras mais importantes de toda a indústria da bebida. Bartender é muito mais do que a pessoa que prepara seu gim-tônica ou negroni. O bartender é a mão visível da inovação etílica. Os porta-vozes das tendências nos bares e – por que não – em casa. Atrás do balcão, o bartender é um ser iluminado e multidisciplinar. Ele consegue sorrir educadamente para sua grosseria enquanto prepara algum coquetel com o esmero de um apotecário. Para ele, “me vê um gim-tônica” é uma resposta mais comum do que “tudo, e você” para a pergunta “Boa noite, como vai“. É capaz de demonstrar interesse, independente da quantidade de álcool que você ingeriu, e das proporções gargantuais da abobrinha que você disser. Por dentro, o bartender é quase um dry-shake. É aquele que tem vontade de quebrar o mixing glass na sua cabeça quando você pede para ele te surpreender (bem, ninguém especificou que seria uma surpresa agradável). E que se imagina cortando sua jugular com um golpe certeiro da pá de gelo, toda vez que você pede seu coquetel menos gelado. Que assiste, em seu teatro mental, sua vida vagarosamente se esvaindo de seus olhos, quando você […]

Sobrevivência – Chivas Regal 12 anos

Admiro pessoas determinadas a sobreviver. Esses, que atravessam quaisquer revezes, graças à sua inabalável resiliência. E nem estou falando de profissionais, como o Bear Grylls. Porque claro, tudo que você espera do Bear Grylls é mesmo que ele coma uma lesma nojenta, durma dentro de um camelo morto, beba xixi e todas essas coisas asquerosas, afinal essa é a profissão dele. Ninguém assiste o programa dele pra vê-lo tomando um vin de table ao lado da Tour Eiffel, né? Me refiro aos amadores mesmo. Aqueles que de seus débeis e muitas vezes mutilados corpos conseguiram extrair uma força sobre-humana apenas para passar mais alguns anos nesse nosso medíocre mundo. Como, por exemplo, a Juliane Koepcke. A Juliane Koepcke foi a única sobrevivente do vôo 508 da LANSA. O avião dela foi atingido por um raio e se desintegrou no meio do ar. A Juliane, presa em sua cadeira, foi lançada de uma altura de três mil metros sobre a floresta peruana. Incrivelmente, Juliane sobreviveu à queda, mas com uma das clavículas quebradas e gravemente ferida. Praticamente rastejando, e alimentando-se de um saquinho de balinhas – a única comida que tinha – Juliane encontrou um riacho. Seu braço estava infeccionado e […]

Irmão do Meio – Glenlivet 15 anos

Sou filho único. O que, para falar a verdade, não quer dizer muita coisa. Crescer sem irmãos não significa que tenha conseguido tudo que quero. Nem que seja mimado ou estragado, e tampouco egoísta. Quer dizer, exceto com comida. Comida é algo realmente difícil de dividir. Ser filho único, porém, significa que tive que responder mais de um sem fim de vezes a clássica indagação. Se eu não sinto falta de ter irmãos. E minha resposta, desde a mais tenra idade, sempre foi a mesma. É claro que não, afinal, não poderia sentir falta de algo que nunca tive. Minha mãe, no entanto, possui irmãos. E ela está na pior posição possível. Ela é a irmã do meio. O que, para ela, significava ter as refeições roubadas pelo irmão mais velho enquanto era solenemente ignorada pelos pais, em favor do irmão mais novo. Significava não ter idade para fazer algumas coisas que o primogênito fazia, mas ser velha demais para se envolver com as atividades de criancinha do caçula. Segundo ela, galgar espaço como a irmã do meio não era nada, nada fácil. Relembrei disso ao experimentar novamente, após bastante tempo, o Glenlivet 15 anos. O Glenlivet 15 é a expressão […]

Chivas 18 Tasting ou Como Ajudar Bebendo

O Instagram é um aplicativo interessante. Porque, apesar da infinidade de possibilidades que o aplicativo oferece, a maioria de nós – eu incluído – colocamos sempre as mesmas coisas. O Instagram é a prova que nossa vida é uma chatice, na verdade. Fotos do look do dia, do pé na piscina, da esteira na academia. Fotos com filtro usando a hashtag nofilter. Imagens de carros que não temos – ou pior, que às vezes temos – ou selfies na cama, como se tivéssemos acabado de acordar. Nossos bichos de estimação, nossa mesa de trabalho e nosso almoço. Ah, nosso almoço. Esse merece uma atenção especial. Porque, pra falar a verdade, exceto se for a foto de um filé de hadoque albino que viveu nas águas de degelo da Noruega, grelhado por um macaco prego com um curioso talento culinário, bem, há grandes chances de eu não me importar com o que você está comendo. Mas minhas fotos preferidas – e aqui tenho uma grande parcela de culpa – são as de bebida. As vezes tenho essa estranha compulsão de, além de beber, me ver na inconveniente obrigação de compartilhar aquilo que está no meu copo com aqueles desafortunados que me seguem. Mas […]

Das Lacunas – Ballantine’s 17 anos

  Do que você gosta? Imagino que whisky seja uma resposta óbvia, já que está lendo este blog. Mas quais seus outros interesses? Muitas vezes por aqui já disse que cultura é sempre bom, cultura nunca é demais. Mas como todo ser humano, às vezes não sigo o que penso. Há assuntos que – talvez por preconceito, talvez por preguiça – definitivamente não me interessam. Sou incapaz de falar sobre novelas. A última que assisti foi Rei do Gado. Não tenho a menor condição de conversar sobre moda feminina, e os dois ou três nomes famosos que memorizei de música sertaneja não prestam nem para seis minutos de conversa sobre o assunto. Ah, e futebol. Eu e um bidê temos conhecimento equiparável sobre futebol. Já cinema, carros e whiskies (claro) é outra história. Aliás, whiskies não. Qualquer coisa que seja minimamente potável e que contenha alguma proporção de álcool. São assuntos que naturalmente me fascinam. Mas mesmo aí, mesmo nestes inebriantes (às vezes literalmente) assuntos, há lacunas. Lacunas que prometo a mim mesmo preencher o quanto antes, mas que, novamente por preguiça ou preconceito, não o faço. E ter um blog sobre whisky não ajuda. Não ajuda porque com ele, […]

O Cão Sofisticado – Royal Salute 21 Anos

Já estamos em dezembro, o mês mais monomaníaco do ano. Em dezembro tudo que se vê e ouve é Natal. Natal é a época de ser espetado pelos galhos de um pinheiro de mentira que você está tentando montar, enquanto passa um calor senegalês. É a época de ouvir músicas insuportáveis em lojas apinhadas, tentando comprar um presente para aquele seu parente distante que você esqueceu que existia. Aliás, nem me venha dizer que você gosta do Natal exatamente porque consegue reencontrar seus parentes mais distantes. Porque eles são seus parentes mais distantes exatamente por isso. Porque se você – ou eles – se esforçasse um pouquinho mais, talvez pudesse vê-los mais de uma vez por ano. Exceto se for longe. Aí você tem uma boa justificativa. Por exemplo, eu. Para mim, neste caso, longe é qualquer lugar depois da drogaria que fica na esquina da minha casa. Mas Dezembro é também o mês da generosidade. O mês de dar e receber presentes. E ainda que eu prefira as pessoas livres do efeito do Valuim que as acomete no Natal, é inegável a satisfação de receber uma boa lembrança. Principalmente de quem você realmente gosta. Mesmo que você não goste […]