Especial Escócia – Visita à Bunnahabhain

O diferente é o destaque. Atualmente, buscamos sempre uma experiência nova. Algo que fuja do usual, que seja criativo, ou que desponte por algum motivo. Somos compelidos a experimentar o novo, ou destoante. Numa sociedade que valoriza a experiência, ser diferente compensa. A Bunnahabhain é a exceção dentro da exceção, e o exemplo perfeito disto. Em uma ilha conhecida por produzir predominantemente whiskies turfados e medicinais, a maioria dos single malts da destilaria não tem qualquer traço de turfa. São leves, florais e pouquíssimo desafiadores. Se Ardbeg é bravura; Bruichladdich, inovação e Lagavulin, nobreza; entao Bunnahabhain é sutileza. Em um passado próximo, quase tudo produzido na Bunnahabhain era dedicado à industria dos blended whiskies. Ele era um dos componentes chave do conhecido Cutty Sark, bem como do Famous Grouse – pertencentes ao Edrinton Group, que também detinha a destilaria. A mudança veio na década de oitenta – após quase vinte anos praticamente inativa, quando os primeiros single malts da Bunnahabhain começaram a surgir no mercado. Por fim, em 2003, a destilaria foi vendida pelo Edrinton Group para a Burns Stewart, que, por sua vez, a vendeu para o grupo Distell em 2013. Atualmente, aproximadamente trinta por cento da produção da destilaria […]

Rusty Compass – Drink do Cão

Vou começar o texto dizendo algo que pode soar pretensioso. Mas juro que não é. Me considero uma boa companhia para mim mesmo. Para os outros, bom para os outros não. Para os outros eu sou bem chato, meio antisocial, e bem calado. Especialmente quando estou sóbrio. Mas quando estou sozinho, não tenho muitos momentos de aborrecimento. Consigo preencher o tempo livre de minha agenda com banalidades sem a menor dificuldade. Coisas como ver algum filme, ler alguma coisa, inventar algum coquetel – que normalmente fica horrível e alcança imediatamente o oblívio – ou mesmo visitar algum bar recém-inaugurado. Quando menos percebo, o dia já acabou. Mas às vezes, muito raramente, fico terrivelmente entediado. Nenhum filme para ver ou livro para ler. Zero de criatividade para misturar coisas e vontade de sair. Bússola mental quebrada, apontando para todos os lados, mas sem tomar qualquer rumo certo. Se minha mente pudesse ser observada em uma tela, a única coisa projetada seria energia estática. Semana passada tive um dia desses. Sentei-me na frente do computador e comecei – sei lá por que – a pesquisar receitas em um famoso website de coquetelaria. Sem qualquer objetivo, apenas vendo as figurinhas e receitas passarem sem […]

Teacher’s 12 Golden Thistle – Refinamento Áureo

Esses dias fui almoçar em um restaurante novo que abriu aqui perto de casa. Tudo muito bonito, bem diferente daquele que lá funcionara antes dele. Cadeiras de latão, lâmpadas de filamento carbono, mesas de madeira de demolição. Olhei o menu. Comida orgânica, café fairtrade, cerveja artesanal. Pratos com ruibarbo e sobremesa com regaliz. Um rapaz se aproximou da minha mesa e estendeu a mão. Contemplei aquele indivíduo que ostentava um curioso bigode a la Dali e uns mullets que poderiam fácil ter sido usados pelo Mel Gibson na década de oitenta. Camisa xadrez, suspensório, all-star. Levei uns bons trinta segundos observando aquela figura até perceber que ele era o mesmo dono do restaurante antigo, só que fantasiado. Não sei do quê. Apertei sua mão. Contratamos um consultor. Ele disse que a gente devia mudar para alcançar outra faixa do mercado. E vou te falar que tá indo bem. Vai ter um parklet lá fora com cobertura, e a gente vai prender as bicicletas no teto. Acenei com a cabeça. Tá tudo mudando mesmo. Mas escuta, e preço? Bom, o preço mudou também. Mas como disse lá o pessoal do Porta dos Fundos, agora o que se vende é a experiência. O menu […]

Especial Islay – Visita à Bowmore

O poeta James Russell Lowe uma vez escreveu que apenas os tolos e os mortos nunca mudam de opinião. Platão, por sua vez, disse que a opinião é a mediatriz entre a ignorância e o conhecimento. Se James Russel Lowe e Platão pudessem saber de minha experiência na destilaria Bowmore, em Islay, certamente ficariam ainda mais orgulhosos de suas frases, agora elevadas a aforismos. Antes de visitar a Bowmore, seus whiskies não eram, para mim, nada demais. Havia expressões ótimas, claro, como o dezoito anos. Mas havia também muitos single malts desequilibrados que na minha irascível opinião não passavam de honestos. Era o caso do Bowmore Darkest ou o Enigma, por exemplo. Achava que a Bowmore colhia os frutos do passado, mas que atualmente havia sido rebaixada para uma destilaria que produzia maltes defumados para todos aqueles que não suportavam maltes defumados. Bem, durante a visita, minha opinião não se sustentou por mais de quinze minutos. Se Bruichladdich é inovação, Ardbeg é bravura e Lagavulin é aristocracia, então Bowmore seria detalhismo. Todos os processos, da maltagem à maturação, são pensado nos mínimos detalhes. A destilaria está localizada dentro da cidade de Bowmore, e seu armazém colado na costa da ilha. Há uma incrível vista […]

O Cão Explica – Whisky estraga depois de aberto?

Desde que o homo sapiens sapiens adquiriu consciência de sua consciência, passou a questionar o mundo ao seu redor. Do mais profundo existencialismo até as coisas mais frívolas. Debruçamo-nos em questões tão complexas quanto a formação do universo com a mesma energia que questionamos as mais simples. Não existe resposta estúpida para a verdadeira curiosidade. Afinal, é sempre interessante saber por que a água da privada gira no sentido horário para nós. Ou se o barulho que os dinossauros do Jurassic Park faziam era parecido com o real. Há, claro, aquela categoria de indagações que, muito provavelmente, jamais serão respondidas. São todas aquelas que dependem, essencialmente, daquilo que escolhemos acreditar. Ainda que mesmo essa afirmação seja bem polêmica. O sentido da vida e a natureza do tempo, por exemplo. E por fim – não menos polêmica ou mais simples de ser respondida – está a questão que todo apreciador de whiskies faz, ao menos uma vez na vida. Será que o whisky estraga depois de aberto? A resposta mais acurada é sim, é claro. Porém, determinar o prazo para isso acontecer e – mais importante de tudo – para que se torne notável, dependerá de um sem fim de fatores. […]

Ardbeg An Oa – Sobre o Caos

Sabe, eu não acredito muito em destino. Na verdade, é bem o contrário. Acho que estamos aqui bem por acaso, que o mundo é um enorme caos que tende, cada vez mais, à entropia. Arrumar é mais difícil que bagunçar, encontrar é mais penoso do que perder. As coisas naturalmente se deterioram, ainda que, implacavelmente, tentemos conservá-las. É um movimento antinatural, em um universo que não é muito mais do que uma enorme bagunça. Destino é meramente coincidência. Deixe-me explicar, sem soar pedante ou descrente, com uma metáfora bem imbecil. O destino é uma espécie de roleta de cassino. Quando a bolinha estaciona em uma casa que não apostamos, simplesmente ignoramos o resultado. Não há reconhecimento. Porém, se ela porventura acabar naquela que elegemos, bem, aí nos deslumbramos com o destino. Reconhecemos que aquela bolinha e nós estávamos predestinados àquele resultado. Mas vou assumir algo aqui. Ainda que eu acredite nisso na maioria das vezes, em poucas delas, é realmente difícil aceitar que não existe qualquer espécie de destino. Uma delas aconteceu comigo há poucas semanas. Havia marcado uma viagem à Escócia, para visitar as destilarias de Islay. Sem qualquer razão específica, apenas curiosidade. No dia do meu embarque, soube […]

Especial Escócia – Visita à Ardbeg

Tenho um amigo que comprou uma Harley Davidson. O problema é que ele não comprou apenas a motocicleta. Ele comprou duas jaquetas de couro da Harley Davidson também. E um capacete vintage da Harley Davidson. E um par de luvas da Harley Davidson. Dois adesivos, para colar no carro, dizendo que tem uma Harley, e, por fim, mas não menos importante, uma caneca, um abridor de latas e um jogo de bolachas de copo. Itens que não tem nada a ver com a moto. Mas que, para ele, fazem todo sentido. A verdade é que meu amigo nem gosta tanto de andar de moto assim. De moto. Mas de Harley sim. Porque, nas palavras dele, ela não é apenas uma moto. É praticamente um estilo de vida, que possui uma legião enorme de fãs alucinados ao redor do mundo. Se houvesse uma destilaria comparável à Harley Davidson no mundo do whisky, ela seria a Ardbeg. Para os admiradores da marca, a Ardbeg é praticamente um culto. Há embaixadas internacionais e dias dedicados a ela. E não é para menos. Este Cão Engarrafado teve a oportunidade de conhecê-la em sua recente viagem à Escócia. A destilaria é inacreditável. Se a Bruichladdich é […]

Da Alegria e Escuridão – Macallan Oscuro

Sabe, sempre fui uma criatura das sombras. Apesar de não ser um notívago, algo na noite sempre me atraiu. Talvez fosse seu silêncio, ou sua calma. Ou a falta de obrigações. Não, acho que não. Provavelmente é a sensação de melancolia trazida por aquele horário do dia. Faz sentido quando penso que meu livro preferido, por muito tempo, foi Memórias do Subsolo, de Dostoievski e uma das minhas obras clássicas mais caras, a Sinfonia nº 3 de Gorecki. Ambas, obras que ilustram a queda e a total ausência de esperança, em um tom taciturno e profundo. Na verdade, desde cãozinho sempre gostei mais daqueles dias de céu dramático, com nuvens plúmbeas entremeadas por raios de sol fugazes. E da consequente tempestade, tão agitada, mas que a tudo mais impunha um certo ar de calma. Uma noite antes do sol se por. Uma paradoxal sensação de conforto melancólico difícil de explicar. h Tive sensação parecida quando soube da existência de um single malt de uma das mais respeitadas destilarias da Escócia. O nome – muito apropriado – me parecia irresistível. Macallan Oscuro. Mas, por um dramático preço de aproximadamente setecentas libras, resolvi que seria prudente até que uma oportunidade de o […]

Outros seis personagens que adoram whisky

  Esta é a terceira edição de um texto sobre personagens ficcionais que gostam de whisky. A primeira lista, elaborada por mim há mais de um ano, era um exercício mental. Queria lembrar-me dos mais conhecidos personagens que, assim como este Cão, apreciam um belo whisky. Consegui rememorar James Bond, Jessica Jones, Harvey Specter, Jack Torrance, Ron Burgundy e Desmond Hume. E, nos primeiros dias, fiquei muito feliz com o resultado. Afinal, imaginava que pudesse ter olvidado um ou dois, mas aquela era uma lista bastante completa. Qual foi minha surpresa, porém, quando os leitores deste infame blog começaram a citar dezenas de outros personagens que havia esquecido ou, pior, nem conhecia. Eram tantos, e de tantas obras diferentes, que demorei um pouco para fazer minha lição de casa. Assisti aos filmes e às séries – quer dizer, ao menos a maioria delas – e elaborei uma segunda lista. Agora, apenas com as sugestões recebidas. Fizeram parte dela John Constantine, Charlie Harper, Don Draper, Barney Stinson, Raymond Reddington e Abe Lucas. Mais uma vez, regojizei-me com aquilo. Doze. Não devia ter muito mais do que doze amantes ficcionais de whisky. Mas, mais uma vez, estava enganado. Não levou nem mesmo […]

Dewar’s 12 anos

Não poderia começar esta prova de outra forma senão falando do Bolovo. Sim, este alimento incrível, um clássico da baixa gastronomia brasileira. O bolovo é uma mistura de um monte de coisa boa, que, óbvio, fica ótima. No bolovo vai um ovo inteiro, farinha de rosca, temperos, leite, litros de óleo pra fritar e carne. A princípio, carne moída, mas que pode ser qualquer coisa, dependendo do nível de gourmetização. De ragu de porco a filé kobe. Mas eu nem preciso explicar isso. Porque você já deve saber o que é um bolovo, claro. O bolovo – assim como outros salgadinhos igualmente oleosos e deliciosos – ascendeu no boteco, e lá encontrou seu lugar de direito. O bolovo está completamente à vontade em seu lar, com aquela parede de azulejos brancos, a cadeira de plástico, mesas retráteis, cerveja com camisinha e bom papo. Mas o que pouca gente sabe é que o bolovo, na verdade, fala inglês. É isso mesmo. O bolovo possui um antepassado escocês. Um prato que tem um nome bem menos genial do que bolovo, mas também bem mais concreto. O Scotch Egg (ovo escocês). O scotch egg é basicamente a mesma coisa nosso querido prato tupiniquim, […]