O crítico de cinema Richard Nelson Corliss tem uma frase que gosto muito. “Nada envelhece tanto quanto a visão de ontem do futuro“. Originalmente, a quase máxima foi escrita para justificar a obsolência de algum filme. Provavelmente Octopussy – ainda que, em minhas pesquisas, não tenha chegado a qualquer resultado conclusivo.
Mas gosto da frase porque ela funciona em diferentes contextos. Em um sentido mais lato, se aplica a expectativas e anseios. Vivemos por antecipação, seja ela boa ou ruim. E muitas vezes – aliás, na maioria delas – nenhuma de nossas previsões se realiza plenamente. A gente acaba experimentando uma variação do que imaginava. Ou nada. Mas nunca, tudo. É um pequeno aforismo para vivermos mais no presente, sem muita expectativa. Algo bem estoico de se fazer, ainda mais para um crítico de cinema.
E em um sentido mais estrito, ela evidencia como não temos a menor ideia de como será o futuro do mundo. Nada é mais anacrônico do que os hoverboards e carros voadores de “De Volta para o Futuro” ou a paz, segurança e limpeza em 2032 de “O Demolidor”. Posso estar errado, mas do jeito que as coisas estão em 2025, o mundo caminha para a entropia, e não para uma ordem supercontrolada.
Assim, me pareceu um risco, quando o bartender Charlie Mahoney, do Hoffman House hotel, na primeira década do século XX, chamou seu coquetel de scotch e sloe gin de “”The Modern“. Tudo bem que, na época, aqueles destilados estavam na vanguarda da manguaça. Mas batizar algo assim é avalizar mais do que a imortalidade da bebida: é garantir que ele será eternamente inovador.
Quase um século depois, o The Modern parece menos moderno do que um Escort XR3, o Abaporu ou um prédio qualquer de Brasília. Mas ainda que não tenha nada de avant-garde, sobreviveu ao tempo e se tornou um pequeno clássico. Arrisco dizer, até mesmo contraintuitivo. A mistura de scotch e sloe gin parece não funcionar, e, combinado com outros ingredientes, provavelmente não funcionaria mesmo. Mas, aqui, traz uma complexidade bem agradável.
A receita original do The Modern leva Scotch, sloe gin, absinto e orange bitters, além de açúcar cristal. O preparo exige que se bata o limão com o açúcar, num dry shake, para dissolvê-lo; Depois, os demais ingredientes são adicionados. Este Cão não consegue pensar em nada menos moderno do que usar açúcar cristalizado. Seria o equivalente a amputar uma perna ao invés de usar um antibiótico, só porque em mil novecentos e nada, era assim que se fazia. Seja moderno e use xarope de açúcar. Aproveite e faça isso no seu Old Fashioned também.
Sem mais, vamos ao The Modern. Mas, ao provar, lembrem-se. Sem expectativas. Vivam no presente.
THE MODERN
INGREDIENTES
- 45ml Sloe Gin (Monkey 47 tem um delicioso e caro)
- 45ml Scotch Whisky (arrisque, mas procure algo mais estruturado. Um Tamnavulin, ou mesmo Chivas Extra)
- 15ml suco de limão siciliano
- 5ml xarope de açúcar (1:1)
- 1 dash absinto ou pastis
- 1 dash Angostura Orange Bitters
PREPARO
- Adicione o xarope de açúcar e o limão e bata vigorosamente, num dry shake. Isso vai melhorar a textura do drink – e talvez seja por isso que o uso do açúcar cristal fosse recomendado (ah, a contradição!). Mas, se você não liga pra isso, pode fazer o item 2 abaixo junto. Eu, com sede, faria.
- Adicione os demais ingredientes na coqueteleira com bastante gelo e bata.
- desça, com ajuda de um strainer (ou peneira) a mistura em uma taça coupe
- Está se sentindo moderno? Adicione uma cereja maraschino de verdade, e nao de chuchu