Caso você já acompanhe este blog há algum tempo, terá certamente percebido que uma das minhas paixões – além de whisky – é cinema. Por isso, muitas vezes, costumo relacionar filmes e whiskies. E nem sempre essa é uma tarefa fácil. Os pontos de tangência podem não ser muito claros, e, para ser absolutamente franco, na maioria das vezes, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Mas no caso do Blood and Sand, coquetel que ensinarei vocês a preparar, eu não precisei fazer nenhum esforço. É que o nome do drink é uma homenagem a um filme mudo homônimo, de 1922, dirigido por Fred Niblo. A película, por sua vez, baseia-se num livro – Sangre y Arena – de Vicente Blasco Ibáñez.
A história do filme é curiosa. Ela acompanha Juan, um menino que, contrariando o desejo de sua mãe, torna-se um toureiro. Durante sua ascensão à fama, Juan casa-se com Carmen, sua paixão de infância. Só que mais tarde, ao atingir o status de celebridade nacional, conhece Dona Sol, uma proeminente dama da alta sociedade, e se vê tendo que fazer a difícil escolha entre duas mulheres maravilhosas.
O amor por Carmen é sério e acolhedor, enquanto a paixão por Dona é intensa e com traços de sadomasoquismo. E Juan, neste cruzamento vintage entre Cinquenta Tons de Cinza e O Diário de Bridget Jones, acaba por forçar seu afastamento de Dona, que, por sua vez – e no melhor estilo latino de novelas – expõe a traição a Carmen, destruindo seu casamento. A desgraça de Juan se completa quando se fere mortalmente em uma tourada. Entretanto, segundos antes do derradeiro suspiro, o toureiro é perdoado por seu amor verdadeiro, e consegue falecer em paz.
O filme não apresenta nenhum coquetel. Aliás, nem mostra pessoas bebendo exageradamente. Então, conclui-se que o nome do drink foi inspirado pelo sucesso da película. O primeiro registro de uma receita impressa do Blood and Sand é de 1930, no Savoy Cocktail Book de Harry Craddock. No entanto, Greg Boehm, colecionador de livros antigos de coquetelaria e sócio da loja Cocktail Kingdom, diz que o drink é mencionado em um livro chamado Cocktail Continentale, de 1926, ainda que a receita não esteja lá.
O Blood and Sand tradicional – do Savoy Cocktail Book – leva partes iguais de suco de laranja, licor de cereja, vermute e whisky, servido numa taça coupé ou de Martini. Até aí, não há qualquer tensão. O drama – quase cinematográfico – entretanto, é a escolha do whisky. A escolha do whisky neste coquetel é a parte mais interessante. Porque mexendo um pouco com a proporção de seus ingredientes e simplesmente alterando o whisky utilizado, pode-se criar um Blood and Sand mais pesado ou mais leve. Ou um mais adocicado, ou defumado. O Blood and Sand é um dos coquetéis mais versáteis que já conheci.
Assim, meus caros, pela primeira vez na história deste blog – o que não significa muita coisa – passarei duas receitas do Blood and Sand, testadas à exaustão e quase à embriaguez. Tudo, claro, em nome da boa coquetelaria. Assim, você mesmo poderá eleger seu preferido. Uma delas será um Blood and Sand defumado e oleoso. O outro, no entanto, será adocicado e mais leve. Sintam-se livres para escolher aquela que mais lhes aprouver. E claro, lembrem-se de testar suas próprias receitas nesta tourada etílica em busca do mais apaixonante coquetel.
BLOOD AND SAND (DEFUMADO)
INGREDIENTES
- 1 dose de Ardbeg Ten (ou Laphroaig Quarter Cask)
- ¾ dose de vermute (este Cão utilizou o Carpano Antica Formula, por ser um vermute mais pesado e adocicado, de forma a contrabalançar o Ardbeg. Utilizando um vermute mais seco, como o Miró Etiqueta Negra, o coquetel ficará mais leve e mais seco).
- ¾ dose de Cherry Heering (isso é licor de cereja. Apesar de nunca ter testado, descobri posteriormente que poderia ser substituído por um xarope de cereja).
- ½ dose de suco de laranja, ou suco de toranja (ficará mais azedo)
BLOOD AND SAND (ADOCICADO)
INGREDIENTES
- ¾ dose de whisky adocicado (neste caso, usei Glenlivet Founder’s Reserve por ser leve e adocicado. Mas sinta-se à vontade para escolher livremente. Pode usar um blended whisky leve, se for de seu agrado. Mas lembre-se que um whisky muito suave ressaltará o sabor do licor de cereja e do vermute).
- ¾ dose de vermute (para contrabalançar o sabor do Heering e do single malt, optei por um vermute mais seco. O Miró Etiqueta Negra, neste caso. Carpano Classico funcionará também).
- ¾ dose de Cherry Heering
- ¾ dose de suco de laranja, ou toranja.
PREPARO
Misture todos os ingredientes em uma coqueteleira, com bastante gelo. Chacoalhe com força, por no mínimo quatro segundos. Desça o coquetel (coando o gelo que restou na coqueteleira) sobre uma taça de coupé ou taça de Martini.
Cão, nas receitas e coquetéis vc sempre indica os vermutes carpano clássico, antica fórmula etc. O vermute da Martini é muito ruim? Rs
Parabéns pelo blog! Seus textos são excelentes!!
Opa! Muito obrigado Paulo!!
Eessa é uma resposta complicada… rs. Ou não. Na verdade, simplesmente nunca indiquei o Martini porque eu nunca tive uma garrafa em casa. Gosto dele também, mas o coquetel que mais preparo é o Boulevardier – um dos meus preferidos – e gosto muito dele com o Carpano Classico ou Antica. Aí o que acontece é que acabo dando preferencia a estes vermutes, e ao Miró ao preparar Manhattan. No entanto, o Martini é um vermute bem adocicado, e com menos corpo. Então, minha intuição é que ele funcionaria bem onde funciona o Antica, mas com mais “leveza” e menos profundidade.
Faz sentido?
Como vai, Maurício?
Bom, sem dúvidas, partiria para o defumado e oleoso haha.
Inclusive te mandei um e-mail sobre single malts defumados, a minha provável próxima aquisição.
Enfim, um bom filme e um bom whisky caem bem sozinhos, o que dirá se complementando, não é mesmo?
Grande abraço!
Na verdade gostei.do adocicado o sabor dele e mais equilibrado