Ward Eight – Sufragistas

A variedade é o que dá tempero a vida. Pense, por exemplo, no brigadeiro. O docinho, aquele, com leite condensado, chocolate e manteiga. Hoje tem brigadeiro de tudo. Laranja, doce de leite, macadamia, nozes, nutella, pistache. Tem até brigadeiro de outros doces, tipo brigadeiro de pé de moleque e brigadeiro de beijinho, que é um negócio que eu nunca vou entender. E brigadeiro de brigadeiro mesmo, só que com uma miríade de chocolates. A quantidade de variações é tão grande que justifica – mais ou menos – a existência de um dispensário exclusivo da guloseima. As brigaderias. Mas antes de se tornar uma classe inteira, o brigadeiro era apenas um doce. Um doce com viés político. Ele fora criado por Heloísa Nabuco de Oliveira, uma senhora que apoiava a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes à Presidência da República de 1946. A criação tinha tudo a ver com o momento histórico – por conta da Segunda Guerra Mundial, produtos frescos ainda rareavam nas prateleiras dos mercados. E, por isso, o doce foi concebido com leite condensado – um substituto que começara a ser comercializado na década de 40. O brigadeiro era servido nas festas dos correligionários e cabos eleitorais de Gomes, […]

Whiskey Smash – Derivação

Quando em 1799, o biólogo britânico George Shaw recebeu um ornitorrinco para estudo, pensou que estivessem lhe pregando uma peça. “Acho que é uma preparação enganosa, por meios artificiais” descreveu. Shaw imaginou que algum maluco tivesse grudado o bico de um pato no corpo de um castor, e enviado de frete naval internacional da Austrália para a Grã-bretanha, numa estranha espécie de pegadinha interoceânica. A veracidade da espécime só realmente se revelou por meio de um exame bem mais detalhado. Para nós, hoje em dia, pode parecer ingenuidade de Shaw. Mas, temos que concordar em uma coisa. O Ornitorrinco é um bicho bem esquisito. Ele tem nadadeiras, pelos, bico e não tem estômago. Os filhotes bebem leite direto do pelo das fêmeas. Aliás, falado em filhotes, apesar de serem mamíferos e amamentarem as crias, os ornitorrincos botam ovo – uma special feature que levou mais uns cem anos para ser descoberta pelos cientistas. Por fim, e para coroar – perdão pela ambiguidade um pouco escatológica – os ornitorrincos são monotremes. O que significa, literalmente em grego “único buraco”, em referência a, bem, uma abertura abdominal que serve para uma porção de coisas na vida íntima dos ornitorrincos. Mas é curioso […]

Salmão curado com whisky defumado – Paciencia

Filmes com dezenas de trailers e comerciais. Elevador que para e abre sem ninguém entrar antes do seu andar. Carro da frente que não anda com o semáforo aberto. Gente que espera chegar ao caixa do fast-food para finalmente decidir o pedido. Gente que faz um pedido enorme. Gente que descobre que esqueceu as batatas e faz outro pedido depois de ter fechado. Gente que anda devagar na sua frente, ou ao seu lado, ou ao seu redor. Gente, em geral. Há milhares de situações cotidianas que testam nossa paciência. De curto e longo prazo. Somos, naturalmente, imediatistas. Não é natural ter que esperar pelas coisas. As necessidades que temos, especialmente as mais básicas, são imediatas. Se você discorda, é porque nunca ficou na fila do banheiro de um bar, ou nunca teve o pedido do delivery atrasado. Algumas coisas, entretanto, exigem irremediável paciência. São aquelas que demandam um tempo natural para se aperfeiçoarem, amadurecerem. Whisky, por exemplo. E, minha mais recente descoberta culinária, salmão – ou, na verdade, qualquer peixe – curado. O resultado se chama gravlax, ou gravdlax, e é bem típico da Escócia – onde divide espaço com o salmão defumado – ainda que (discutivelmente) tenha nascido […]

Drinks Drops – Espresso Martini

Todos temos rotina. A minha é, na verdade, bem simples. Na maioria dos dias, ela se resume a tomar café até ficar tremendo, e depois aparar as arestas pontudas com algum whisky, cerveja ou coquetel. Não tem muito segredo – é uma espécie de sistema de freios e contrapesos. Às vezes decido que não vou beber, e aí, tomo menos café também. Não. Mentira – tomo café igual e fico com insônia mesmo. Vocês já me conhecem bem demais para tentar enganá-los. E ainda que este blog explore muito bem a segunda etapa de minha rotina – a do whisky, cerveja e coquetel – ele se furta a falar da primeira. A do café. Que é super importante. Aliás, café é uma maravilha. Ele melhora seu rendimento físico, ajuda a perder peso e a queimar gordura, aumenta a atenção e reduz o risco de uma porrada de moléstias, como parkinsons, aushemier e infarto. Tendo notado esta falta, decidi, então, produzir aqui um post que há muito pretendia. De um coquetel tão amado quanto detestado. O polêmico e – entendo que a adjetivação que segue é discricionária – delicioso espresso Martini. Um coquetel que une dois momentos do dia em uma […]

Steak Tartar Turfado – Paixão crua

Minha paixão por whiskies começou nos turfados. Lembro-me, até hoje, com a clareza própria daqueles momentos que definem uma vida. Foi durante uma viagem com a Cã, enquanto almoçávamos em um restaurante frente ao mar. O garçom me entregou uma carta de whiskies, e eu escolhi pelo nome. Lagavulin – parece nome de remédio, vou pedir – comentei para minha melhor metade. De prato, não titubeei em escolher steak tartare. Sempre amei o prato. E, experimentá-lo em diferentes restaurantes é sempre uma experiência interessante. Em alguns lugares, a carne crua é moída, em outros, cortada na ponta da faca. Às vezes, o prato já vem montado, num disquinho de delícia comprimida. Em outros, o garçom mistura tudo na sua frente, com um quê de flair de coquetelaria. O acompanhamento varia entre batatas fritas, batatas chips, salada e – o melhor – torradinhas. O que permite fazer dezenas de mini-canapés. Não vou – como seria costumeiro – me alongar na história do steak tartar, e suas lendas. Apenas mencionar, rapidamente, que a mitologia postula que o prato foi criado pelos tártaros, que esmagavam carne velha sob a cela de seus cavalos. Outra teoria, porém, mais plausível, aponta que o prato surgiu […]

Bourbon Whiskey Bacon – Pequenos prazeres

Água fria num dia quente. Água quente num dia frio. O lado geladinho do travesseiro. O cheiro de carro novo, de lareira em brasa e de grama molhada. Tirar o sapato apertado. Despertar no meio da noite apenas para notar que ainda falta mais de quatro horas para o despertador tocar – e adormecer novamente. Aliás. Adormecer. Anestesia de dentista. Ou qualquer anestesia. Há coisas tão simples no mundo, mas que, ao mesmo tempo, dentro de sua infinita singeleza, são absolutamente deliciosas. São pequenos grandes prazeres, provavelmente os únicos consensos absolutos. Afinal, é impossível não gostar de tirar um sapato apertado. Dentro do mundo das comidas, um destes consensos é bacon. E olha, nem estou falando sempre do bacon suíno, porque você pode ser vegetariano ou vegano, eu eu respeito isso. Considere, neste caso, que me refiro a um bacon de berinjela, ou batata, sei lá. Mas aquele sabor característico de fumaça, aliado ao salgado, com crocância e apenas um toque de maciez é impossível de odiar. O bacon é um dos únicos alimentos irretocáveis do mundo. Mas, mesmo assim, nos atrevemos a modificá-lo. Talvez não para aprimorá-lo, mas para transformar em algo tão maravilhoso quanto, só que um pouquinho […]

Jim Beam Rye Perfect Manhattan – Perfeição

É engraçado como, às vezes, uma pequena fração de algo se torna quase tão célebre quanto seu todo. Um bom exemplo é uma singela frase que Tolstoi, em certo ponto de sua obra prima Anna Karenina, coloca na boca de uma personagem. “Se você procurar por perfeição, nunca estará satisfeito“. A declaração, promovida a aforismo, é um trecho de um papo entre Lvov e sua esposa, lá pelo meio da obra. Mas hoje, pouca gente sabe de onde veio a simples mas significativa frase. É como se Tolstoi, em pessoa, a tivesse proferido, em algum momento marcante de sua vida. Descontextualizar a declaração da esposa de Lvov não a faz perder o sentido. Pelo contrário – eleva e expande seu significado. Talvez seja isso que torne Anna Karenina tão clássico. Apesar da barreira da linguagem – afinal, falar russo não é nada simples – e da época em que foi escrito. O livro é o ícone de uma era e de um estilo, e, mesmo assim, continua atual e significativo. Se pudesse traçar um paralelo entre a obra-prima de Tólstoi e um coquetel, escolheria o Manhattan. O Manhattan é um coquetel clássico, um dos maiores ícones de uma época que […]

Whiskey Brownies – Simplicidade

“A simplicidade é a chave para o brilhantismo”. Da primeira vez que ouvi a frase atribuída a Bruce Lee, estranhei. Não pelo teor da citação, que carrega em si uma simplicidade que facilmente poderia ser transformada em vinte laudas de um ensaio sobre a complexidade de tudo que é – ou que parece -descomplicado. Mas por conta de seu autor. Sempre pensei em Bruce Lee como o ícone das artes marciais, o invencível protagonista do Dragão Chinês e da Fúria do Dragão. O cara que praticamente lançou o Kung-Fu no mundo, muito mais do que qualquer panda. Mas o que poucos sabem – inclusive eu, antes de pesquisar o tema para esta matéria – é que Lee tinha também um cérebro de aço (e não apenas os punhos). Ele se formou na Universidade de Washington em filosofia, e criou toda uma doutrina – Jet Kune Do. Daí, surgiram frases espetaculares, como essa da simplicidade. Ou a célebre “a água pode fluir ou pode bater. Seja água, meu amigo” perfeita como punchline de qualquer livro de autoajuda. Lembrei da tal frase ao tentar definir, em uma conversa com um par de amigos, sobre uma receita que aprendi há muito tempo nem […]

Mamie Taylor – Antepassados

Ao assistir Jurassic Park, você deve ter grudado de tensão na cadeira durante a cena em que o tiranossauro persegue o jipe. Imagine, um animal desse tamanho e tamanha voracidade hoje em dia. O que você não sabe, provavelmente, é que o T-Rex, aquele enorme e ameaçador predador, é o ancestral mais próximo de um bicho bem pouco intimidador. A galinha. É isso aí. Ocorre que em 2003, dois cientistas – Jack Horner e Mary Scweitzer – analisaram a composição molecular do colágeno contido em um fêmur não fossilizado de T-Rex. E descobriram semelhanças incríveis com aquele contido nos ossos de galinhas e outras aves domésticas. Isso apontaria que há uma ligação de parentesco entre o dinossauro e o galináceo, perdida ao longo dos anos. O que me faz pensar que eu também iria detestar comer tiranossauro assado. Enfim, certos antepassados não são nada óbvios. Outros, porém, parecem ter diretamente inspirado seus predecessores. É o caso, por exemplo, de um coquetel incrivelmente popular hoje em dia, o Moscow Mule, e seu antecessor um tanto obscuro, produzido com whisky turfado, o Mamie Taylor. O Mamie Taylor leva scotch whisky, limão siciliano e ginger ale ou ginger beer. Exceto pela canequinha de […]

Saratoga Cocktail – Diversidade

Meu pai costuma dizer que o tempero da vida é a diversidade. Tenho que concordar com meu progenitor. Ainda mais em uma época do ano quanto o carnaval. Os bloquinhos são um exemplo. Fico fascinado com o ânimo das pessoas para ir nos bloquinhos, mas, tenho que assumir, não me vejo participando de um nem por dinheiro. Nem por dinheiro não, nem por whisky. Sou totalmente a favor de qualquer manifestação de alegria, ainda mais uma tão espontaneamente agregadora quanto o carnaval. Em especial os bloquinhos de rua. Não ligo nem um pouco para o trânsito causado, e – como dono de um bar recém aberto – nada me revolta a falta de movimento trazida pelas festividades. Mas os bloquinhos reúnem três coisas absolutamente equivocadas: cerveja ruim quente, suor e muita gente. Aliás, gente já seria um motivo mais do que justificável para me demover dos planos carnavalescos. Com calor, ainda pior. Odeio passar calor. Nem piscina quente, eu gosto. Aliás, nunca entendi essa tara das pessoas por piscinas quentes. Que coisa mais sem graça. Para qualquer atividade em uma piscina ficar minimamente interessante, é necessário adicionar ao menos um de dois elementos – álcool ou jogo. Talvez tenha sido […]