A variedade é o que dá tempero a vida. Pense, por exemplo, no brigadeiro. O docinho, aquele, com leite condensado, chocolate e manteiga. Hoje tem brigadeiro de tudo. Laranja, doce de leite, macadamia, nozes, nutella, pistache. Tem até brigadeiro de outros doces, tipo brigadeiro de pé de moleque e brigadeiro de beijinho, que é um negócio que eu nunca vou entender. E brigadeiro de brigadeiro mesmo, só que com uma miríade de chocolates. A quantidade de variações é tão grande que justifica – mais ou menos – a existência de um dispensário exclusivo da guloseima. As brigaderias.
Mas antes de se tornar uma classe inteira, o brigadeiro era apenas um doce. Um doce com viés político. Ele fora criado por Heloísa Nabuco de Oliveira, uma senhora que apoiava a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes à Presidência da República de 1946. A criação tinha tudo a ver com o momento histórico – por conta da Segunda Guerra Mundial, produtos frescos ainda rareavam nas prateleiras dos mercados. E, por isso, o doce foi concebido com leite condensado – um substituto que começara a ser comercializado na década de 40.
O brigadeiro era servido nas festas dos correligionários e cabos eleitorais de Gomes, e de porta em porta, para divulgar sua candidatura. A eleição de 1945, aliás, era a primeira que contava com voto feminino. E, por isso, o partido do brigadeiro lançou um slogan de gosto e baseado em valores duvidosos – “Vote no brigadeiro, que é bonito e solteiro“. Apesar dos esforços tanto na frente da misoginia quanto da pâtisserrie, o militar perdeu as eleições. E o país ficou com a melhor parte de seu legado – uma deliciosa bolinha de chocolate envolta em granulados.
Na história da coquetelaria, há também um caso muito parecido com o do brigadeiro. É um coquetel chamado Ward Eight. A criação do Ward Eight é debatida. Sabe-se que ele foi criado na virada do século vinte em Boston. A história mais aceita é que o drink surgiu em 1898 no Locke-Ober, e foi batizado em referência ao oitavo distrito da metrópole (8th Ward). O coquetel surgiu das mãos do bartender Tom Hussion, quando seu chefe Martin Lomasney concorreu à prefeitura do distrito. E venceu. A história, aliás, é material para um belo film-noir. Há inclusive uma subtrama, com representantes de Lomasney entregando cédulas pré-preenchidas na boca das urnas.
O Ward Eight é, basicamente, um whiskey sour, com um poquinho de grenadine – também conhecido como xarope de romã. Assim como o brigadeiro, há infinitas variações para o coquetel. Do serviço aos ingredientes. Algumas variações pedem por uma taça coupé sem gelo, com tudo misturado. Outras, por um copo alto com bastante gelo e o grenadine no fundo, à moda de um sunrise. A diversidade é tão grande que a única linha imaginária que poderia de alguma forma ligar tantas versões é o uso de whisky – que não é necessariamente americano – grenadine e algum cítrico Se bem que, às vezes, nem isso, porque tem versões sem cítrico.
Existe aqui um ponto importante sobre o coquetel. O xarope de romã. O equilíbrio de seu drink dependerá, essencialmente, do grenadine utilizado. E a melhor alternativa não é, na maioria das vezes, viável: fazer seu xarope artesanalmente, utilizando melaço de romã, água, açúcar e um tantinho de vodka. Para evitar que você, querido leitor, morra de tédio enquanto eu descrevo a produção desta iguaria adocicada, darei um conselho quiçá preguiçoso. Compre pronto, mas use com consciência. Dependendo do xarope, um sabor de bala – a lícita – poderá aparecer. Se for o caso, tente mudar o Grenadine. Usei o Marie-Brizard com bons resultados.
Vamos à receita.
WARD EIGHT
INGREDIENTES
- 60ml rye whiskey (este Cão usou Jim Beam Rye)
- 25ml (isso é 3/4 de dose) de suco de limão siciliano
- 25ml de suco de laranja
- 5ml de simple syrup (xarope de açúcar 2:1)
- 5ml de xarope de grenadine
- parafernália para bater
PREPARO
- Adicione os ingredientes (menos o grenadine) em uma coqueteleira com gelo. Bata vigorosamente
- Desça o conteúdo em um copo à sua escolha, com ou sem gelo, do tamanho e do formato que você quiser. Do jeito que esse drink é, você nem precisa usar copo. Pega um vaso, um prato fundo de sopa, sei lá.
- Finalize com grenadine.