Union Vintage 2005 Double Wood II – Do Orkut

“Queria sorvete, mas era feijão“; “eu abro a geladeira para pensar“, “eu nunca terminei uma borracha“. Estas eram algumas das comunidades que eu participava, no finado Orkut. A rede foi criada em 2005, há exatos vinte anos, pelo engenheiro de softwares turco, Orkut Büyükkökten – que, num afortunado momento, decidiu batizar sua maior contribuição para a humanidade com seu primeiro nome, e não o último. Porque convenhamos, seria um tantinho mais difícil chegar pra alguém e dizer “Te add no Büyükkökten“. O Orkut tinha um monte de recursos. Scraps, reputação, depoimentos. Mas o mais legal, de longe, eram as comunidades. Havia umas mega ultra específicas, como, por exemplo “odeio tomar choque no cotovelo” e “eu leio com a mão no mouse“. Outras, questionadoras. Como “500 poodles matam um leão?” – um tataravô do dilema dos cem humanos e um gorila. Uma das minhas favoritas era “Não fui eu, foi meu eu lírico” – que transferia a culpa à poesia inerente a todo ato humano. O legal é que por mais peculiar que fosse a ideia, ela ressoava – e criava conexões entre as pessoas. Pensa em “Tô com fome, mas já escovei os dentes“. Era uma exacerbação do cotidiano, que […]

Lunatic Asylum: Crystal Mountain – Sobre a cautela

Audácia e falta de conhecimento são uma combinação perigosa. Exemplo máximo é Michael “Mad Mike Hughes. Entusiasta da autopropulsão norte-americano e paladino da dissidência científica, seu principal objetivo era provar que a Terra era plana. Para Hughes, a NASA e os astronautas estavam envolvidos em uma elaborada conspiração para ocultar a verdadeira forma de nosso planeta. E sua missão era desmarcará-los. Para isso, Mike empregou um método peculiar. Dedicou-se à construção e lançamento de foguetes caseiros tripulados. Tripulados por ele, obviamente, porque ninguém em sã consciencia, por mais lunático que seja, entraria voluntariamente num míssil a vapor construído no quintal de um maluco. Mas, enfim, sua crença era que, ao atingir determinada altitude, poderia fotografar, com perspectiva favorável, e obter evidência definitiva de que a terra era, na verdade, um enorme open-world plano do GTA. A tenacidade quixotesca de Mad Mike encontrou seu desfecho em 2020. Acontece que Hughes era autodidata na construção de tais propulsores. Porém, vapor e convicção não foram suficientes, sozinhos, para garantir seu sucesso. Em mais uma tentativa de alcançar o espaço, Mike atingiu quinhentos e setenta metros – altitude suficiente para levá-lo não diretamente ao espaço ou à fama, mas, definitivamente, ao solo. Até hoje, […]

Lamas The Dog’s Bollocks III

Daewoo, Mercury, Oldsmobile. Se você participar de qualquer conversa sobre carros, é bem provável que estas marcas demorem a ser mencionadas. Ou nem sejam. Foram importantes produtores no passado, mas que caíram no oblívio. Outra que, lentamente, se direcionava para este limbo era a Jaguar. Quer dizer, isso até um mês atrás, quando lançaram um vídeo de trinta segundos. Por conta desse vídeo – bizarro, convenhamos – de trinta segundos, a Jaguar passou a ser um dos assuntos mais comentados da internet. Sem mostrar produto nenhum. Não é para menos. A mini película abre com pessoas vestindo roupas multicoloridas cheias de pompons, com semblantes sisudos. Elas se comportam de formas esquisitas – pintando um vidro, quebrando uma parede, posando para uma foto num deserto rosa imaginário. E, pronto, acaba. Sem carros, sem explicações (necessárias), e sem qualquer traço do felino que dá nome à marca. Copy Nothing, aparece. Tá fácil, considerando que esses trinta segundos são tão aleatórios que desafiariam até a criatividade de uma inteligência artificial. Acontece que a Jaguar está passando por uma metamorfose comparável a de uma borboleta. Há vinte anos, possuía uma linha diversificada de carros. Com o tempo, ceifou seus modelos mais nichados, para manter […]

Union Pure Malt Vintage 75 Anos – Cadeira Dobrável

Paredes de azulejo que comprimem um balcão com acepipes em uma estufa. Mesas de metal, dispostas de forma meio aleatória, adornadas pelo saleiro e o pimenteiro em seu centro. No cardápio, iguarias como torresmo, coxinha e o internacional bolovo – que na Escócia, é Scotch Egg. Prateleira com Cynar e Campari. E para dar vida à instituição, com o cotovelo sobre o balcão, o chato. Aquele cliente que você não sabe se está sóbrio ou bêbado, mas que te abraça de uma forma constrangedora e as vezes te cutuca na altura do estômago, só para reforçar algum devaneio. Este é o boteco. O boteco é uma instituição bem antiga. É herdeiro da bodega, que veio da taverna. Na idade média, a turma já se divertia no botequim. Mas há um elemento – presente no cenário boêmio – que surgiu ainda antes deste maravilhoso espaço de convívio. A cadeira dobrável. Acontece que em 2022, arqueologistas encontraram na Bavária – só podia ser lá – os restos do que seria uma cadeira dobrável anciã. A peça datava de 600 antes de cristo, e foi considerada uma raridade. Mas, não era única. Ao redor da Europa, mais de 29 cadeiras dobráveis foram encontradas […]

Lamas The Dog’s Bollocks II – Folie a Deux

Folie à Deux é um termo francês, que se originou na psiquiatria. Fazendo biquinho e fechando o último “e”, a expressão ganha todo um charme. Folie a dê.  É de uma extravagância rara para qualquer condição psicológica. O significado também tem uma certa excentricidade, mesmo sem a sedutora língua gaulesa. O “Delírio a dois”, ou mais, precisamente, transtorno delirante induzido ou perturbação delirante partilhada, é uma condição médica onde duas pessoas que se relacionam passam a partilhar da mesma insanidade. Ficam doidos juntos. Há vários casos interessantes de Folie à Deux. Muitos deles envolvem assassinatos e outras atitudes grotescas. Outros são mais prosaicos, como o caso de Margareth e Michael. O casal acreditava que a casa em que viviam era vigiada incessantemente por pessoas aleatórias, que muitas vezes faziam maldades dignas dos gnomos de contos de fadas. Tipo sumir com o controle da TV, deixar o banheiro sujo ou colocar a chave do carro na cozinha, só pra vê-los revirando a casa toda. Quem é casado, como este Cão, sabe bem quem são esses terceiros misteriosos. O que é curioso da condição é que existe um sistema de retroalimentação. Uma pessoa induz a outra àquela insanidade, e ambas começam a […]

Union Autograph Extraturfado PX Finish

Sábado, sete da manhã. Meu filho se esgueira pela porta entreaberta do meu quarto, e chega bem pertinho da cama. Mas eu não sabia disso, porque eu estava inconsciente, dormindo. Ele me olha do fundo daquele olho branco, e sussurra bem baixinho “papai, papai“, enquanto cucuta meu braço com a delicadeza de uma pluma. Vagarosamente abro os olhos e dou um pulo de susto que quase me faz quicar no teto e voltar. Cruzes, rapaz, quase tenho uma parada cardiorespiratória achando que você é o capiroto! “papai, hoje tem festa junina da escola, vamos?“. Proferida a frase, começo a me convencer que aquilo é, de fato, um pesadelo e ele é o capiroto. Ou que eu morri e fui pro inferno. Olho pra baixo, pra ver se meu corpo está inerte na cama. Mas tudo que eu vejo é o travesseiro. É verdade. Não só acordei de madrugada no sábado, como tenho que acompanhar a criança nessa quermesse do diabo. Mas nem sempre foi assim. Quando eu era criança, também amava festa junina. Mas, pra mim, hoje, festa junina – especialmente da escola – siginifica pegar fila pra comer um hot-dog mais ou menos, carregar uma porção de prendas inúteis […]

Union Pure Malt Barley Wine Finish – Zigoto

Tudo começa de uma única célula, o zigoto. É ele que possui a mistura cromossômica de seus progenitores. Toda informação genética do novo ser vivo está lá, naquela única célula. Daí vem as clivagens, rápidas e repetidas divisões mióticas, gerando novas celulas. O resto do processo todo mundo já conhece – ou não. Blastocisto (tive que recorrer ao Google para esse daí), embrião, feto, parto. Nos ovíparos, é um tantinho diferente, mas tem um ponto em comum: tudo começa numa única célula. Não importa se é gente, peixe, cachorro, galinha ou axolote. A centelha que dá início à fogueira da vida – nossa, que brega – é uma única célula. De certa forma, é ela a matéria prima da vida, compartilhada por todas as espécies. Correndo o risco de ser cafona, no mundo do whisky e da cerveja, é assim também. O embrião, óbvio. Mas não apenas isso. Ambas as bebidas surgem da mesma origem – o grão. Se for um single malt, ou uma cerveja puro malte, a cevada. Que é maltada, cozida, fermentada. E no whisky, destilada e maturada. No caso da cerveja, normalmente, há clarificação. Já no whisky, normalmente não – ainda que haja exceções. De uma […]

Visita à Union – Leviatã

Criaturas mitológicas gigantes povoaram a imaginação humana desde tempos imemoriáveis. São a materialização do temor do desconhecido. Seja por mares jamais navegados ou terras nunca desbravadas. A lista é grande, e se alonga pela mitologia, folclore e literatura. Moby Dick, Kraken, Leviatã, Amarok (o lobo, não o carro). Em comum, seu tamanho gargantual, e a incredulidade de quem os supostamente viu em carne e osso. A Union Distillery, em Bento Gonçalves, talvez seja uma lenda destas, no folclore do whisky brasileiro. Uma destilaria enorme, instalada em um vale cheio de vinícolas, e capaz de rivalizar em tamanho e capacidade com algumas notáveis fábricas escocesas. Parece material de lendas. Mas, neste caso, por mais cafona que pareça esta introdução, é verdade. Desavisados que desconhecem a dimensão da Union surpreendem-se. Avisados, também. Vista por fora ou por dentro, a Union é um gigante. Ela produz em torno de 1,5 milhões e meio de litros por ano de single malt, com capacidade máxima de aproximadamente 3,5 milhões. Importante apontar que a Union possui duas destilarias. Uma menor – a primeira a ser construída – em Veranópolis. E uma maior em Bento Gonçalves. Foi esta que visitamos. A destilaria de Veranópolis não destila mais […]

Lamas The Dog’s Bollocks – O Quarto Filho

Dar um nome para um ser humano é uma grande responsabilidade. É por meio do nome que a pessoa se relacionará com as demais. O nome é o cerne da identidade individual de cada um – é a marca de um ser distinto, que se identifica por aquela palavra. Diz-se até mesmo que o nome pode influenciar na vida futura profissional e amorosa da pessoa. Faz sentido. Exceto se você for herdeiro de um megaconglomerado aeroespacial, se chamar X Æ A-12 não ajudará muito a encontrar um amor. Ou um emprego. No Brasil, há uma série de nomes que são, inclusive, proibidos. Dentre eles estão Calcinha, Inexistente, Dita-cuja, Taturana, Cadáver, Suruba, Andarilho, Bizarro, Sujismundo e – maravilhosamente, se você me perguntar – my precious. Triângulo é também um nome proibido. O que é surpreendente, por que as demais formas geométricas tão liberadas. Então, você pode batizar seu bebezinho de hexágono, cilindro, toroide ou octaedro. Mas, triângulo não. Dar nome a coisas é bem mais fácil. Quando comecei este blog, não tinha certeza de nada. Mas, o nome O Cão Engarrafado parecia o único possível. E até hoje adoro. Especialmente quando alguem grita “Cão” na rua e eu olho. “Caledonia” para […]

Union Pure Malt Wine Cask Finish – Karate

Conselhos valiosíssimos podem vir dos lugares mais improváveis. Como, por exemplo, do Senhor Miyagi. O sensei fictício tem frases ótimas, aplicáveis a uma miríade de situações na vida. Há ensinamentos sobre poder restaurador de uma refeição, em “melhor ser incomodado de barriga cheia do que de barriga vazia“. E também sobre a responsabilidade docente “não há maus alunos, apenas maus professores“. Alguns ensinamentos são difíceis de contestar. Como no singelo binômio existencialista, da morte e da vida, em “quem morre não vence“. Outros, porém, me parecem apenas alento “Para uma pessoa com ódio no coração, a vida é pior que a morte.”. Desculpe, Sr. Miyagi, mas já fiz muita coisa com ódio no coração, e ficou ótimo. Já cozinhei refeições ótimas com ódio. Escrevi contratos com ódio. O amor até é importante, mas o poder do ódio não deve ser subestimado. Aliás, isso nos leva a mais um ensinamento do Sr. Miyagi. Talvez, o maior deles, sobre o equilíbrio na vida. “Melhor aprender equilíbrio. Equilíbrio ser chave“. Alguns dias, corro por uma hora na esteira, como peixe, bebo quatro litros de água – quatro, só pra me sentir um overachiever. Em outros, quero inalar um litro de whisky, tomar Pepsi […]