Lamas The Dog’s Bollocks III

Daewoo, Mercury, Oldsmobile. Se você participar de qualquer conversa sobre carros, é bem provável que estas marcas demorem a ser mencionadas. Ou nem sejam. Foram importantes produtores no passado, mas que caíram no oblívio. Outra que, lentamente, se direcionava para este limbo era a Jaguar. Quer dizer, isso até um mês atrás, quando lançaram um vídeo de trinta segundos. Por conta desse vídeo – bizarro, convenhamos – de trinta segundos, a Jaguar passou a ser um dos assuntos mais comentados da internet. Sem mostrar produto nenhum.

Não é para menos. A mini película abre com pessoas vestindo roupas multicoloridas cheias de pompons, com semblantes sisudos. Elas se comportam de formas esquisitas – pintando um vidro, quebrando uma parede, posando para uma foto num deserto rosa imaginário. E, pronto, acaba. Sem carros, sem explicações (necessárias), e sem qualquer traço do felino que dá nome à marca. Copy Nothing, aparece. Tá fácil, considerando que esses trinta segundos são tão aleatórios que desafiariam até a criatividade de uma inteligência artificial.

É tão esquisito que nem o ator do fundo, de vermelho, consegue esconder a risadinha

Acontece que a Jaguar está passando por uma metamorfose comparável a de uma borboleta. Há vinte anos, possuía uma linha diversificada de carros. Com o tempo, ceifou seus modelos mais nichados, para manter apenas um: a SUV F-Pace. Agora, está se reposicionando como uma fábrica de carros elétricos de luxo. Durante o processo, redesenhou logo, identidade visual e comunicação. Se a ideia era ter o holofote novamente, a estratégia foi frutífera.

Eu entendo o lado deles. A regra darwiniana se aplica, também, a empresas. É preciso se adaptar para sobreviver. Mas um salto tão grande não vem sem riscos. Romper com o que já foi conquistado é arriscado. Perdão antecipado pela analogia meio coach, mas é preciso um pé no chão para dar impulso, e aterrisar com o outro.

Foi, pensando nisso, que a Lamas Destilaria e o Caledonia – bar da qual este que vos escreve é sócio – lançaram o Dog’s Bollocks III, a sexta colaboração entre os dois. Mantendo a tradição, é um whisky que une maltes tradicionais e defumados. Neste caso, turfados. A tradicional finalização vínica está lá, também. Mas com um pequeno twist. Sai o moscatel, volta o vinho licoroso e entra o icewine canadense.

ICEWINE CANADENSE?

Parece esquisito, eu sei. O Canadá é lembrado por xarope de bordo, ursos polares, baixa densidade demográfica, alto IDH, alces, lagos congelados, Celine Dion e Justin Bieber. Mas, não vinhos. Ainda mais um vinho caro, com um processo de produção difícil e exclusivo. Icewines são originários da Alemanha – que por lá, são chamados brilhantemente de Eiswein. E só podem ser produzidos sob condições muito específicas de clima. A maior produtora do mundo está no Canadá.

Eu explico. O Icewine é produzido a partir de uvas congeladas de forma natural, ainda na videira. Assim, só pode, naturalmente, ser feito em lugares muito frios. As principais castas são Riesling, Carbenet Franc, Pinot Noir, Syrah Vidal. O processo é arriscado e depende de diversos fatores, inclusive, o clima. Se a nevasca responsável pelo congelamento for muito severa, as uvas não produzirão mosto suficiente. Se for branda, poderá causar o apodrecimento das frutas. A uva não pode ser afetada por Botrytis Cinerea, como seria o caso de um Sauternes.

Uvas de Icewine

A interferência humana conta, também. A colheita deve ser feita à noite, sob o frio de oito a dez graus negativos. O processo de prensa deve ser rápido, para garantir que as uvas ainda estejam congeladas – soltando o gelo, mas pouco sumo, que fica super concentrado. Isso resulta num vinho adocicado, com bastante açúcar residual. É proibido adicionar álcool, como seria o caso de um Porto ou Jerez.

E DE ONDE VEIO O BARRIL?

Conhecendo o processo de produção de icewines, parece natural que, colocar as mãos em um barril da bebida seja um tanto difícil. Senão impossível, considerando as condições de importação no Brasil. Por conta disso, a Lamas Destilaria trouxe uma solução engenhosa. Temperar o próprio barril de carvalho americano com Icewine engarrafado. Foram compradas dezenas de garrafas do vinho, que foram nobremente sacrificadas para trazer sabor a esta criação. O processo de condicionamento do barril levou 5 meses.

O barril

Depois, o barril foi preenchido com whisky turfado da Lamas, que já havia maturado em barris de carvalho americano de ex-bourbon, para finalizar. Por fim, o whisky – defumado e adocicado – foi retirado e armazenado, para que pudéssemos finalmente discutir a proporção do blend e a graduação alcoolica final.

Para esta etapa, conduzimos degustações com todos os funcionários do Caledonia, e trocamos constantemente amostras com a Lamas. Era um trabalho árduo, esse de experimentar whiskies, mas alguém tinha que fazer. O produto final, depois de muita deliberação, teve a mistura de 70% malte turfado em icewine, e 30% malte tradicional finalizado no famoso ex-vinho licoroso, dos demais Bollocks – para manter um pouco da tradição viva. O ABV é de 46%.

O Dog’s Bollocks começa a ser vendido em 12 de dezembro de 2024. Foram produzidas, ao todo, 500 garrafas – metade da tiragem do Bollocks II. Elas serão vendidas pelo preço sugerido de R$ 250. O lançamento estará disponível no Caledonia – em dose e garrafa – bem como na loja online oficial da Lamas Destilaria.

Sensorialmente, o Dog’s Bollocks III traz uma nota adocicada, de própolis, com mel e o conhecido frutado das demais edições. É turfado, mas não a ponto de esconder as demais características trazidas pelo barril. Relembra o Bollocks II, com uma leve lembrança do Caledonia III. Gosto de imginar que seria um Jaguar E-Type novo. Diferente do antigo, menos clássico, mas, ainda assim, alicerçado na tradição. E mais importante de tudo: sem vídeos multicoloridos com pompons.

LAMAS THE DOG’S BOLLOCK’S III

Tipo: Single Malt

Destilaria: Lamas

País: Brasil

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: floral, com mel, própolis e levedura. Defumado e adocicado

Sabor: frutas amarelas, baunilha, mel. Uvas passas. O final é defumado e longo

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