Uma amiga colocou uma imagem bonita. Fonte cursiva, aurora do dia, com a mensagem “que o hoje seja aproveitado sem o peso do ontem ou a expectativa do amanhã“. Balancei a cabeça com desgosto. Isso não é catártico, é infantil e egoísta. Se eu aproveitar o hoje sem o peso do ontem ou a expectativa do amanhã, vou torrar minha conta bancária com whisky sem pensar na minha família. Não vou tomar banho e vou esquecer de cortar a unha, porque, poxa, que perda de tempo cortar a unha, deixa pra amanhã, hoje tá boa pra coçar atrás da orelha.
Aquilo que pode aparentar libertador, talvez seja apenas infantil e irresponsável. Quase todas as nossas atitudes são alicerçadas em experiências passadas. Recorremos ao passado para planejar nosso futuro. Não viver no presente é ser racional. Nós não vencemos como espécie por viver no presente – mas por planejar nosso futuro.
E tem a parte do whisky. É que se todos pensássemos assim, somente no agora, não haveria whisky. Whisky demanda planejamento e paciência. Talvez o exemplo mais clássico aqui seja o fenômeno que ocorreu, há alguns anos, com os whiskies japoneses. Os bons whiskies japoneses – ao menos single malts e blends – sumiram das estantes, substituídos por outros um tanto oportunistas. Em boa parte, porque não haviam se preparado para o próprio avassalador sucesso.
E talvez você não saiba, mas há um ponto bem angustiante sobre whiskies japoneses. Acontece que quase não há leis no Japão relativas à produção e comercialização de whisky. E, por conta disso, é permitido – ou melhor, não é ilegal – que um whisky destilado e maturado em outro país e engarrafado no Japão seja rotulado como whisky japonês. Isso dá oportunidade a novos empreendedores. Empreendedores no ramo de ludibriar o consumidor, engarrafando whiskies medíocres e cobrando o preço de japoneses.
Os produtores sérios – Nikka, Suntory e uma meia dúzia de outros – porém, tiveram que buscar outra saída. Uma delas, foi lançar whiskies sem idade declarada (NAS) e aguardar que seu estoque envelhecesse novamente. Afinal, nenhum whisky chega aos dezoito anos sem que se tenham passado dezoito anos. Outra, foi lançar produtos alternativos. Gins, por exemplo, como o Toki. E whisky de grão. E é aqui que entra o Suntory The Chita.
A destilaria Chita, fundada em 1973, pertencente ao grupo Suntory, foi, por muito tempo, uma heroína anônima. Poucas vezes lembrada, mas parte indissociável de blends japoneses de renome, como os Hibiki. Em 2015, porém, movida pela escassez de whiskies japoneses no mercado, a Suntory resolveu colocá-la em evidência. O The Chita, um single grain japonês sem idade foi lançado.
A ideia da Suntory é que o The Chita, leve e aromático, pudesse ser usado para elaborar highballs, muito populares no Japão. Aos poucos, porém, incentivado pela expansão da coquetelaria no mundo, o The Chita passou a ser exportado. Inclusive para o Brasil.
Há pouca informação sobre o processo de produção do The Chita para nós, mortais. Porém, de acordo com o website Malt, que faz referência ao livro Whisky Rising, de Stefan van Eycken, a destilaria utiliza milho como seu cereal base. A destilação acontece em destiladores contínuos, que podem ser combinados de diferentes formas para atingir oleosidades diferentes de seu new-make.
Para aumentar a complexidade, uma combinação de barricas – dentre elas, jerez, vinho tinto e bourbon – é empregada. Algo que, convenhamos, é bem raro no mundo dos whiskies de grão. Isso torna o The Chita um whisky muito leve e adocicado, com notas de coco e frutas tropicais, especialmente banana. Ele é pouquíssimo agressivo, bem agradável, fácil, e realmente perfeito como base de coquetéis, especialmente os de perfil mais cítrico.
Se você procura um whisky leve e adocicado para preparação de drinks, mas com perfil diferente dos bourbons, o The Chita será uma agradável surpresa. E, se me permite, experimente o The Chita também puro. Porque, bom, devemos sempre pensar no futuro para todas as decisões que tomamos. Mas somente às vezes, em raríssimos casos, nos sentimos confortáveis o suficiente para viver no presente, despretensiosamente relaxar, embarcar no momento e deixar as expectativas de lado. E o The Chita é um desses casos.
SUNTORY THE CHITA
Tipo: Single Grain Whisky
Destilaria: Chita
País: Japão
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: adocicado, coco, caramelo, banana.
Sabor: Coco bastante aparente, mel, banana, frutas amarelas. O final é médio e com bastante baunilha.
Disponibilidade: lojas brasileiras, como a Caledonia Store
Hmm, sempre achei que o Toki fosse um blend whisky.
Ótimo single grain porém caro a 60 dólares… Comprei o meu por 40 e não me arrependo. Engraçado que em geral single grain tem esse problema, a mesma coisa com o da loch lomond.
Eu jamais provei um whisky japonês, mestre, mas gostaria muito. Leio excelentes referências sobre Hakusu, Hibiki, Suntory Kakubin, etc.
Certa vez, um sujeito discutiu cmg no IG, porque ele defendia o Single Grain Chita e eu comentei sobre um Single Malt.
Whisky é pra ser provado nas mais variadas versões e não para discussão, correto? hahaha
Abraço!
Meu caro Felipe, voce está absolutamente certo. É incrivel como as pessoas tem disposição para discutir tantos assuntos assim!
Encontrei por R$ 300,00 não seria um pouco caro para uma bebida tão despretensiosa?
Thiago, é o preço dele mesmo. Pode ir, vale a pena
Ontem eu ‘esbarrei’ em uma garrafa do The Chita, por apenas R$219,00. Confesso que comprei impulsivamente, pois não tinha referência nenhuma sobre o whisky. Após ler essa postagem, fico mais tranquilo com a compra e mais feliz com o preço que paguei.
Rauf, Excelente preço!
Pergunta: o Suntory Chita é um Bourbon (uisque de milho) e foi desenvolvido para fazer drinques, certo?
Comprei uma garrafa e estou tomando puro. E achei ótimo.
Caro Sérgio, tudo bom? Na verdade, ele nao é um bourbon. Bourbons tem que ser feitos nos EUA, ter 51% ou mais de milho, ser envelhecidos em barris virgens, destilados até 80% e ir pros barris a 62,5% no minimo! rs, enfim, na verdade, o ponto de partida é parecido (o cereal), mas o resto é bem distinto. Sem mencionar a questão da nacionalidade – a maturação do Chita acontece em barris que ja contiveram outras bebidas, dentre elas, uma parcela de carvalho europeu de vinho. E o processo de destilação é diferente também. Ele é na verdade um single grain. Está mais perto do Royal Salute Snow Polo (que é um blended grain) do que efetivamente um bourbon.
Sobre beber puro, eu adoro beber o The Chita puro!! É um whisky leve e muito palatável!!
Virei fã, post muito bem escrito. Parabéns.
Obrigado caro Tiago!
Prezado Sérgio, estava em dúvida sobre esse whisky, entretanto, o seu texto, sempre bem escrito e espirituoso, me fez decidir por adquirí-lo. Nunca provei um Single Grain e creio que esse é o momento apropriado. Gosto de degustar o whisky puro e pelas suas palavras, constatei que esse virá bem a calhar. Obrigado.