Black Manhattan – Noir

Domingo, doze graus. Sozinho em casa, não ouço nada além do rouco ronco do meu Nissan Skyline, que dá a trigésima e derradeira volta virtual na Tokyo Expressway. Cruzo a linha de chegada e respiro aliviado. Consigo ouvir “Smooth Operator” tocando na minha mente. Ah, coitado do Carlos Sainz, se me encontrasse um dia na pista. Missão cumprida por hoje – pelo menos na única realidade onde eu tenho alguma relevância. Sei lá que horas são. Há umas duas horas atrás, a Cã saíra com os cãezinhos para jantar com os pais. Antes de sair, ela ainda indagou “Vamos na pizza, você não vem?“. Mas, observando minhas sobrancelhas notadamente levantadas de tensão, fingiu que era uma pergunta retórica. É que eu tenho muita coisa pra fazer“, ainda respondi, num tom descrente até pra mim “e certeza que vocês vão pedir pizza de rúcula e eu vou ter que comer” – ri. “Não dá pra escapar sempre” foi a enigmática tréplica. De volta ao presente, ainda visivelmente animado pelos louros de minha vitória no endurance, caminho decidido até a cozinha. Vou fazer um belo sanduíche para jantar. Mas dou de cara com o pálido fundo do refrigerador. Um limão, meia cebola […]

Greenpoint – Aral contra Dudinka

Seis amarelos no Aral contra quatro verdes em Omsk. Ou no Omsk. Tá bom, vai lá, mas vai ter troco, tô com dez na Dudinka. War era divertido, mas era um desserviço pra geografia. Se você me perguntar o que está entre a Russia e a China, vou demorar uns três minutos para lembrar do Cazaquistão. E isso, porque tem o Borat. Mas, na hora, a televisão mental projetará uma imagem do Aral. Very nice! As horas na frente do tabuleiro criaram uma espécie de memória fotográfica falsa de como o mundo é dividido. E nem é só na Asia, não. Aquela Califórnia enorme, esticando até os Grandes Lagos, e Nova Iorque que vai até Miami não ajudam muito. Tampouco a Colômbia, que anexou todos os países do norte da América do Sul. Ou o Chile que finalmente resolveu a celeuma sobre qual melhor pisco, incorporando o Peru. Aliás, falando em nova Iorque, eu aprendi geografia mundial com o War. Mas regional – mais especificamente, de Nova Iorque – com a coquetelaria. E nem foi porque eu viajei pra isso. Foi por causa do Manhattan. É que o coquetel tem infinitas variações – está quase dominando 24 territórios à sua […]

High West Double Rye – Da Vontade

O homem livre é senhor da sua vontade e escravo somente da sua consciência, escreveu Aristóteles. Schopenhauer, no entanto, séculos depois, discordou. Para o alemão, o homem é escravo de sua vontade. Como um hamster, correndo desesperadamente em uma roda de exercícios em sua jaula. Tão logo um passo é dado, há necessidade de outro. O conjunto destes passos, entretanto, não chega a lugar nenhum. É um movimento elíptico eterno. Nas palavras de Schopenhauer, “o desejo, por sua natureza, é dor. A sua realização traz rapidamente a saciedade; a posse mata todo o encanto; o desejo ou a necessidade de novo se apresentam sob nova forma. Senão, é o nada, é o vazio (…).” Saciado um desejo ou necessidade, outro surgirá. A sina é estar sempre insatisfeito. Segundo o filósofo, uma das formas de saltar da roda dos desejos é pela apreciação das artes. A contemplação da arte é o bálsamo que aplaca o desejo. Se Schopenhauer se erguesse do túmulo atualmente, ficaria surpreso com Romero Britto e o mercado das artes. Coitado. Arrisco dizer – quiçá um pouco enviesado – que a redenção da vontade é beber. Mas, mesmo aí, há o desejo. Aquele, de experimentar sempre algo melhor. Mais sofisticado, lapidado, mais intenso ou […]

Jack Daniel’s Tennessee Rye – Drops

Poucas marcas de whiskey possuem tantos apaixonados como a Jack Daniel’s. A Jack Daniel’s é praticamente a Harley-Davidson etílica. Ou a Johnnie Walker dos Estados Unidos. Ele  está para o whiskey assim como o Bacon está para os alimentos ricos em colesterol. Ele é, bem, você entendeu o conceito. Assim, quando uma nova expressão da marca é lançada, é natural que haja uma certa comoção no meio dos entusiastas por whiskey. Principalmente se este lançamento contar com uma receita de mosto diferente daquela tradicionalmente usada. E é justamente isso que acontece com o Jack Daniel’s Tennessee Rye. O Jack Daniel’s Tennessee Rye é o primeiro lançamento da Jack Daniel’s com uma mashbill – a composição do mosto – diferente desde a época da Lei Seca Norte-americana, que aconteceu de 1920 a 1933. São mais de oitenta anos utilizando uma única receita, e com um sucesso literalmente entorpecedor. Caso você não saiba, a receita do mosto (mashbill) de um whiskey americano é uma de suas características de produção mais importantes. É ela que ditará boa parte do sabor da bebida e determinará qual sua classificação. Um whiskey com maior quantidade de milho, por exemplo, será mais adocicado – como é o […]

Wild Turkey Rye Whiskey – Cognição

Hoje vou tratar de um assunto que anda em baixa. Ou, para falar a verdade, que talvez nunca esteve em alta. A Capacidade Cognitiva. A capacidade cognitiva é, de uma forma simplificada, nossa capacidade de receber estímulos do meio ambiente e responder a elas. Ela engloba habilidades cada vez mais subutilizadas por nós, como pensamento, raciocínio, linguagem e memória. Vou recorrer a exemplos, para não extenuar a capacidade cognitiva de ninguém aqui. Quando, por exemplo, temos fome e resolvemos fazer um misto quente, usamos a cognição. E ao substituirmos o presunto por peito de peru porque ficamos com preguiça de usar a cognição pra comprar mais, também. Quando bebemos, alteramos nossa capacidade cognitiva. Por isso que às vezes, quando saio, acho que sou o Elon Musk e pago a conta de todo mundo. Ou viro uma versão invertida de James Joyce, que fala coisas profundas que ninguém entende. Mas que, no meu caso, não fazem sentido mesmo e nem são profundas. A capacidade cognitiva dos bartenders brasileiros foi bem exercitada nos últimos anos. Não tínhamos ginger ale para o Moscow Mule, por exemplo – o que exigiu uma bela espuma de criatividade. E tampouco rye whiskey para o Manhattan. Algo […]

Degustação com Robin Coupar – Global Brand Ambassador Wild Turkey

  Quinta-feira, 14:30. Três taças de whiskey posicionadas à minha frente. Na sala contígua, bartenders preparam coquetéis com whiskey para convidados – entre eles, uma espécie de smash, criado por Paulo Freitas, embaixador brasileiro de Wild Turkey e Campari. Dado o horário e a assemblage etílica, este não é um dia normal de trabalho. É que Robin Coupar, embaixador global da Wild Turkey, esteve no Brasil para uma série de degustações da marca, e este Cão teve o prazer de participar de uma delas. Durante a apresentação, Robin – que é escocês e apaixonado por tudo relacionado a whisky – contou alguns detalhes sobre a história e produção de Wild Turkey. As degustações fazem parte do concurso Behind The Barrel, que contou com 30 participantes brasileiros. A competição é um convite do bourbon Wild Turkey, marca do Campari Group para que bartenders criem um “Coquetel Verdadeiramente Seu”, utilizando Wild Turkey 101. Uma das características mais interessantes é a pouca diluição. O produto da destilação – o white dog – entra nas barricas quase com a força que sai dos destiladores contínuos. Isso faz com que o sabor trazido pela mashbill do whiskey fique mais evidente, mesmo depois de totalmente maturado. Durante o evento, […]

Drops – Johnnie Walker 10 anos Rye Cask Finish

Esta é a última prova de uma série de três whiskies com finalizações pouco ortodoxas. Os dois primeiros foram o Jameson Caskmates Stout Edition e o Glenfiddich IPA Cask. E enquanto estes dois se baseiam no universo da cerveja artesanal – razão pela qual este Cão resolveu degustá-los no Empório Alto dos Pinheiros – o Johnnie Walker Rye Cask Finish se inspira no mundo da coquetelaria. O Rye Cask Finish é o primeiro de uma linha de blended whiskies que serão lançados pela Johnnie Walker com finalizações diferentes – a série Select Casks. Caso você não esteja familiarizado com o conceito de finalização – uma ideia absurdamente obvia e genial ao mesmo tempo – o Cão explica. É uma técnica que consiste em pegar um whisky que já tenha sido maturado em certa barrica (de bourbon, por exemplo) e transferi-lo para uma barrica que foi usada para uma bebida diferente (vinho do Porto, por exemplo). O uso da segunda barrica adiciona certos sabores e aromas à bebida, complementando as características emprestadas pela primeira. O Johnnie Walker Rye Cask Finish é um lançamento corajoso. Ele é, provavelmente, o primeiro Johnnie Walker que utiliza a técnica de finalização. Sua maturação ocorre em barricas de carvalho americano de ex-bourbon […]

Drink do Cão – Remember the Maine

A marinha brasileira já fez uma enorme contribuição para o mundo da coquetelaria. Se, para você, essa frase não faz o menor sentido, não se preocupe. Ela não faz mesmo. Mas se você considerar uma sequência de eventos de causa e consequência – às vezes, consequências indiretas – a frase se torna curiosamente verdadeira. E é essa a história que vou contar hoje. De trás pra frente, para ter mais graça. Em 1895 foi comissionado o USS Maine, um encouraçado de guerra da marinha americana. Um encouraçado que teria caído no esquecimento, não fosse seu naufrágio poucos anos mais tarde. O USS Maine afundou no porto de Havana, Cuba, em fevereiro de 1898, devido a uma enorme e repentina explosão. E ainda que a razão da explosão nunca tenha sido devidamente esclarecida, os americanos acharam de bom tom culpar a Espanha. Por que? Bem, porque o USS Maine estava no porto de Havana justamente para proteger os interesses norte-americanos – leia-se, o domínio dos Estados Unidos – durante a revolta cubana conta a Espanha. Esta revolta, mais tarde, culminou na independência da ilha. E, na cabeça da imprensa estadounidense – que contava com nomes bem respeitados hoje em dia, como […]