The Glenlivet 12 anos – Revisto em 2025

“Como chegar em casa num dia gelado, virar só a torneira fria do chuveiro e entrar de roupa e tênis”. Foi assim que descrevi a experiência de visitar, às seis horas da madrugada, as Cataratas do Iguaçú, na noite mais fria de 2025 até então. Fazia saudável 1ºC. É que fui convidado pela The Glenlivet para viajar até o luxuoso hotel Belmond das Cataratas, para testemunhar, em primeira mão, o lançamento de dois rótulos recém-chegados ao Brasil. O The Glenlivet 21 Anos e o 12 anos – que voltou, depois de um hiato de cinco anos. O dia anterior – tão gelado quanto aquele – tinha sido cheio. Um almoço com coquetéis de The Glenlivet Caribbean, um jantar na área externa, com traje tradicional escocês; e uma das experiências mais inusitadas que já vivi numa degustação. A The Glenlivet Sonic Tasting – desenvolvida por Dave Broom, em parceria com o Art of Disappearing. A experiência apresenta uma combinação única de três expressões da The Glenlivet. Cada participante recebe um bloco de anotações, uma caneta e uma “roda de sabores”, que traz algumas sugestões de notas aromáticas. Também são fornecidos um livreto de degustação, uma máscara azul para os olhos e […]

Yamazaki Golden Promise – Gamma Ray

Invisível, traiçoeira e carcinogênica. Essa é a radiação gama. De forma – não muito – simplificada, são fotons que normalmente resultam de eventos cósmicos violentos como explosões estelares e desintegração nuclear. É a faixa mais curta do espectro eletromagnético, e capaz de atravessar a maioria da matéria. No mundo real, exposição a estes raios geralmente tem consequências pouco agradáveis. Como leucemia, malenoma, linfoma e retinoblastoma – que é um cancer que afeta as células retinianas e me dá um troço só de pensar, porque tenho uma aflição gigante de tudo que envolve olho. A ficção, porém, tem um talento peculiar para converter os mais sinistros agentes da realidade em bênçãos. Bruce Banner, por exemplo, do universo da Marvel. Antes um físico brilhante, recebeu uma dose cavalar de radiação durante um teste militar. Mas ao invés de ter seus órgãos liquefeitos, transformou-se num colosso esverdeado com força sobre-humana. E cujo temperamento se beneficiaria muito de uma receita irrestrita de fluvoxamina e alprazolam. Há um único caso que conheço na qual a realidade imitou a ficção. No fim da década de 1950, cientistas do Reino Unido submeteram sementes de cevada à exposição controlada de radiação gama para induzir mutações benéficas. O resultado […]

Union Vintage 2005 Double Wood II – Do Orkut

“Queria sorvete, mas era feijão“; “eu abro a geladeira para pensar“, “eu nunca terminei uma borracha“. Estas eram algumas das comunidades que eu participava, no finado Orkut. A rede foi criada em 2005, há exatos vinte anos, pelo engenheiro de softwares turco, Orkut Büyükkökten – que, num afortunado momento, decidiu batizar sua maior contribuição para a humanidade com seu primeiro nome, e não o último. Porque convenhamos, seria um tantinho mais difícil chegar pra alguém e dizer “Te add no Büyükkökten“. O Orkut tinha um monte de recursos. Scraps, reputação, depoimentos. Mas o mais legal, de longe, eram as comunidades. Havia umas mega ultra específicas, como, por exemplo “odeio tomar choque no cotovelo” e “eu leio com a mão no mouse“. Outras, questionadoras. Como “500 poodles matam um leão?” – um tataravô do dilema dos cem humanos e um gorila. Uma das minhas favoritas era “Não fui eu, foi meu eu lírico” – que transferia a culpa à poesia inerente a todo ato humano. O legal é que por mais peculiar que fosse a ideia, ela ressoava – e criava conexões entre as pessoas. Pensa em “Tô com fome, mas já escovei os dentes“. Era uma exacerbação do cotidiano, que […]

Glenmorangie Signet – Namorados

“Reservei aquele restaurante português que eu gosto, pra gente comemorar“. O negrito, aqui, simbolizando a ênfase dada pela minha melhor metade. Era dia 12 de junho, logo depois do almoço, e eu havia sido indagado por ela se tinha planejado algo. Diante de minha silenciosa negativa, representada pela mais alva cara de pânico, ela sorriu e deu de ombros. Eu sabia que você ia esquecer. E agora eu finalmente tinha entendido por que ela, em tantas oportunidades diferentes nas últimas semanas, me mostrara um perfume caro que queria comprar. Estava tão distraído com qualquer outra coisa, que olvidara completamente da data. Depois de quinze anos de casado, com mais cinco de namoro, eu poderia ter argumentado que o amor verdadeiro não é representado por uma fragrância cara. Amor mesmo era ela fingir que gostava da minha comida. Era já pedir pra tirar a cebola de metade da pizza, porque eu sei que ela detesta. Era saber o CPF do outro de cor, mais do que o seu próprio. Mas não adiantaria, porque, dia doze tinha que amar com recibo fiscal. Além de que, na sequência do questionamento, ela me estendeu uma caixa preta, de uns quarenta por vinte centímetros. Toma, […]

The Macallan Night on Earth in Jerez

Poucos sabem, mas a nobre tradição britânica de comer um pãozinho com marmelada foi fomentada por uma coincidência ibérica. Não sei se é lenda ou real, mas conta-se que, no final do século XVIII, uma embarcação espanhola carregada de laranjas amargas de Sevilha foi forçada a aportar em Dundee, devido ao mau tempo – quer dizer, à imprevisível e delicada brisa marítima escocesa. Eram laranjas renegadas — amargas e ligeiramente passadas — para o consumo direto. Mas não sem potencial. O senhor James Keiller, comerciante de tino aguçado e provavelmente o tipo de cara que mistura tudo da geladeira com ovo para evitar disperdício, comprou a carga inteira só porque estava barata, sem saber o que fazer com tamanha acidez. Felizmente, sua esposa, Janet Keiller, sabia que, se a vida te dá limões – ou melhor, laranjas azedas – o melhor é fazer marmelada. Nascia assim a marmalade de Dundee. Com o tempo, o (quase) doce ganhou fama, e as laranjas de Sevilha tornaram-se matéria-prima nobre em solo escocês. Mas essa aliança entre Espanha e Escócia não é exclusiva dos doces. Ela se repete no mundo do whisky. A conexão não é novidade. Ela é mais que secular, e data […]

Royal Lochnagar – Herói Anonimo

26 de Setembro de 1983 foi uma data histórica para o iatismo. Depois de cento e trinta e dois anos de hegemonia dos Estados Unidos no America’s Cup, uma equipe Australiana finalmente gannhara a competição. Foi uma vitória gloriosa – mas, nem de longe, o acontecimento mais importante do dia. Este ocorreu algumas horas depois, do outro lado do Atlântico, no centro de comando Serpukhov-15, Rússia. Ele foi protagonizado por um tenente-coronel chamado Stanislav Petrov. Petrov trabalhava como analista de sistemas e especialista em alerta precoce. Seu – tedioso – trabalho era monitorar o lançamento de misseis balísticos intercontinentais pelos Estados Unidos que pudessem ser direcionados à USSR. Se detectasse algum míssil, deveria alertar seus superiores, que seriam responsáveis por retaliar com centenas de ogivas nucleares, desencadeando a terceira guerra mundial. Que desembocaria no fim da humanidade. E, posteriormente, numa versão realista de Fallout, sem pseudo-zumbis e axolotes gigantes. Naquele dia – ou melhor, no meio da noite – os computadores monitorados por Petrov identificaram cinco mísseis nucleares americanos, que voavam em direção a Moscou. Incrédulo, o tenente-coronel resolveu quebrar o protocolo, e não avisou ninguém. Os cinco minutos seguintes foram de agonia. Mais quatro alertas surgiram. Mesmo assim, Stan […]

Macallan Classic Cut – Elegância Violenta

Esta matéria foi originalmente publicada em 04 de Setembro de 2018. Em vista de sua chegada ao Brasil, a matéria foi atualizada em 23 de maio de 2024, com a nova edição. Fígado, favas e um bom chianti. Ou um grande amarone, se você preferir a versão literária à película. Literatura clássica, em especial a Divina Comédia de Dante. As Variações Goldberg de Johann Sebastian Bach. A belíssima cidade italiana de Florença. Parecem gostos de uma pessoa de sofisticação e cultura extraordinárias. E, na verdade, são mesmo. Incrivelmente, estes também são os interesses de um dos mais famosos vilões da ficção. O psiquiatra Hannibal Lecter, que aparece em obras como Dragão Vermelho e O Silêncio dos Inocentes. Lecter seria um cavalheiro quase perfeito, não fosse um pequeno detalhe. Ou melhor, um único gosto, que não tem nenhuma sofisticação. Hannibal gosta de comer gente. Gastronomicamente falando. Aliás, o sucesso de seu personagem, na opinião deste canídeo, está justamente aí. No equilíbrio entre a erudição e a mais gráfica e selvagem violência. Entre a polidez e a agressividade. Hannibal é Jekyll e Hyde, com o bônus do canibalismo. Em um mesmo personagem estão características aparentemente antagônicas, mas que se complementam lindamente. Se […]

Aberlour 12 anos – Memória

Chamo o Uber e corro para pegar minha carteira no quarto, antes de descer. Aperto os dentes de frustação ao ver que ela não está lá. Sempre coloco numa caixinha, perto da mesa. Pode ser que tenha deixado do lado do computador, na sala. Não, lá não está também. O Uber chegou, e eu aqui em cima ainda, procurando essa carteira. Será que ficou no carro desde ontem? Não, porque à noite comprei umas tralhas na Aliexpress, e usei o cartão. O que, aliás, indica que ela devia estar perto do notebook. Aumento minha busca em locais menos óbvios – dentro do armário, no banheiro, na cozinha. Nada. Cancelo o uber e dou um soco na própria perna, de desapontamento. Memória é uma desgraça, mesmo. Uma vez li um estudo que dizia que nossa memória é pouquíssimo confiável, porque a gente tende a criar encadeamentos coerentes para acontecimentos pontuais. Quer dizer, você se lembra de partes de algo que aconteceu, e seu cérebro completa as lacunas entre os pontos, como um preenchimento regenerativo de inteligência artificial. Ou melhor, natural. O que significa que às vezes você lembra de coisas que não aconteceram de verdade, só porque elas deveriam ter acontecido, […]

No dia do Whisky, quatro whiskies para diferentes gostos

Eu sou péssimo com datas comemorativas. No último dia das mães, por exemplo, só lembrei da efeméride na véspera. Minto. Fui alertado que o dia aconteceria com antecedência de três semanas – minha própria mãe me avisou, talvez na vã esperança de que eu programasse algo. Mas, como meu horizonte de planejamento não é nem de dez dias, deixei para depois. Aí fui surpreendido pela chegada do evento. A reação de minha progenitora, porém, foi ainda mais surpeendente. É, não esperava nada menos de você. O menos pegou. O que é menos do que nada? – pensei. Mães sabem cutucar. Dia dos namorados é assim também. No ano passado, descobri que acordara no dia 12 de Junho lá pela hora do almoço, ao me deparar com o sistema de reservas do bar lotado. Sob o olhar reprovador da Cã, comprei guanciale, e preparei um carbonara em casa – que mesmo que fosse o melhor mundo, ainda teria sabor de derrota. Talvez uma sessão de terapia revelasse algo que não sei. Mas, numa perigosa autoanálise, acho que esse meu relaxo com efemérides tem a ver com um certo ódio por elas. Eu não preciso de uma data para demonstrar meu apreço […]

Old Pulteney Huddart – Mitologia

“Não abre essa janela, você está de cabelo molhado, pode entrar um golpe de ar e você ficar resfriado” – todos já ouvimos essa frase de alguém. Provavelmente, no seio de infância, de algum adulto mal-informado. “Cuidado para não engolir o chiclete, porque ele vai ficar grudado pra sempre no seu estômago” é outra. Que é mentira também. O chiclete sai por baixo em alguns dias, totalmente incólume – como o milho. São tantos exemplos que dá pra fazer um texto só deles. Boa parte envolve água, ou a praia. Não pode nadar por uma hora depois de comer qualquer coisa. Depende, se você não comer um boi inteiro e depois bancar o Michael Phelps, não tem muito perigo. Tomar banho quando está chovento forte é arriscado, porque você pode ser eletrocutado por um raio. Não vira o olho esquisito, porque se bater um vento, você fica assim pra sempre – e ainda pega um resfriado, considerando o primeiro mito. A gente acredita em um monte de besteira. São noções passadas de geração a geração, que, em boa parte, servem para não precisar explicar algo complicado. Ou só por estupidez, mesmo. Existem noções assim em todas as áreas de conhecimento, […]