Old Pulteney Huddart – Mitologia

Não abre essa janela, você está de cabelo molhado, pode entrar um golpe de ar e você ficar resfriado” – todos já ouvimos essa frase de alguém. Provavelmente, no seio de infância, de algum adulto mal-informado. “Cuidado para não engolir o chiclete, porque ele vai ficar grudado pra sempre no seu estômago” é outra. Que é mentira também. O chiclete sai por baixo em alguns dias, totalmente incólume – como o milho.

São tantos exemplos que dá pra fazer um texto só deles. Boa parte envolve água, ou a praia. Não pode nadar por uma hora depois de comer qualquer coisa. Depende, se você não comer um boi inteiro e depois bancar o Michael Phelps, não tem muito perigo. Tomar banho quando está chovento forte é arriscado, porque você pode ser eletrocutado por um raio. Não vira o olho esquisito, porque se bater um vento, você fica assim pra sempre – e ainda pega um resfriado, considerando o primeiro mito.

A gente acredita em um monte de besteira. São noções passadas de geração a geração, que, em boa parte, servem para não precisar explicar algo complicado. Ou só por estupidez, mesmo. Existem noções assim em todas as áreas de conhecimento, e, claro, o mundo do whisky não sai ileso dessa. Há dezenas de mitos e lendas ao redor da produção de whisky – boa parte, perpretrada pela própria indústria. Um deles é que o whisky maturado ou produzido ao lado do mar fica salgado.

Essa é a Glenmorangie. Lá atrás, o mar.

É acolhedor acreditar em diversos mitos que podem explicar de forma descomplicada algo. Assim como crer que são as correntes marinhas e o spray das ondas que traz o sabor salgado ao seu copo favorito. É romântico. É quase gráfico – você vê, na televisãozinha mental da sua cabeça, aquela onda na rebentação pedregosa de alguma praia gelada da Escócia. Mas, é só parcialmente verdadeiro.

Há alguns meses, fiz uma matéria só sobre isso. Na oportunidade, expliquei como a impressão salina vem principalmente de compostos químicos – DMS, DMDS e DMTS – que nos remetem ao aroma da praia. E que há whiskies produzidos e maturados literalmente colados ao mar, como é o caso de Glenmorangie, que não retém qualquer aroma salino. E que incrivelmente há mais sódio em whiskies que não tem gosto de mar, como Glenfarclas, do que em whiskies bem salgadinhos, como é o caso do tema de nossa prova, o Old Pulteney Huddart.

O Huddart, aliás, é um exemplo precioso. Porque, além de salgado, ele é defumado. Mas o gosto de sal não vem de sal, e o gosto de fumaça não vem – diretamente – do uso de turfa no processo de secagem de sua cevada maltada. Mas, na verdade, do uso de barris que contiveram whisky turfado antes. O Old Pulteney Huddart, se fosse um filme, seria um daqueles metalinguísticos, que ao todo tempo te convencem que aquilo não é a realidade, mas, sim, um filme.

A maturação do Old Pulteney Huddart ocorre em barris de carvalho americano de ex-bourbon, tanto de primeiro quanto segundo uso. Depois, o whisky é transferido por um período não especificado para barricas de carvalho americano que antes contiveram alguma versão turfada de AnCnoc – ou melhor, Knockando. O processo de maturação faz com que o new-make da Pulteney absorva parte do líquido preso nas porosidades do barril, trazendo um sabor levemente enfumaçado para o single malt.

Este aroma discreto de fumaça, aliado à salinidade natural do Old Pulteney, produzem um single malt com características clássicas costeiras – com notas de iodo, fumaça, esparadrapo (ainda que bem pouco) e algas marinhas. Há um dulçor de açúcar demerara, também, e um leve sulfúrico. A impressão é que o Huddart é, de fato, um whisky produzido com cevada turfada – ainda que isso não seja real.

AnCnoc Peatheart: o single malt turfado que empresta a turfa ao Huddart

A nota de enxofre vem da destilação. Os alambiques de primeira destilação da Pulteney tem uma espécie de bulbo, quase tão grande quanto sua base, para incentivar refluxo, e topo reto. O lyne arm sai da lateral do alambique. Já os de segunda destilação contam com purificadores e condensadores em forma de serpentina, que adicionam oleosidade e este curioso perfil um pouco malcheiroso.

O Old Pulteney Huddart chegou recentemente ao Brasil, importado pela Cia. Hibernia de Bebidas – da qual este Cão faz parte. O whisky está à venda em varejistas selecionados, como o Caledonia, a Single Malt Brasil e a Alexandrion Experience, em São Paulo. Junto com ele, chegaram também o Old Pulteney 12 anos e o AnCnoc 12, ambos já revistos por aqui.

Para aqueles que procuram um single malt levemente turfado, com perfil de algas marinhas e adocicado, o Huddart é a escolha perfeita. E nem é porque nós que escolhemos. Mas, cuidado. Antes de comprar, seca bem o cabelo e cospe o chiclete. E só por precaução, melhor sair de óculos – vai que bate um vento. Tá bom que tudo isso pode parecer uma grande mentira. Mas, melhor se prevenir.

OLD PULTENEY HUDDART

Tipo: Single Malt Whisky

Destilaria: Pulteney

Região: Highlands (Wick)

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: enfumaçado, adocicado e iodado, com algas marinhas.

Sabor: Adocicado, com baunilha. Algas marinhas. Final longo e enfumaçado

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