26 de Setembro de 1983 foi uma data histórica para o iatismo. Depois de cento e trinta e dois anos de hegemonia dos Estados Unidos no America’s Cup, uma equipe Australiana finalmente gannhara a competição. Foi uma vitória gloriosa – mas, nem de longe, o acontecimento mais importante do dia. Este ocorreu algumas horas depois, do outro lado do Atlântico, no centro de comando Serpukhov-15, Rússia. Ele foi protagonizado por um tenente-coronel chamado Stanislav Petrov.
Petrov trabalhava como analista de sistemas e especialista em alerta precoce. Seu – tedioso – trabalho era monitorar o lançamento de misseis balísticos intercontinentais pelos Estados Unidos que pudessem ser direcionados à USSR. Se detectasse algum míssil, deveria alertar seus superiores, que seriam responsáveis por retaliar com centenas de ogivas nucleares, desencadeando a terceira guerra mundial. Que desembocaria no fim da humanidade. E, posteriormente, numa versão realista de Fallout, sem pseudo-zumbis e axolotes gigantes.
Naquele dia – ou melhor, no meio da noite – os computadores monitorados por Petrov identificaram cinco mísseis nucleares americanos, que voavam em direção a Moscou. Incrédulo, o tenente-coronel resolveu quebrar o protocolo, e não avisou ninguém. Os cinco minutos seguintes foram de agonia. Mais quatro alertas surgiram. Mesmo assim, Stan não fez nada. E no fim, sua aposta tinha sido acertada. Era um erro do sistema, causado pelos reflexos do sol em nuvens.
Fosse Stanislav Petrov um pouco menos passivo, o mundo acabaria naquele dia. E ainda que tivesse salvado a humanidade, jamais recebera o reconhecimento que deveria. Pelo contrário – Petrov foi repreendido por superiores, por quebrar o protocolo e usar o bom senso. Um herói anônimo, jamais devidamente reconhecido. Como, por exemplo, um certo whisky, chamado Royal Lochnagar. Pouco conhecido como single malt – mas o principal ingrediente de um dos blends mais cobiçados do mundo. O Johnnie Walker Blue Label.
Engarrafamentos de Royal Lochnagar não são fáceis, mesmo fora de nosso país. No Brasil, há apenas um, trazido oficialmente pela Single Malt Brasil, e em pequena quantidade – o Royal Lochnagar 12 anos, tema desta prova. Além dele, há, no exterior, algumas edições dos Diageo Special Releases, bem como uma versão do Game of Thrones.
O Royal Lochnagar 12 anos, que faz parte do core range da destilaria, e é provavelmente seu whisky mais conhecido. Sua maturação acontece numa combinação de barris de carvalho americano de ex bourbon, e barricas de ex-jerez. O perfil sensorial é frutado e adocicado, com um certo aroma de pão, e floral de alcaçuz no fundo. Sensorialmente, não há qualquer traço de turfa – ainda que algumas fontes afirmem que a destilaria usa uma pequena parte de malte turfado.
Se alguém visitasse a Lochnagar sem ter provado seu whisky previamente, poderia jurar que produz um new make pesado e sulfúrico, como Craigellachie, ou até mesmo The Macallan. A destilaria possui alambiques baixos, e emprega worm tubs em seus condensadores. Porém, o que faz toda a diferença é a operação. A destilação é lenta, e os worm tubs são aquecidos durante esse processo. O objetivo é incentivar o refluxo, e criar um destilado leve, ora herbal, ora floral. Algo que podemos notar até mesmo quando misturado no todo poderoso Blue Label.
Talvez você tenha notado o prenome “Royal”, nos parágrafos anteriores. É que, atualmente, o whisky é pouco conhecido. Mas nem sempre foi assim. Ele já foi um dos mais apreciados pela realeza britânica. Era o whisky favorito da rainha Victória e do príncipe albert. Foi esse que conecedeu um que concedeu um Royal Warrant à destilaria, em 1848, e permitiu que usasse “Royal” em seu rótulo, justamente para alardear o título.
Para aqueles que buscam um single malt floral, equilibrado e com influência de jerez, mas sem exagero, o Royal Lochnagar é perfeito. E também para os apaixonados pelo Johnnie Walker Blue Label, que queerm mais intensidade e oleosidade. Assim como Stanislav Petrov, o Royal Lochnagar é uma figura subestimada de importância monumental. Ambos desempenham – ou desempenharam – papéis cruciais nos bastidores. Ambos nos ensinam que o valor nem sempre está no que brilha intensamente, mas naquilo que sustenta e equilibra, garantindo que o mundo – ou o copo – continue em harmonia.
ROYAL LOCHNAGAR 12 ANOS
Tipo: Single Malt
Destilaria: Balvenie
Região: Highlands
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: frutas cristalizadas, alcaçuz, pão, mel.
Sabor: compota de frutas, mel, pão molhado. Final médio, com alcaçuz e baunilha.